Por Roberta Muramatsu*
A economia comportamental, uma disciplina que tem revolucionado a discussão sobre políticas públicas, oferece evidências robustas: plataformas de apostas on-line utilizam mecanismos psicológicos sofisticados, os dark nudges, para “incentivar” usuários a jogarem de modo frenético.
O resultado envolve prejuízos financeiros e emocionais devastadores, especialmente para indivíduos e famílias das camadas mais vulneráveis da população. A CPI das Apostas tem agora a chance de desvendar essa lógica de intervenção comportamental e expor como o sonho de ganhos monetários fáceis pode se transformar em uma armadilha digital cuidadosamente desenhada para fisgar indivíduos.
À primeira vista, perder por pouco em um jogo de azar pode parecer apenas frustrante. Mas, para a bilionária indústria das apostas on-line, a sensação de "quase ganho" é uma estratégia de interferência planejada no contexto decisório dos apostadores.
Pesquisas em neurociência, como as de Foxall e Sigurdsson (2021), destacam: o "perder por pouco" acende os mesmos circuitos cerebrais do prazer que uma vitória. Em vez de desanimar, o jogador se sente mais motivado e engajado, acreditando que a sorte está ao alcance de suas mãos. Não é acaso, nem sorte, é um desenho intencional da arquitetura de escolha on-line. Essa estratégia, voltada a induzir comportamentos que podem ser prejudiciais aos indivíduos, é o que a literatura especializada chama de dark nudges ou "empurrões obscuros".
Enquanto os nudges podem nos guiar para boas escolhas, como nos comprometer com um plano de previdência privada ou uma dieta saudável, os dark nudges das plataformas de apostas são projetados para nos levar a gastar mais tempo e dinheiro. A manipulação é potencializada pela forma como esses nudges se manifestam, e seus exemplos nocivos têm sido cada vez mais estudados dentro e fora dos muros das universidades. Luzes piscantes, músicas vibrantes e sons de moedas caindo representam sucesso e vitória, mesmo quando, objetivamente, as perdas são mais regra do que exceção. Propostas de ganhos astronômicos e roletas que giram sem parar enganam nossa razão, premiando decisões impulsivas. Jogos que alimentam a crença em nossas habilidades e competências dão a falsa sensação de que podemos influenciar os resultados.
Essa ilusão de controle é ampliada ao imaginarmos que sabemos muito sobre futebol ou ao recebermos "dicas quentes" de celebridades e influenciadores digitais. Além disso, parece impossível resistir aos inúmeros bônus de boas-vindas e convites tentadores para continuarmos jogando.
No Brasil, o mercado de apostas digitais tem crescido exponencialmente. Milhões de pessoas apostam em cassinos on-line, colocando em perigo sua saúde financeira e emocional. É neste contexto que a CPI das Bets se torna ainda mais crucial.
A CPI precisa ir além da discussão sobre legalização e tributação do setor de apostas. Ela deve desvendar as práticas de desenho dos contextos decisórios no universo digital que geram prejuízos não apenas aos jogadores individuais, mas para toda a sociedade.
Os parlamentares precisam investigar detalhadamente como as arquiteturas de escolha são alteradas por dark nudges que exploram a impulsividade, a racionalidade limitada e a influência social dos jogadores, especialmente jovens e adultos com baixa educação financeira.
A experiência internacional joga luz sobre a necessidade de uma regulamentação que considere o complexo universo decisório dos seres humanos. Para tanto, precisamos discutir propostas simples que aumentem a transparência e a responsabilização das bets. Alguns exemplos são mensagens claras aos usuários sobre o tempo de jogo e o dinheiro gasto, bem como configurações de sites que ofereçam informações transparentes em relação a ganhos e perdas incertas típicas das loterias, alertem sobre valores depositados e facilitem o saque e o encerramento de jogos ou contas.
A CPI das Bets não pode ser apenas sobre o dinheiro que os cofres públicos podem arrecadar. Trata-se de como o processo político, em uma democracia, pode mitigar danos e inspirar usuários a refletirem sobre seus melhores objetivos.
É fundamental que as conclusões da CPI e a futura regulamentação dos cassinos on-line levem a sério as contribuições da economia comportamental para criar um ambiente de apostas mais eficiente, seguro e transparente.
O Brasil não pode permitir que a CPI das Bets semeie o terreno para investidas paternalistas, como as associadas à proibição ou demonização dos jogos — já sabemos que isso nunca dá certo e pode abrir espaço para atividades ilegais e promotoras de vários tipos de violência. Porém, tampouco podemos ignorar o conselho do polêmico economista liberal Milton Friedman, que reconhece os inevitáveis conflitos de interesses dos agentes no mercado e que cabe ao governo, em uma sociedade livre, não subestimar a máxima de que “minha liberdade de mover meu punho deve ser limitada pela proximidade de seu queixo”.
*Roberta Muramatsu é professora de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), e Marcelo Samos de Guardia, discente do curso de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).


Nenhum comentário:
Postar um comentário