Um Fole, Uma Praça e Algumas Poesias - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Um Fole, Uma Praça e Algumas Poesias



Ora, meu caro leitor, acaso já notastes como a poesia, tão ciosa de suas estantes e páginas de papel macio, às vezes resolve descer dos salões e tomar ar na praça pública? Pois bem, na noite passada, aqui mesmo, neste Caicó, sob as bençãos eternas de Sant’Ana e a vigilância discreta dos lampiões, a poesia resolveu sair de casa sem sapatos, com um fole debaixo do braço e saudade no bolso.


Chamaram ao feito o nome de "Poesia à Fole", título este que, com licença do estilo, bem poderia servir a um conto de Bocage ou a um sarau de botequim nos tempos de Juvenal Lamartine. Mas aqui o caso é outro: um punhado de almas seridoenses, de sangue e versos, resolveu tocar o coração do povo sem pedir licença ao protocolo — e o fizeram com decência, música e uma ternura que nem mesmo o jumento escapou de ser lembrado.


Na Praça da Matriz, onde um dia talvez se tenham vendido promessas e beijos de olhos fechados, alinharam-se os artistas como num cordel vivo: a dupla Hugo e Heitor, a anunciar-se talvez como os repentistas do amanhã; o comunicador Riva Júnior, que falou com o povo como quem conta causos à sombra de uma algaroba; e as inspiradas Iaponira Costa e Constância Uchôa, poetas de lavra fina, cada qual com sua pena de afeto e saudade. Juntou-se a eles o poeta Francisco Damião, que por certo carrega no peito um estandarte invisível onde se lê: “a palavra é minha enxada”.


E o que se ouviu? Ora, ouviu-se Elino Julião, cantando as estradas que não se acabam, viu-se Siri, ouviu-se Seridó — este velho de barbas de areia e coração de pedra quente. Até Januário foi lembrado, com sua sanfona e seu respeito — porque no sertão, meu caro, não se brinca com pai de Gonzagão.


Mas eis o que me ficou, após recolher-me a esta crônica como quem volta do mercado com as mãos cheias de vento: a poesia, ainda que cansada de solenidades, gosta de conversar. E quando lhe oferecem um banco de praça, um punhado de gente sincera e a companhia de um fole, ela não recusa. Pelo contrário, senta-se, cruza as pernas, e canta.


E a praça, essa velha testemunha dos silêncios públicos, sorri.


— Bons tempos, diria ela, em que o povo se reunia para escutar o que não se vende: o sentimento.





Um comentário:

  1. Vida longa ao projeto Poesia à Fole! É disso que precisamos para nos sentir vivos e felizes!

    ResponderExcluir

Post Bottom Ad

Pages