12 dias de racionamento de água por ano no país: estudo do Trata Brasil alerta para os riscos de desabastecimento até 2050 - Blog A CRÍTICA

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terça-feira, 28 de outubro de 2025

12 dias de racionamento de água por ano no país: estudo do Trata Brasil alerta para os riscos de desabastecimento até 2050

  • Onde a precipitação média e o número de dias de chuva já são menores – como em partes do Nordeste e do Centro-Oeste – espera-se que os racionamentos superarão 30 dias, com consequências graves na saúde e na qualidade de vida da população;
  • A temperatura máxima deverá aumentar aproximadamente 1º Celsius em comparação aos níveis observados em 2023, enquanto a temperatura mínima terá um acréscimo estimado de 0,47º Celsius. Outras tendências incluem a redução no número de dias chuvosos e a ocorrência de precipitações mais fortes;
  • Na média das cidades brasileiras, as tendências climáticas indicam restrição de oferta de água de 3,4% na média do ano, o que equivale a 12 dias por ano em média;
  • Devido aos aumentos de temperatura, o consumo de água deve crescer 12,4% adicionalmente ao que deve crescer em razão dos fatores econômicos;
  • Considerando um crescimento de PIB de 2,7% ao ano e o atual índice de perdas, a demanda futura de água até 2050 exigiria um aumento de 59,3% em relação à produção de água tratada em 2023;
  • As mudanças climáticas projetadas até 2050 devem acentuar os desequilíbrios entre a oferta e a demanda de água.
MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL


A água potável no Brasil vai acabar? Com essa pergunta em mente, o Instituto Trata Brasil, em parceria com a consultoria EX ANTE, produziu o estudo “Demanda Futura por Água em 2050: Desafios da Eficiência e das Mudanças Climáticas”. O material tem como objetivo projetar cenários de demanda futura de água nas moradias brasileiras em 2050, apontando as principais variáveis que influenciam as diferentes tendências de crescimento do consumo.

 

A ampliação de oferta de água, vinda com a universalização dos serviços de saneamento, é uma das componentes da expansão no consumo de água projetada. As demais componentes estão associadas à expansão demográfica e ao crescimento econômico. Fatores como a temperatura das cidades, umidade relativa do ar, número de dias de precipitação, urbanização e tarifa também possuem forte influência na oferta e demanda de água nas cidades.

 

O QUE AFETA O CONSUMO DE ÁGUA?

 

O Brasil é o quinto maior país do mundo, com uma área de mais de 8 milhões de quilômetros quadrados e mais de 200 milhões de habitantes (IBGE, 2023). Dada essa dimensão, é natural que as tendências de consumo de água variem de uma região para outra no país. De acordo com os modelos estatísticos do estudo[1], quanto maior o grau de urbanização de uma cidade, maior o consumo diário per capita de água. A cada aumento de um ponto percentual na população urbana do município, espera-se um crescimento de 0,96% no consumo de água.

 

Outros aspectos que afetam o consumo de água são a tarifa e a temperatura. Foi constatado que grandes variações de preço estão associadas a pequenas variações na demanda, o que reflete um comportamento típico de serviços com preços regulados. Além disso, a temperatura máxima das cidades também é um fator relevante para o consumo, interferindo de forma positiva no nível de demanda: quanto mais quente, maior o consumo per capita diário. Para cada grau Celsius adicional, a demanda por água cresce 24,9%. A umidade relativa do ar interfere no consumo per capita de água: quanto maior a umidade relativa do ambiente, maior o consumo. Na média das cidades brasileiras, a cada aumento de um ponto percentual na umidade relativa do ar, o consumo per capita de água cresce 3,6%.

 

O número de dias de precipitação também impacta a oferta per capita de água: cidades com chuvas mais frequentes estão associadas a níveis de oferta mais elevados. Em média, nas cidades brasileiras, a cada dia adicional de chuva na média mensal, o consumo per capita de água aumenta em 17,4%. Assim, municípios em áreas tropicais, com temperaturas elevadas ou localizados próximos ao litoral, apresentam maior oferta de água em relação a cidades situadas no semiárido brasileiro. Estas regiões, embora também registrem temperaturas elevadas, têm pouca precipitação, o que ocasiona restrições na oferta de água nas áreas de cerrado e caatinga.

