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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Como Trump transformou a política com espetáculo em Harvard



por Daniel Jankops Grandolfo 


Em 6 de janeiro de 2021, enquanto o Capitólio era invadido, as redes sociais registravam recordes de engajamento. Não era apenas uma crise política – era o episódio final da primeira temporada de uma série que manteve o mundo em suspense por quatro anos. O roteirista era ao mesmo tempo o protagonista. Donald Trump, o presidente que transformou a política americana em um fenômeno de audiência global.
 

Agora, trava uma forte batalha judicial com a Universidade Harvard, visando o rompimento institucional com a elite acadêmica americana como ponto estratégico de campanha para a reeleição. Donald Trump deve cancelar os contratos com a Universidade, além disso, a carta que contém a decisão, enviada às agências federais, orienta os órgãos públicos a buscarem fornecedores alternativos para futuros serviços, encerrando um relacionamento comercial de décadas com a Universidade de maior dotação financeira dos EUA.
 

O presidente dos Estados Unidos não governou apenas com decretos, mas com slogans e frases de efeito. Durante seu primeiro mandato, segundo o Trump Twitter Archive, ele publicou mais de 30.000 tweets antes da suspensão de sua conta. Já análises da Harvard Kennedy School indicam que a cobertura de Trump pela mídia tradicional foi predominantemente negativa, ainda assim, dados da Nielsen Media Research mostram aumentos significativos de audiência nos principais telejornais americanos durante seu governo.
 

Na era digital, Trump atualizou a máxima de P.T. Barnum, empresário do século XIX. "Não importa o que falem, desde que escrevam meu nome corretamente". Isso em um mundo em que a atenção é o recurso mais escasso – e valioso, onde segundo dados oficiais do YouTube, centenas de horas de conteúdo são enviadas à plataforma a cada minuto. Cada controvérsia gerava ondas de reação. Quando Donald Trump fez comentários depreciativos sobre nações africanas em 2018 enquanto a mídia tradicional se indignava, sua base se fortalecia, e ambos os lados alimentavam o mesmo ciclo de atenção.
 

A controvérsia gera mais engajamento que a conciliação; simplicidade vence complexidade (análises linguísticas da Universidade Carnegie Mellon demonstraram que seus discursos utilizavam vocabulário mais simples que seus antecessores); e repetição transforma opinião em fato percebido (estudos do Media Cloud do MIT identificaram padrões claros de repetição em sua comunicação). Empresas de mídia e entretenimento já adotam elementos desse playbook, priorizando conteúdos que provocam reações emocionais intensas sobre aqueles meramente informativos.
 

Jornalistas enfrentaram um dilema inédito: cada crítica a Trump amplificava seu alcance. Dados da Comscore mostraram que portais de notícias registraram recordes de tráfego durante controvérsias presidenciais, apenas para verem quedas significativas após sua saída. O atual presidente dos EUA transformou até seus críticos em dependentes do espetáculo que criou.
 

Seu método não se limitou ao mandato. Hoje, políticos de diferentes espectros ideológicos, do italiano Matteo Salvini à congressista americana Alexandria Ocasio-Cortez, adaptaram elementos de sua estratégia de comunicação, como evidenciado em estudos da Reuters sobre comunicação política digital. Para comunicadores, a lição é clara: na era digital, informar já não basta. É preciso impactar, provocar e, acima de tudo, ser memorável. Como McLuhan previu, o meio tornou-se a mensagem – e Trump, o mensageiro que reescreveu as regras.
 

O questionamento que permanece não é se concordamos com Trump, mas se estamos preparados para o mundo que ele ajudou a criar – onde a política, o jornalismo e o entretenimento se fundiram em um único e interminável espetáculo. E você, leitor, é apenas espectador ou já faz parte do show?




*Daniel Jankops Grandolfo, professor do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)


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