Não é de hoje que a humanidade se empenha, com diligência admirável, em descer as escadas da razão rumo ao porão da tolice. Antigamente — e falo de tempos já mofados — ser um perfeito idiota requeria algum esforço. Era preciso, senão estudo, pelo menos vocação: ler panfletos partidários, assistir com devoção às homilias do padre da aldeia ou do pastor da esquina, seguir o comício do coronel local, com bandeirola e tudo. Havia método, liturgia e até hierarquia na arte de ser tolo.
Hoje, não mais. A idiotia democratizou-se. Pulou da sacristia para a tela do celular. A tolice, antes solene, agora dança no TikTok.
A nova escória do mundo, meus senhores, não nasce das sarjetas da ignorância, mas das passarelas digitais. Influenciadores — palavra feia, mas em moda — ditam regras com a autoridade dos oráculos, mas sem lhes herdar o mistério. São Apolos de academia, Aristóteles de cosmético e Césares de marketing de afiliados. Falam com a leveza dos que nunca pensaram e com a certeza dos que jamais duvidam.
E a plebe — não a romana, que sabia ao menos admirar Cícero — os segue com fé de romeiros. Endividam-se para fotografar-se à beira-mar como quem pisa o tapete vermelho de Cannes. Sorriem entre uma parcela do cartão e outra, convencidos de que “estão vivendo”.
Ah, viver! Que verbo vasto para tanques tão rasos! Aproveitar a vida, dizem eles — e o dizem como se a vida fosse um intervalo entre selfies, um sumário de likes.
Ora, aproveitar a vida é, justamente, deixar de ser idiota. E, para isso, é preciso tempo, silêncio e vergonha na cara — três artigos em extinção.
Umberto Eco, esse sábio que lia até bula de remédio com olhos filosóficos, já advertia: o idiota moderno ganhou voz. E, com o perdão do trocadilho, fez dela um megafone.
Mas há esperança. Eco mesmo ensinou o caminho da redenção: o idiota, se for diligente, começa achando que só ele é tolo. Depois, com esforço e leitura, descobre que o mundo inteiro é. E, no fim, se persistir no caminho das letras e da dúvida, voltará a crer que só ele não é idiota — o que talvez seja o primeiro sintoma da cura ou, ao menos, da elegância.
Quanto a mim, que já me achei idiota e hoje desconfio de tudo, fico cá com meus livros e minha desconfiança. E se algum dia me virem na praia, tirando retrato com óculos de grife e legenda filosófica, peço encarecidamente: chamem um psiquiatra. Ou um padre. Ou, quem sabe, o próprio Machado, para que me escreva uma epitáfio digno:
“Aqui jaz um homem que tentou não ser idiota. E quase conseguiu.”



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