 

STATUS DO CONSUMO DE ÁGUA NO BRASIL

 

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA), em 2023 foram consumidos 10,725[2] bilhões de m³ de água. Esse volume corresponde a uma média diária de 175,38 litros por pessoa no país, incluindo a quantidade de água perdida na distribuição. O Mapa 1 apresenta os valores de consumo esperado per capita diário de água dos municípios brasileiros em 2023.


Mapa 1 – Consumo esperado de água, em litros diários por habitante, Brasil, 2023




Adicionalmente, a Tabela 1 apresenta os valores médios do consumo diário per capita de água nas grandes regiões e nas unidades da Federação em 2023. Também está disposta a população total do país, incluindo aqueles que ainda não têm acesso ao serviço de abastecimento de água tratada. Multiplicando esses dois valores, calcula-se o consumo total de água necessário para suprir um cenário de acesso universalizado.

 

Os 13,037 bilhões de m³ que seriam necessários para atender ao consumo do total da população brasileira em 2023 superam em 30,7% o consumo registrado no mesmo ano na base de dados do SINISA, que foi de 10,725 bilhões de m³. Vale observar que essa ampliação de oferta é uma das componentes da expansão no consumo de água projetada para o cenário de 2050, resultante da universalização do acesso aos serviços de abastecimento de água tratada. As demais componentes estão associadas à expansão demográfica e ao crescimento econômico.



Tabela 1 – Consumo observado e esperado de água, em litros diários por habitante, 2023

Fonte: Ex Ante Consultoria Econômica



CRESCIMENTO E ESTIMATIVAS

 

Para estimar a demanda hídrica até 2050, foi necessário, em primeiro lugar, estabelecer os cenários de expansão demográfica e de crescimento econômico. O cenário demográfico baseia-se na projeção das taxas de fertilidade, mortalidade e fluxos migratórios líquidos para o período de 2023 a 2050. Projeta-se uma taxa de expansão demográfica no Brasil de 0,1% ao ano nesse período, valor 0,8 ponto percentual inferior ao observado entre 2000 e 2023. Essa taxa média anual é resultado da redução sistemática das taxas de expansão demográfica ao longo desses anos.

 

Já os cenários[3] de crescimento econômico baseiam-se em relações estatísticas entre o crescimento e seus determinantes. As variáveis determinantes do crescimento são: a taxa de crescimento do salário médio, o salário médio defasado, a taxa de investimento, a taxa de break-even, a taxa de matrícula, a razão de alunos por professor, o Índice municipal de produtividade, a população com acesso à água (%), a população com coleta de esgoto (%) e o esgoto tratado sobre água consumida (%).

 

As variáveis de saneamento evidenciam que o avanço no acesso a esses serviços contribui para o crescimento sustentado do salário médio nas cidades brasileiras. A presença de água tratada para 100% da população pode elevar em 0,75 ponto percentual a taxa de crescimento do salário médio, em comparação com uma cidade sem abastecimento de água. Por outro lado, as estimativas indicam que a universalização da coleta de esgoto para 100% da população tem o potencial de aumentar em 0,98 ponto percentual a taxa de crescimento do salário médio, em relação às cidades sem serviços de coleta. Além disso, a universalização do tratamento de esgoto pode elevar o ritmo de crescimento do salário médio em 1,25 ponto percentual, comparando-se a uma cidade sem nenhum serviço de tratamento de esgoto.

 

Por fim, vale destacar que as variáveis de saneamento indicam que o avanço da infraestrutura eleva o crescimento sustentado do PIB per capita das cidades. A presença de água tratada para 100% da população possibilita uma taxa de crescimento do PIB per capita 4,55 pontos percentuais acima da taxa de expansão de uma cidade sem abastecimento de água a seus cidadãos. De outro lado, as estimativas indicam que 100% de coleta de esgoto pode elevar em 0,84 ponto percentual a taxa de crescimento do PIB per capita relativamente às cidades sem serviços de coleta, ao mesmo tempo em que a universalização do tratamento pode elevar o ritmo de crescimento em 1,18 ponto percentual comparativamente a uma cidade sem tratamento de esgoto.

