Maior análise genômica da história do Brasil revela mais de 8 milhões de variantes genéticas inéditas e mostra como a colonização, o tráfico de escravizados e a miscigenação impactaram nossa biologia e saúde

Multidão caminha pelas ruas do centro de São Paulo: a miscigenação é facilmente perceptível na variedade de formas e cores da população brasileira - Foto: Pedro Bolle / USP Imagens
Um estudo publicado nesta quinta-feira (15) na revista Science revelou, com detalhes inéditos, como cinco séculos de miscigenação entre indígenas, africanos e europeus moldaram a diversidade genética e a saúde da população brasileira. A pesquisa, coordenada por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Harvard Medical School, analisou 2.723 genomas completos de brasileiros de todas as regiões do país — a maior base de dados já produzida sobre o DNA da população nacional.
Foram identificadas mais de 8,7 milhões de variantes genéticas até então desconhecidas pela ciência, incluindo 36 mil com potencial efeito deletério, ou seja, capazes de influenciar negativamente a saúde. Entre os achados estão genes associados à fertilidade, resposta imunológica e metabolismo, que parecem ter sido moldados pela seleção natural após o contato entre os povos.
Os dados mostram que a mistura genética no Brasil atingiu seu auge nos séculos XVIII e XIX, coincidindo com o ciclo do ouro, a intensificação do tráfico de escravizados e o incentivo à imigração europeia após a abolição da escravidão. Essa história está registrada no DNA: 59% da ancestralidade dos brasileiros analisados é europeia, 27% africana e 13% indígena, com variações regionais importantes — o Norte tem maior proporção de genes indígenas; o Nordeste, africanos; e o Sul, europeus.
Outro achado impressionante foi a clara assimetria nas linhagens: 71% dos cromossomos Y (herança paterna) são europeus, enquanto 42% das mitocôndrias (herança materna) são africanas e 35% indígenas — uma prova genética das relações sexuais assimétricas, muitas vezes violentas, entre homens europeus e mulheres indígenas e africanas durante a colonização.
A análise revelou que variantes genéticas raras e potencialmente prejudiciais são mais frequentes entre indivíduos com maior ancestralidade africana e indígena — justamente as populações historicamente negligenciadas nos estudos genômicos. Além disso, genes associados a doenças como malária, tuberculose, hepatites e leishmaniose foram encontrados em diferentes combinações, o que pode ajudar no desenvolvimento de políticas de saúde personalizadas.
Segundo Alexandre C. Pereira, outro autor do estudo, a descoberta de variantes exclusivas da população brasileira — algumas ligadas a doenças metabólicas como obesidade e colesterol alto — reforça a necessidade de incluir países do Sul Global em bancos genéticos globais. “Nosso genoma é uma fonte de informação riquíssima que pode impactar desde o diagnóstico até o desenvolvimento de medicamentos”, afirma.
O estudo envolveu comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas, incluindo grupos da Amazônia e de regiões interioranas pouco representadas em pesquisas anteriores. Essa amostragem diversificada permitiu observar padrões únicos, como a presença de genes indígenas relacionados à fertilidade e à resposta imune, além de traços genéticos compartilhados por povos Tupi e Karib.
Além disso, foi possível identificar padrões de “acasalamento assortativo” — pessoas com ancestralidades semelhantes tendem a se relacionar entre si — nas gerações recentes, o que pode manter certas características genéticas ao longo do tempo.
O artigo Admixture’s impact on Brazilian population evolution and health está disponível aqui.



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