Por Luiz Rodrigues
Nos últimos dias, ganhou repercussão no Rio Grande do Norte uma sequência de demissões de jornalistas, reacendendo o debate sobre a fragilidade da imprensa local e sua histórica dependência de grupos políticos. O episódio lança luz sobre um velho problema potiguar: a ausência de uma imprensa verdadeiramente independente.
A marca do subdesenvolvimento: coronelismo midiático
O controle da mídia no Rio Grande do Norte sempre foi uma das faces mais visíveis do poder político local. Desde meados do século XX, a comunicação no estado esteve nas mãos de oligarquias que usaram jornais, rádios e, posteriormente, emissoras de televisão como instrumentos de dominação.
Um dos exemplos mais emblemáticos é o da Tribuna do Norte, fundada por Aluízio Alves. De origem humilde, Alves ascendeu politicamente e consolidou um império de mídia que incluiu ainda a Rádio Cabugi, a TV Cabugi — afiliada da Rede Globo no RN — e outras empresas ligadas à comunicação. O grupo serviu por décadas como suporte de sua atuação política e da manutenção de seu grupo familiar no poder.
Outro núcleo poderoso pertence à família do ex-senador José Agripino Maia. O clã detém até hoje o Sistema Tropical de Comunicação, que inclui rádios e a TV Tropical, originalmente afiliada à extinta Rede Manchete e, mais tarde, à Rede Record.
Em 1987, o estado passou a contar com três emissoras de televisão abertas. Além da TV Tropical, de Tarcísio Maia (pai de José Agripino), e da TV Cabugi, de Aluízio Alves, surgiu a TV Ponta Negra, de Carlos Alberto de Sousa, pai da ex-prefeita de Natal, Micarla de Sousa. Todas com vínculos diretos com grupos políticos tradicionais.
A mídia do interior: entre o cabresto e a bajulação
No interior do estado, o cenário não era diferente. Radialistas e jornalistas locais, em sua maioria, atuavam sob a tutela dos chefes políticos das cidades. Era comum que prefeitos ou deputados controlassem as emissoras de rádio, determinando a pauta, o tom e até mesmo o que podia ou não ser noticiado. A imprensa interiorana alternava entre dois polos: a bajulação ao poder de plantão ou a oposição cega, com pouca margem para equilíbrio e crítica responsável.
Esse modelo de comunicação esteve diretamente ligado ao coronelismo e ao clientelismo, marcas profundas da política potiguar. Durante décadas, a mídia regional funcionou mais como correia de transmissão de interesses particulares do que como um instrumento público de informação e fiscalização.
A internet e o abalo das oligarquias
O advento da internet, no entanto, provocou rupturas nesse modelo. As mídias digitais — blogs, redes sociais, canais de vídeo — passaram a dar voz a atores políticos antes excluídos dos meios tradicionais. A comunicação deixou de ser monopólio de famílias influentes, permitindo que qualquer pessoa, com desenvoltura e carisma, pudesse disputar espaço público.
Um exemplo simbólico ocorreu em Jucurutu, onde o deputado estadual Nélter Queiroz perdeu uma eleição municipal para um gari da prefeitura. O candidato adversário soube utilizar com eficiência as ferramentas digitais para se comunicar diretamente com os eleitores — algo impensável em décadas anteriores, quando as rádios locais estavam amordaçadas por contratos e favores políticos.
Antes da Constituição de 1988, esse controle se agravava com a ausência de concursos públicos e de uma Justiça eleitoral mais eficiente. Sem urnas eletrônicas e sob forte interferência política, fraudes eleitorais eram comuns. A imprensa, por sua vez, muitas vezes silenciava ou servia de escudo para esses abusos.
A blogosfera
Com a popularização dos blogs, especialmente a partir dos anos 2000, surgiu uma nova forma de dependência: blogueiros que abertamente defendem candidatos e partidos em troca de anúncios, favores ou empregos em prefeituras. A suposta liberdade digital deu lugar, em muitos casos, a um novo formato de subserviência. Em vez de rádio ou jornal, agora é o blog ou perfil de rede social que atua como braço de campanha — travestido de jornalismo.
A falta de independência editorial, a fragilidade econômica dos veículos e a ausência de políticas públicas robustas de fomento à comunicação democrática agravam o problema. Em pleno século XXI, o Rio Grande do Norte ainda não consolidou uma imprensa autônoma, plural e comprometida com o interesse público.
O desafio da informação livre
A imprensa livre é um dos pilares de qualquer democracia. Quando subordinada ao poder político ou econômico, perde sua função fiscalizadora e educativa. O Rio Grande do Norte ainda deve à sua população esse direito fundamental. O desafio é romper com o ciclo histórico de dependência e construir uma comunicação que dê voz aos diversos segmentos da sociedade — não apenas aos que detêm o poder.



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