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domingo, 11 de maio de 2025

A política, o hospital e os cachorros



Ou Caicó se livra do Hospital do Seridó, ou o Hospital do Seridó nos há de fazer andar de abadá, com estetoscópio no pescoço e promessa no bolso. Não é que o Hospital, em si, seja má instituição — ele ainda cura febres, restabelece tornozelos e serve de abrigo às senhoras com pressão alta. O mal não está nos leitos, mas nas cadeiras. Não nas seringas, mas nos discursos. Não nas agulhas, mas nas urnas.


Explico-me: o Hospital do Seridó tornou-se, há tempos, um bastião da política miúda. Aquela que se faz nos corredores com cheiro de éter e café requentado, onde se confunde o juramento de Hipócrates com o palanque de vereador. Não é hospital: é curral.


Sempre há, reparem bem, um candidato "do Hospital". Como há sempre um parente com dor nas costas, uma tia com exame pendente, ou um voto em disputa. A política que deveria ser pública, isto é, das praças, das ruas e agora até dos fios invisíveis da internet, resolveu encolher-se e morar entre esparadrapos e fichas do SUS.


O médico, no Seridó, não raro abandona o bisturi para brandir a bandeira. Trai o bisturi, mas nunca a urna. Transforma o jaleco em marketing. Não atende, cativa. Não ausculta, calcula. E assim o povo, sempre com um mal ou outro, e com fé quase mística em quem lhe receita dipirona, entrega o voto como se entregasse o pulso — com medo de morrer na fila.


Ah! Se os gregos vissem o uso que se faz aqui do nome de Hipócrates, pediriam retratação em grego arcaico. Por isso saúdo com entusiasmo o advento da Escola Multicampi — não como fábrica de doutores, mas como instrumento de dessacralização. Médico bom não é o que sobe em palanque, mas o que desce do salto. Doutor tem que ser como jurema-preta: nascer até em monturo.


E não falo por amargura. Falo por hábito de quem vê, desde menino, a política confundir-se com receita controlada. Enquanto isso, a fila do SUS serpenteia como cobra no sol, invisível e interminável. A solução? Transparência digital. Colocar a fila online, auditar a auditoria, e não deixar o fiscal dormir de plantão.


A Firjan, essa entidade que examina o país como um clínico geral de estatística, revelou que nas cidades mais críticas há apenas um médico para dois mil habitantes. E nas mais desenvolvidas, sete. Sete! Ora, se isso não diz algo sobre prioridades, nada mais dirá.


Em suma: o Seridó precisa curar-se da doença política que tomou conta da saúde. Livrar-se da oligarquia travestida de jaleco. E sobretudo, ensinar o povo a não confundir receita com redenção, nem consulta com caridade.


E já que falamos em bichos, termino como comecei: não alimentem os cachorros, disse o prefeito. Faltou acrescentar: nem os doutores que ladram por votos.


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