Entidade que representa membros do Ministério Público aponta retrocessos ambientais e ameaças à segurança jurídica e climática no Projeto de Lei que tramita na Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara dos Deputados. Marina Ramos/Câmara dos Deputados
A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA) divulgou, nesta quinta-feira (10/07), nota de posicionamento institucional (acesse aqui) alertando para os graves retrocessos previstos no Projeto de Lei nº 2.159/2021, que estabelece a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental, recentemente aprovado pelo Senado Federal e em análise na Câmara dos Deputados. Para a entidade, o texto representa uma ameaça concreta ao equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental no Brasil, ao flexibilizar indevidamente um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.
A nota, aprovada pelo Conselho Diretivo da ABRAMPA, foi formalmente encaminhada aos deputados federais José Vitor Aguiar (PL-MG), relator do PL na Câmara, e Elcione Barbalho (MDB-PA), presidente da Comissão de Meio Ambiente. A associação já havia manifestado posição contrária ao PL antes da votação no Senado Federal (acesse aqui a nota de posicionamento anterior).
Segundo a ABRAMPA, em vez de promover uma modernização responsável, com base técnica e diálogo democrático, o atual projeto fragiliza salvaguardas jurídicas, viola princípios constitucionais – como o da precaução, da prevenção e da vedação à proteção insuficiente – e pode gerar impactos negativos à saúde pública, à biodiversidade, à segurança jurídica, à imagem internacional do país e à própria economia nacional.
Entre os principais pontos considerados problemáticos, a ABRAMPA destaca a previsão de diversas hipóteses de dispensa de licenciamento ambiental para atividades como obras de infraestrutura, agropecuária e intervenções emergenciais, sem critérios técnicos claros e sem salvaguardas socioambientais adequadas. Para a entidade, esse tipo de flexibilização compromete o dever constitucional do Estado de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, e já foi repudiado em decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal.
Se aprovado, o texto permitirá, por exemplo, que seja feito o incremento da infraestrutura de instalações preexistentes ou em faixas de domínio da União, como a pavimentação ou duplicação de rodovias, sem licenciamento ambiental. No entanto, estudos apontam que esse tipo de intervenção está diretamente associado ao avanço do desmatamento, queimadas ilegais e ocupações irregulares nas áreas adjacentes, como aponta relatório do Observatório da BR-319, que monitora os impactos da rodovia entre Manaus e Porto Velho.
A criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite o autolicenciamento com base apenas na autodeclaração do empreendedor e sem análise técnica prévia, é vista pela ABRAMPA como um grave retrocesso. A proposta, que também prevê a renovação automática de licenças, compromete a fiscalização, dificulta a responsabilização por danos e ignora a complexidade dos impactos ambientais.
Além disso, o projeto invisibiliza os impactos sobre povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, ao deixar de prever a consulta livre, prévia e informada – como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – e ao limitar a análise dos impactos aos territórios demarcados ou titulados, desconsiderando os processos em andamento ou os modos de vida dessas populações.
A ABRAMPA aponta ainda que o projeto cria insegurança jurídica e distorções no mercado ao permitir que empreendimentos com potencial impacto socioambiental sejam autorizados com menos exigências e menos controle do que aqueles que já cumprem a legislação atual. Isso pode gerar concorrência desleal, estimular a busca por licenciamento mais flexível e desincentivar a conformidade ambiental, além de comprometer a confiança nas instituições públicas.
No plano internacional, o texto aprovado pelo Senado contraria compromissos firmados pelo Brasil nas áreas de clima, biodiversidade e direitos humanos. Ao sinalizar retrocessos ambientais, o país corre o risco de enfrentar barreiras comerciais, perda de credibilidade e dificuldade no acesso a financiamentos internacionais, especialmente em um momento em que mercados exigem cada vez mais rastreabilidade, transparência e sustentabilidade. Um exemplo claro é o Regulamento (UE) nº 1115/2023*, que proíbe a importação, pela União Europeia, de produtos associados ao desmatamento.
*Acesse o documento “Diretrizes de Devida Diligência Ambiental para Compras de Produtos Brasileiros pela União Europeia”, elaborado pela ABRAMPA e CNMP: em português e inglês.
A entidade também critica a previsão da Licença de Operação Corretiva (LOC), que permite a legalização de empreendimentos instalados sem licenciamento e, em certos casos, até a extinção da punibilidade penal — o que representa, para a ABRAMPA, uma anistia à ilegalidade. Também é apontada como grave a dispensa de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para obras de infraestrutura em áreas rurais com supressão de vegetação, o que compromete a gestão do território.
Por fim, a associação questiona a omissão completa do texto em relação aos impactos climáticos e à saúde humana. Em um contexto de emergência climática e sanitária, não incorporar diretrizes sobre avaliação de riscos nessas áreas é, para a ABRAMPA, uma falha grave e incompatível com os desafios do presente.
A ABRAMPA reforça que não se opõe à construção de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Ao contrário, defende que o país precisa de uma legislação moderna, eficiente e juridicamente segura. No entanto, isso só será possível com um processo participativo, transparente e tecnicamente embasado, que respeite os princípios constitucionais, os direitos de populações vulneráveis e os compromissos assumidos internacionalmente.


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