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terça-feira, 29 de julho de 2025

A corajosa posição do Brasil contra Trump

Sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil optou por reafirmar seu compromisso com o Estado de Direito, mesmo com os Estados Unidos aparentemente renunciando à sua própria Constituição. Espera-se que outros líderes políticos demonstrem coragem semelhante diante da intimidação do país mais poderoso do mundo.



por Joseph E. Stiglitz


Durante décadas, os Estados Unidos foram os campeões da democracia, do estado de direito e dos direitos humanos. É claro que havia discrepâncias gritantes entre a retórica e a realidade: durante a Guerra Fria, os EUA derrubaram governos democraticamente eleitos na Grécia, no Irã, no Chile e noutros lugares em nome da derrota do comunismo. Em casa, os EUA estavam numa batalha para defender os direitos civis dos afro-americanos um século após o fim da escravidão. Mais recentemente, a Suprema Corte dos EUA agiu de forma agressiva para restringir os esforços para retificar os legados da longa história de discriminação racial.


Contudo, embora os EUA muitas vezes tenham deixado de praticar o que pregavam, agora não fazem nem uma coisa nem outra. O presidente Donald Trump e o Partido Republicano se encarregaram disso.


Em seu primeiro mandato, o desprezo de Trump pelo estado de direito culminou em sua tentativa de derrubar o princípio mais importante da democracia: a transição pacífica do poder. Ele alegou - e ainda insiste - que venceu a eleição de 2020, embora Joe Biden tenha recebido cerca de sete milhões de votos a mais e ainda que dezenas de tribunais tenham decidido que não houve irregularidades eleitorais significativas.


Qualquer pessoa familiarizada com Trump pode não ter ficado surpresa; a grande surpresa foi que cerca de 70% dos republicanos acreditam que a eleição foi fraudada. Muitos americanos - inclusive a maioria de um dos dois principais partidos - entraram na toca do coelho das teorias conspiratórias bizarras e da desinformação. Para muitos apoiadores de Trump, a democracia e o estado de direito são menos importantes do que preservar o estilo de vida americano, o que, na prática, significa garantir o domínio dos homens brancos às custas de todos os outros.


Para o bem e para o mal, os Estados Unidos há tempos são um modelo a ser seguido por outros países. E, infelizmente, há demagogos em todo o mundo mais do que dispostos a adaptar a fórmula de Trump de pisotear instituições democráticas e repudiar os valores que as sustentam.


Um exemplo proeminente é o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que chegou ao ponto de tentar imitar o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA para impedir a eleição de Biden. Essa tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, em Brasília, foi maior do que o ataque ao Capitólio dos EUA, mas as instituições do Brasil se mantiveram firmes - e agora estão exigindo que Bolsonaro seja responsabilizado.


Enquanto isso, os EUA estão se movendo na direção oposta desde o retorno de Trump à Casa Branca em janeiro. Mais uma vez, Trump deixou claro que adora tarifas e abomina o estado de direito - até mesmo violando o acordo comercial que fez com o México e o Canadá em seu primeiro mandato. E agora, ignorando a Constituição dos EUA, que dá ao Congresso autoridade única para impor impostos - e as tarifas são só um imposto específico sobre a importação de bens e serviços -, ele ameaçou impor uma tarifa de 50% sobre o Brasil, a menos que o país pare com o processo penal de Bolsonaro.


Aqui estava Trump violando o estado de direito para insistir que o Brasil, que aderiu a todas as restrições do devido processo legal ao processar Bolsonaro, fizesse o mesmo. O Congresso nunca promulgou tarifas como instrumento para induzir países a obedecer aos ditames políticos de um presidente, e Trump não pôde citar lei alguma que lhe desse sequer uma folha de figueira para suas ações inconstitucionais.


O que o Brasil está fazendo é um contraste marcante com o que aconteceu nos EUA. Embora o processo legal tenha se movido com lentidão mas de modo criterioso para responsabilizar aqueles que participaram da insurreição de 6 de janeiro, imediatamente após sua segunda posse Trump usou o poder de perdão do presidente para perdoar todos os que foram devidamente condenados - até mesmo os mais violentos. A cumplicidade num ataque que deixou cinco pessoas mortas e mais de 100 policiais feridos não era crime.


Assim como a China, o Brasil se recusou a se submeter à intimidação dos Estados Unidos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de “chantagem inaceitável” a ameaça de Trump, acrescentando: “Nenhum estrangeiro vai dar ordens a este presidente”.


Lula defendeu a soberania de seu país não só no domínio do comércio, mas também na regulamentação das plataformas tecnológicas controladas pelos EUA. Os oligarcas de tecnologia dos Estados Unidos usam seu dinheiro e influência no mundo todo para tentar forçar os países a lhes dar rédea solta para seguir suas estratégias de maximização de lucros, que inevitavelmente causam enormes danos, inclusive servindo como um canal de informações erradas e desinformação.


Assim como nas eleições recentes no Canadá e na Austrália, Lula teve uma “animada de Trump” no apoio nacional, pois os brasileiros se afastaram do governo dos EUA e se uniram a ele. Mas não foi isso que motivou Lula a tomar sua posição. Foi uma crença genuína no direito do Brasil de seguir suas próprias políticas sem a interferência estrangeira.


Sob a liderança de Lula, o Brasil optou por reafirmar seu compromisso com o estado de direito e a democracia, mesmo quando os Estados Unidos parecem estar renunciando à sua própria Constituição. É de se esperar que outros líderes de países grandes e pequenos demonstrem coragem semelhante diante da intimidação do país mais poderoso do mundo. Trump minou a democracia e o estado de direito nos EUA - talvez de forma irreparável. Não se deve permitir que ele faça o mesmo em outros lugares.


Tradução por Fabrício Calado Moreira





Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia e Professor Universitário na Universidade de Columbia, é ex-economista-chefe do Banco Mundial (1997-2000), ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos do Presidente dos EUA, ex-copresidente da Comissão de Alto Nível sobre Preços de Carbono e principal autor da Avaliação Climática do IPCC de 1995. Ele é copresidente da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional e autor, mais recentemente, de The Road to Freedom: Economics and the Good Society (W. W. Norton & Company, Allen Lane, 2024).

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