O Brasil é o primeiro país a adaptar um conjunto de indicadores da OMS para monitorar as violências contra crianças e adolescentes. O processo exigiu uma análise aprofundada dos dados nacionais disponíveis, permitindo identificar e enfrentar com mais eficácia as principais lacunas de informação.
Lançamento oficial dos indicadores teve presença de representantes do governo, da sociedade civil e de organizações internacionais (foto: Alecio Cezar)
São Paulo, 08 de maio de 2025 - O Brasil acaba de alcançar um marco importante no enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes: é o primeiro país do mundo a adaptar, para o seu contexto nacional, o conjunto de indicadores desenvolvido globalmente pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para monitorar as estratégias INSPIRE – um pacote de sete ações recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para prevenir e responder à violência infantojuvenil.
O material foi desenvolvido pela Vital Strategies Brasil e pela Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, com apoio da Fundação José Luiz Setúbal (FJLS) e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A proposta é ambiciosa: transformar dados e evidências em ferramentas eficazes de monitoramento, planejamento e articulação de políticas públicas voltadas à proteção integral de crianças e adolescentes no Brasil.
"Estamos construindo algo inédito no Brasil. Queremos engajar todos os setores em torno de um monitoramento orientado por dados e evidências, que não apenas qualifica nosso diagnóstico sobre violências contra crianças e adolescentes, mas também permite intervenções com maior chance de eficácia. Com esses indicadores adaptados ao contexto brasileiro, damos um passo decisivo para transformar realidades, protegendo não só as crianças e adolescentes de hoje, mas as próximas gerações,", destaca Lucas José Ramos Lopes, Secretário Executivo da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes.
De acordo com Sofia Reinach, Diretora Ajunta de Prevenção de Violências da Vital Strategies, "realizar o monitoramento das estratégias de enfrentamento à violência contra crianças por meio de dados e indicadores é uma forma de, ao mesmo tempo, compreender as características do fenômeno no Brasil e, também, identificar as lacunas em relação aos dados disponíveis e à qualidade da informação no país. Esse trabalho tem, portanto, um forte potencial para contribuir com todos os atores interessados em enfrentar a violência contra crianças no Brasil."
Um olhar amplo, intersetorial e baseado em evidências
A violência contra crianças e adolescentes é um fenômeno complexo, com múltiplas causas e consequências duradouras. Estudos apontam que a experiência de violência na infância aumenta significativamente o risco de repetição desse comportamento na vida adulta — um ciclo que só pode ser interrompido por ações estruturadas e sustentadas.
Por isso, o material lançado propõe um sistema de monitoramento abrangente, com indicadores agrupados em dez grandes eixos temáticos:
- Prevalência da violência: dados sobre a ocorrência de diferentes formas de violência, como bullying, violência sexual, policial e trabalho infantil;
- Monitoramento dos dados nacionais sobre violência infantojuvenil para a compreensão do fenômeno da violência no país;
- Marcos legais: existência de legislações específicas para coibir a violência contra crianças e adolescentes;
- Normas e valores sociais: indicadores que abordam percepções, atitudes e práticas culturais que podem naturalizar ou combater a violência;
- Segurança dos ambientes de convívio de crianças e adolescentes: avaliação dos espaços de convivência física e virtual das crianças, incluindo escolas e internet;
- Parentalidade positiva: iniciativas de apoio a pais, mães e responsáveis, visando fortalecer vínculos e práticas educativas a fim de promover a parentalidade positiva;
- Condições socioeconômicas: informações sobre renda, pobreza e vulnerabilidade social das famílias;
- Serviços de atenção e proteção, incluindo meios de denúncia disponibilizados pelo governo;
- Educação e desenvolvimento de habilidades para a vida: acesso à educação e formação em competências socioemocionais.
- Ações intersetoriais e de coordenação das políticas para a proteção de crianças e adolescentes
“Esse material possibilitará aos agentes públicos e privados que construam intervenções mais assertivas e focalizadas para enfrentar as violências que afetam milhões de crianças e adolescentes no Brasil, ao mesmo tempo em que permitirá fortalecer os fatores de proteção e a criação de condições para a uma infância mais saudável e segura”, destaca Márcia Woods, Diretora de Filantropia e Advocacy da Fundação José Luiz Setúbal (FJLS), apoiadora da iniciativa.
Fontes de dados e inovações metodológicas
Para monitorar todos esses temas e compor a nova metodologia, foram utilizados dados provenientes de diversas fontes — como os sistemas administrativos de saúde, educação, segurança pública e assistência social — e pesquisas especializadas, como a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), coordenada pelo IBGE e Ministério da Saúde. A PeNSE é, atualmente, a principal pesquisa realizada com adolescentes no país e oferece informações valiosas sobre fatores de risco e proteção.
No entanto, o estudo também aponta lacunas importantes. A PeNSE contempla apenas jovens entre 13 e 17 anos, o que significa que há uma escassez significativa de dados sobre a primeira infância. Além disso, os sistemas administrativos apresentam altos níveis de subnotificação, o que limita a visibilidade da real dimensão do problema. Outro desafio identificado é a ausência de estimativas populacionais por raça/cor entre os censos, o que prejudica o monitoramento das desigualdades raciais.
Convergência com agendas nacionais e internacionais
Além de adaptar os indicadores globais do INSPIRE, o material se inspirou em referências brasileiras como o Índice de Vulnerabilidade da Juventude Negra à Violência (IVJ-N) e os Indicadores Brasileiros dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), usados no monitoramento da Agenda 2030 da ONU.
Ao reunir dados e metodologias em um só material, o estudo contribui para qualificar o diagnóstico e ampliar a capacidade de resposta do poder público e da sociedade civil às múltiplas faces da violência infantojuvenil. Trata-se de uma ferramenta que promove a integração entre políticas e setores, reforçando compromissos nacionais com os direitos humanos e com o desenvolvimento sustentável.
Próximos passos
O lançamento oficial dos indicadores ocorreu no dia 29 de abril, no Itaú Cultural, em São Paulo (SP), com a presença de representantes do governo, da sociedade civil e de organizações internacionais. A partir do lançamento, foi iniciada uma nova fase de coleta, análise e disseminação desses dados.
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INSPIRE: Monitoramento de estratégias de enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes no Brasil
Realização: Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes
Apoio: Fundação José Luiz Setúbal (FJLS)
Parceiro técnico: Vital Strategies
Apoio institucional: Rede Nacional de Evidências em Direitos Humanos (ReneDH), Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Governo Federal.


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