 

VAI HAVER ÁGUA SUFICIENTE? A DEMANDA POR ÁGUA ATÉ 2050

 

Para projetar a necessidade de água até 2050, foram consideradas algumas tendências. Desde o início dos anos 2000, observa-se no Brasil um aumento do preço dos serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto em relação ao preço médio da cesta de consumo dos brasileiros. Entre 2000 e 2024, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou uma variação média de 6,2% ao ano, enquanto os preços dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto cresceram, em média, 8,4% ao ano.

 

Essa tendência pode ser explicada pelo aumento dos custos com energia no Brasil, item consumido de forma intensiva no setor de saneamento, e pelo barateamento dos bens industriais que compõem a cesta de consumo das famílias, que fez com que o IPCA crescesse a taxas inferiores às dos bens e serviços intensivos em energia. Como o preço afeta negativamente o consumo per capita, essa tendência leva à redução do consumo médio por habitante ao longo do tempo.

 

Outra premissa considerada foi a redução gradual do índice de perdas de água na distribuição. Em 2023, muitos municípios apresentavam perdas extremamente elevadas, superiores a 80% da produção. Isso significa que, para cada litro consumido, outros quatro se perderam no caminho. Essas perdas são, majoritariamente, causadas por vazamentos na rede e pelo desvio de água (consumo não autorizado).

 

Pressupõe-se no estudo um ritmo constante de redução das perdas de 0,6% ao ano na média das cidades brasileiras até 2050. Essa redução constitui um fator importante para evitar um crescimento excessivo do consumo, mesmo diante do avanço esperado em direção à universalização dos serviços. No cenário principal do estudo[4], a urbanização é mais acelerada, assim como o ritmo de convergência para um padrão universal de abastecimento de água em todas as cidades brasileiras. Nessa visão, a universalização dos serviços de abastecimento de água em todo o país é alcançada já em 2033.

 

A Tabela 2 apresenta a evolução do consumo per capita nesse cenário. Nessa projeção, o consumo per capita médio do país deve passar de 175,29 litros diários por habitante em 2023 – com acesso ao sistema de abastecimento de água – para um volume médio de 204,86 litros diários por habitante em 2033. Isso corresponde a uma taxa média de crescimento anual de 1,6%, inferior ao aumento projetado para o rendimento per capita do trabalho no mesmo período, de 2,6% ao ano.

 

A expansão do consumo deve ficar abaixo do aumento de renda em razão da redução de perdas, de um lado, e do ligeiro aumento de preços que contém o crescimento da demanda. No período seguinte, entre 2033 e 2040, quando se espera que a renda per capita cresça à taxa de 1,1% ao ano, a expansão do consumo será também menor. Conforme estimado, a continuidade da redução de perdas e o ritmo suave no crescimento dos preços relativos fazem com que a demanda de água por habitante apresente uma redução de 0,5% ao ano nesse intervalo de tempo.

 

No terceiro subperíodo, entre 2040 e 2050, prevê-se uma expansão do rendimento do trabalho per capita mais elevada, com um aumento de 3,3% ao ano. Isso é resultado dos investimentos mais elevados e do aumento da produtividade mais acentuado. Esse avanço esperado mais forte da renda para a década de 2040 fará com que a taxa de expansão do consumo per capita volte a crescer, muito embora num patamar razoável, de 1,1% ao ano.

 

Dessa forma, para o período de 2023 a 2050, espera-se um crescimento médio anual de 0,8% no consumo per capita de água, resultando em um aumento acumulado de 25,3% ao longo dos 27 anos. Vale destacar que as taxas de expansão do consumo per capita apresentam pouca variação entre os estados, como ilustra a Tabela 2.

 

Com o atual índice de perdas, a demanda futura de água até 2050 exigiria um aumento significativo na produção. A projeção indica que o consumo adicional de água até 2050 seria de 6,414 bilhões de m³. Considerando as perdas registradas em 2023, que foram de 40,3%, a produção adicional necessária seria de 10,672 bilhões de m³, um aumento de 59,3% em relação à produção do setor de saneamento em 2023, que foi de 18,002 bilhões de m³.

 

Em 2023, o desperdício de água tratada superou a cifra de 7 bilhões de m³, volume que seria suficiente para suprir a demanda adicional estimada de 6,414 bilhões de m³, sem causar pressões adicionais sobre os mananciais. Caso as perdas fossem reduzidas para um índice de 25%, a necessidade de produção de água diminuiria em 2,138 bilhões de m³, comparada ao cenário em que as perdas permanecem em 40,3%.


