Imagine uma cidade onde menos de 20% da população está empregada formalmente. Onde mais da metade dos moradores sobrevive sem qualquer fonte regular de renda e o orçamento público depende quase integralmente de repasses dos governos estadual e federal. Essa é a realidade de Santa Luzia, no sertão da Paraíba, município de pouco menos de 15 mil habitantes encravado no semiárido nordestino.
Apesar do cenário socioeconômico dramático, a Prefeitura local decidiu desembolsar R$ 1,1 milhão para a apresentação de um único "artista": o cantor da famigerada lambada cearense Wesley Safadão, conhecido por suas músicas de apelo popular e nome artístico de duvidoso gosto. O show foi contratado sem licitação direta, por meio de processo de inexigibilidade firmado com a empresa WS Shows LTDA.
O caso, no entanto, rapidamente ultrapassou os limites da festa junina e foi parar na Justiça. A contratação milionária tornou-se alvo de ação movida pelo advogado Ricardo Tadeu Feitosa Bezerra, que aponta uma série de irregularidades no processo. Segundo ele, a Prefeitura violou princípios básicos da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), principalmente no que diz respeito à transparência e publicidade dos atos administrativos.
De acordo com a petição inicial, o município teria deixado de divulgar documentos essenciais para justificar a inexigibilidade da licitação, como o termo de exclusividade do artista, as notas fiscais vinculadas ao pagamento e os relatórios administrativos que comprovam a vantajosidade da contratação para o interesse público. Sem esses dados, argumenta o autor da ação, não é possível aferir a legalidade do contrato nem o respeito aos princípios constitucionais da moralidade, eficiência e economicidade.
Santa Luzia, como diversos municípios do interior nordestino, enfrenta desafios estruturais profundos: deficiência na saúde pública, ausência de oportunidades para a juventude, déficit educacional, falta de acesso à água e saneamento, entre outros. Em um cenário assim, um gasto de mais de um milhão de reais com um único show se impõe não apenas como uma imprudência orçamentária, mas como um retrato da inversão de prioridades que marca parte da política brasileira.
O caso de Santa Luzia é apenas mais um exemplo da política do espetáculo que se reproduz com frequência em pequenas cidades do Brasil. Prefeituras endividadas, mas com calendário de festas abarrotado. Escolas sucateadas e hospitais sem medicamentos, mas com camarotes de luxo para autoridades locais durante o São João. O problema, em última instância, não é a festa — é o uso da festa como cortina de fumaça para encobrir a ausência de políticas públicas estruturantes.


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