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sexta-feira, 11 de julho de 2025

O fim de uma era: o que vem depois da globalização?

A era do consenso global acabou, exigindo uma abordagem nova, estratégica e resiliente à globalização.



por Apostolos Thomadakis


Durante décadas, a globalização serviu como cenário padrão para a formulação de políticas econômicas. Mercados abertos, fluxos livres de capital e cadeias de suprimentos integradas não eram meros instrumentos de política; eram artigos de fé. De Washington a Bruxelas e Pequim, a convicção era de que a integração econômica traria prosperidade, garantiria a paz e, em última análise, traria convergência política. Esse consenso agora ruiu. O que estamos testemunhando não é uma reorientação tática da política comercial, mas uma ruptura na própria economia política da globalização.


Os sinais de alerta estavam sempre presentes. A crise financeira de 2008 expôs a fragilidade das finanças transfronteiriças e os riscos dos mercados desregulamentados. No entanto, em vez de reequilíbrio, a resposta foi a retração. A austeridade fiscal, os sistemas tributários regressivos e a estagnação salarial desiludiram amplos segmentos da população. A financeirização acelerou, a desigualdade disparou e o poder de barganha dos trabalhadores foi corroído. Os ganhos da globalização foram cada vez mais para o capital, não para os cidadãos.


Esse descontentamento generalizado encontrou expressão política clara. Movimentos populistas, antes considerados marginais, tornaram-se forças eleitorais dominantes em economias avançadas. Rejeitaram o consenso econômico liberal não apenas em tom, mas também em substância. Do Brexit ao America First, essas não foram aberrações; foram sintomas de uma crise de legitimidade mais profunda. Os cidadãos não acreditavam mais que o livre comércio, as fronteiras abertas e os tratados de investimento estivessem trazendo resultados.


Essa quebra de confiança abriu caminho para uma economia global mais transacional e fragmentada. A autonomia estratégica substituiu a vantagem comparativa. Os governos não estão mais otimizando as cadeias de suprimentos; em vez disso, estão focados em protegê-las. Os Estados Unidos estão se desvinculando da China com proibições direcionadas às exportações e políticas industriais. A Europa luta para reduzir a dependência de regimes autoritários por meio de sua agenda de "redução de riscos". Índia, Brasil e outras nações estão se inclinando ao protecionismo. Empresas multinacionais estão reconfigurando ativamente as cadeias de valor globais. A globalização não está acabando, mas está se tornando mais condicional, baseada em clubes e abertamente politizada.


Este não é um desvio temporário. Embora a pandemia de Covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia não tenham iniciado esse processo, certamente o aceleraram. As cadeias de suprimentos globais cederam sob pressão. A interdependência econômica, antes considerada uma fonte de paz, foi transformada em arma. Energia, semicondutores e matérias-primas tornaram-se alavancas de poder geopolítico. A ilusão de fluxos globais contínuos do pós-Guerra Fria deu lugar às duras realidades da competição de soma zero.


No entanto, a verdadeira ruptura é ideológica. O grande acordo do Ocidente – a ideia de que a liberalização econômica eventualmente levaria à liberalização política – não se aplica mais. A ascensão da China demonstrou que é inteiramente possível integrar-se aos mercados globais sem convergir politicamente. Seu modelo de capitalismo estatal, moeda administrada e política industrial expansiva superou as expectativas. A Iniciativa Cinturão e Rota, juntamente com investimentos em infraestrutura digital e alianças Sul-Sul, oferece aos países uma alternativa convincente ao modelo ocidental.


Essa fragmentação tem um custo significativo. A incerteza nos investimentos aumentou e o capital transfronteiriço está se tornando mais cauteloso. Regimes regulatórios divergentes estão aumentando os encargos de conformidade. A bifurcação tecnológica está se acelerando, especialmente em inteligência artificial, governança de dados e infraestrutura digital. As empresas agora operam em um mundo onde o risco geopolítico não é mais uma abstração, mas uma variável estratégica crítica.


Mais preocupante ainda, essa fragmentação está corroendo nossa capacidade coletiva de enfrentar os desafios globais. Mudanças climáticas, preparação para pandemias e governança digital exigem ações colaborativas. No entanto, a cooperação está paralisada pela desconfiança. O financiamento climático permanece controverso e a equidade vacinal permanece sem solução. A regulamentação da inteligência artificial está divergindo entre as jurisdições, e os mecanismos globais de coordenação estão enfraquecendo ou sendo completamente ignorados.


A resposta política deve começar com honestidade intelectual. Não podemos retornar ao modelo de globalização da década de 1990. Essa arquitetura – baseada em comércio sem atrito, capital desregulamentado e produção just-in-time – é inadequada para as realidades atuais. Resiliência, redundância e clareza estratégica devem ser as novas palavras de ordem.


Isso não implica autarquia ou isolamento. Em vez disso, precisamos de uma globalização reequilibrada, baseada em justiça, reciprocidade e legitimidade. Os acordos comerciais devem incluir normas trabalhistas e ambientais aplicáveis. A política de investimento deve mudar seu foco da arbitragem de curto prazo para o fomento da capacidade produtiva de longo prazo. Além disso, as instituições multilaterais devem ser atualizadas para refletir o cenário geopolítico atual, e não o de Bretton Woods.


No plano interno, a coesão social é inegociável. A globalização sem redistribuição sempre foi politicamente insustentável. O investimento público em educação, infraestrutura, saúde e resiliência do mercado de trabalho não é mais uma questão de ideologia; é essencial para a sobrevivência.


A Europa tem uma oportunidade única – e uma responsabilidade significativa – para moldar esta nova agenda. Como um sistema político assente em leis, valores democráticos e integração de mercado, pode oferecer um modelo para uma globalização mais justa. No entanto, isso exige uma coerência política inabalável. Não se pode reivindicar autonomia estratégica enquanto se depende do gás russo ou de chips taiwaneses. Não se pode pregar liderança climática enquanto se importam produtos com alto teor de carbono. Não se pode exigir a relocalização enquanto se apega a regras fiscais que sufocam o investimento público. E não se pode prometer simplificação enquanto se esvaziam os compromissos fundamentais de sustentabilidade.


A era do consenso global acabou. Isso não é motivo para paralisia. Mas fingir que podemos voltar ao passado só corrói a credibilidade. A tarefa à frente é clara: construir uma nova globalização – estratégica, democrática e resiliente. Qualquer coisa menos que isso convida ao caos. E o caos, enfaticamente, não é uma estratégia.



Apostolos Thomadakis é pesquisador e chefe da Unidade de Mercados e Instituições Financeiras no Centro de Estudos de Política Europeia (CEPS) e chefe de pesquisa no Instituto Europeu de Mercados de Capitais (ECMI).

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