O Custo do Espetáculo: Festas Juninas e a Perpetuação do Subdesenvolvimento no Nordeste - Blog A CRÍTICA

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terça-feira, 24 de junho de 2025

O Custo do Espetáculo: Festas Juninas e a Perpetuação do Subdesenvolvimento no Nordeste

Elvis Edson/Prefeitura de Caruaru


Em pleno mês de junho, o Nordeste brasileiro se cobre de cores, ritmos e tradições. As festas juninas, de profundo valor cultural, ocupam praças e corações — mas também os cofres públicos. O que seria motivo legítimo de celebração torna-se, ano após ano, uma espécie de vitrine de contradições: enquanto parte expressiva da população convive com a precariedade de serviços essenciais, municípios paupérrimos ostentam cifras milionárias em cachês artísticos. Diante desse quadro, impõe-se uma reflexão que vá além da superfície folclórica e adentre as camadas mais profundas do nosso modelo de financiamento público, do pacto federativo e do projeto (ou da ausência dele) de desenvolvimento regional.


O sistema de repasses federais, concebido com o propósito de mitigar desigualdades regionais históricas, tornou-se um instrumento ambíguo. Se por um lado os estados do Norte e do Nordeste dependem maciçamente do Tesouro Nacional para manter suas estruturas administrativas, por outro, são justamente os estados mais industrializados — como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais — que mais contribuem para o caixa da União. A equação é simples: quem produz riqueza, financia; quem permanece à margem da industrialização, depende. O que não é simples — e é aí que reside a tragédia — é a persistência dessa lógica ao longo das décadas, sinalizando não uma transição rumo ao equilíbrio federativo, mas uma cristalização da dependência.


A festa em si não é o problema. O problema é o modelo. É o fato de que, em muitos municípios nordestinos, os gastos com eventos festivos superam os investimentos em educação, saneamento ou infraestrutura básica. Municípios que decretam situação de emergência por estiagem ou falta de recursos médicos, paradoxalmente, conseguem contratar artistas por valores que ultrapassam a casa do milhão. Tal descompasso não é apenas uma questão de má gestão: é sintoma de uma cultura política que, em vez de enfrentar o atraso, o celebra — literalmente.


A Constituição de 1988, em um de seus acertos mais civilizatórios, impôs aos entes federativos o dever de realizar investimentos mínimos em saúde e educação. No entanto, o cumprimento formal desses pisos não tem sido suficiente para alterar o quadro de vulnerabilidade estrutural de vastas parcelas da população nordestina. O analfabetismo, ainda hoje uma chaga aberta em muitos rincões do Brasil, permanece como o principal obstáculo ao desenvolvimento nacional — e não há forró ou fogueira que o apague.


Como nos adverte o historiador Durval Muniz de Albuquerque Junior em A Invenção do Nordeste, a própria ideia de "Nordeste" foi construída por elites políticas e intelectuais que, ao longo do século XX, moldaram uma identidade regional ora folclórica, ora vitimizada, mas sempre funcional aos seus próprios interesses. Nesse sentido, quando prefeitos utilizam recursos oriundos das regiões mais dinâmicas do país para financiar festas — sem planejamento, sem contrapartidas educacionais ou produtivas — estão, ainda que inadvertidamente, contribuindo para a reprodução do subdesenvolvimento.


É preciso romper com esse ciclo. O Nordeste não precisa ser uma caricatura de si mesmo, nem pode viver eternamente do romantismo de sua miséria. A cultura popular deve ser valorizada, sim — mas dentro de um projeto de emancipação econômica e educacional. Celebrar o São João não pode significar sacrificar o futuro das novas gerações em nome de uma euforia efêmera bancada por quem, em última instância, nada tem a ver com o problema.


O verdadeiro progresso não se mede pela altura dos trios elétricos, mas pela elevação do nível educacional do povo. E enquanto esse povo estiver mais familiarizado com refrões de festa do que com os próprios direitos, o subdesenvolvimento seguirá dançando livre pelas praças de cimento polido.

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