Tabela 2 – Consumo diário per capita de água, em litros por habitante/dia e (%) ao ano, Brasil, 2023 a 2050


Fonte: Ex Ante Consultoria Econômica



O Mapa 2 apresenta as taxas de crescimento do consumo diário de água por habitante nas cidades brasileiras. Esperam-se taxas de crescimento do consumo per capita superiores a 7,5% ao ano para um elevado número de cidades.


Mapa 2 – Taxa de expansão do consumo diário per capita de água, em (%) ao ano, Brasil, 2023 a 2050

Fonte: IBGE e Ex Ante Consultoria Econômica



IMPACTO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS


Outra questão relevante nesse horizonte de análise, que abrange mais de duas décadas, é o impacto das mudanças climáticas. Os parâmetros do modelo econométrico utilizado para análise climática[5] indicam uma tendência de elevação tanto da temperatura máxima quanto da mínima anual no Brasil até 2050.

 

A temperatura máxima deverá aumentar aproximadamente 1º Celsius em comparação aos níveis observados em 2023, enquanto a temperatura mínima terá um acréscimo estimado de 0,47º Celsius. Isso resultará em um aumento da amplitude térmica de 0,52º Celsius até 2050. Além disso, outras tendências apontadas incluem a redução no número de dias chuvosos e a ocorrência de precipitações mais fortes.

 

Devido aos aumentos de temperatura, o consumo deve crescer 12,4% adicionalmente ao que deve crescer em razão dos fatores econômicos. Isso resultaria numa demanda incremental de 2,113 bilhões de m³ por ano e uma quantidade necessária de produção de mais 3,515 bilhões de m³ por ano (mantendo o nível de perdas na distribuição de 2023). Isso indica desafios ainda maiores que os decorrentes da expansão demográfica e econômica em razão das mudanças climáticas em curso.

 

Além do aumento no consumo, as mudanças climáticas projetadas até 2050 podem acentuar o desequilíbrio entre oferta e demanda de água no país. O avanço das temperaturas e a redução esperada no número de dias de chuva tendem a intensificar a aridez de diversas regiões, ampliando o semiárido brasileiro e trazendo consigo o risco de desertificação em novas áreas. Nessas regiões, onde a disponibilidade hídrica já é limitada, as mudanças climáticas podem comprometer ainda mais a oferta de água, criando cenários de escassez com alta probabilidade de ocorrência.

 

Na média das cidades brasileiras, as tendências climáticas apontam para uma redução de 3,4% na disponibilidade de água ao longo do ano. Isso se traduz em aproximadamente 12 dias anuais de racionamento. Regiões onde os índices de chuva e o número de dias chuvosos já são mais baixos – como partes do Nordeste e do Centro-Oeste, por exemplo – deverão enfrentar mais de 30 dias de racionamento, trazendo sérias consequências para a saúde e a qualidade de vida da população.

 

CONCLUSÃO

 

O estudo indica que são muitos os desafios para o pleno abastecimento de água até 2050. O aumento esperado da demanda, se não acompanhado de redução de perdas, elevará o risco de desabastecimento e pressionará os recursos hídrico por aumento da captação. As cada vez mais aceleradas mudanças climáticas também adicionam mais uma camada complexa ao problema.

 

Para Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil, o caminho a um 2050 com água para todos passa pela priorização do tema e aumento do investimento já. “Os dados apresentados reforçam a tendência de aumento no consumo de água, vindos com a maior oferta dos serviços, a expansão demográfica e o crescimento da economia. As tendências climáticas indicam restrição de oferta de água de 3,4% na média do ano por escassez de recursos hídricos em nossos mananciais. Estes dois fatores combinados trazem a urgência de adotarmos medidas imediatas e efetivas para reduzir as perdas no sistema de distribuição de água e planejarmos de forma sustentável a gestão e uso dos nossos recursos hídricos. Onde já enfrentamos escassez, como em partes do Nordeste e Centro-Oeste, a falta de água pode se prolongar por mais de 30 dias, o que traz impactos severos na saúde e na qualidade de vida das pessoas. É fundamental agir agora para promover eficiência, e preparar o país para enfrentar os desafios que as mudanças climáticas trarão nos próximos anos", finaliza a executiva.

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