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sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Para cada R$ 1 investido em políticas para egressos do sistema prisional, Estados gastaram R$ 4,8 mil com polícias em 2024, diz estudo do JUSTA

  • Levantamento nacional analisou gastos em polícias, sistema prisional e políticas para egressos ao longo de 2024
  • Estados gastam mais com polícias, que são a porta de entrada do sistema prisional, e apenas seis unidades da federação investem em políticas para egressos, que funcionam como a porta de saída
  • Rio de Janeiro está entre os estados que mais gastam, proporcionalmente, com as polícias no orçamento estadual; já em números absolutos, São Paulo segue na frente

 Fernando Frazão - Agência Brasil


São Paulo, outubro de 2025 – Os investimentos em segurança pública e políticas criminais nos estados brasileiros expõem uma disparidade alarmante: para cada R$ 4.877 gastos com polícias em 2024, R$ 1.221 foram desembolsados para o sistema penitenciário e apenas R$ 1 investido em políticas exclusivas para pessoas egressas do sistema prisional. É o que aponta mais uma edição do estudo “O Funil de Investimentos da Segurança Pública e do Sistema Prisional”, elaborado pelo JUSTA, organização que atua no campo da economia política da justiça. A pesquisa nacional analisou os dados de 24 unidades federativas, que compreendem 96% do total de orçamentos estaduais - apenas Piauí, Maranhão e Roraima não disponibilizaram as informações orçamentárias necessárias para o levantamento, apesar das exigências das leis de transparência. Nesta edição, dois novos estados - Paraíba e Rio Grande do Norte - foram incluídos na análise.

Ao todo, os estados analisados somaram R$ 109 bilhões de gastos com as polícias e o sistema prisional em 2024, um aumento real de 6% em relação a 2023, considerando o reajuste da inflação no período pelo IPCA. Apenas seis estados destinaram recursos para políticas exclusivas para egressos do sistema prisional: Bahia, Ceará, Mato Grosso, São Paulo, Sergipe e Tocantins. Ou seja, no ano passado, 75% das unidades federativas não reservaram recursos para políticas direcionadas às pessoas que deixam as prisões.

A pesquisa evidencia que, seguindo o padrão dos anos anteriores, a distribuição dos recursos segue se estruturando como um funil de investimentos, com 79,9% (R$ 87,5 bilhões) dos gastos destinados às polícias, 20% (R$ 21,9 bilhões) ao sistema penitenciário e apenas 0,001% (R$ 18 milhões) para políticas exclusivas para egressos das prisões. A divisão do orçamento prioriza as portas de entrada das prisões em detrimento das portas de saída, contribui para o inchaço do sistema prisional e intensifica os desafios para o cumprimento da pena das mais de 700 mil pessoas que atualmente estão nas prisões brasileiras.

O monitoramento do orçamento público permite a visualização não só do fluxo de recursos, mas, sobretudo, evidencia as prioridades político-orçamentárias e os sucateamentos. Os dados mostram investimentos bilionários na manutenção das ineficientes políticas de encarceramento e evidenciam que à porta de saída do sistema prisional, ou seja, às políticas para egressos, se reserva um cenário de completo desalento e falta de recursos, sem que haja, rigorosamente, qualquer investimento significativo que permitiria vislumbrar mudanças de rota após o cumprimento da pena”, diz Luciana Zaffalon, diretora-executiva do JUSTA.

Segundo ela, os gestores públicos têm hoje instrumentos concretos para mudar esse cenário de distribuição orçamentária e tensionar a lógica atual do “funil” no orçamento público. O principal deles é o Plano Pena Justa, iniciativa que, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), enfrenta o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro. Elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Governo Federal, com participação da sociedade civil, o plano prevê ações e metas para combater a superlotação, melhorar a infraestrutura, fortalecer direitos para as pessoas que já cumpriram suas penas e assegurar a continuidade das mudanças no sistema prisional. “Um dos pontos centrais do Pena Justa é o compromisso com a racionalidade dos investimentos, garantindo a priorização dos egressos. Trata-se do cumprimento de uma decisão do STF”, avalia Zaffalon.

O orçamento das polícias nos estados

O levantamento do JUSTA mostra que o Rio de Janeiro continua entre os estados que mais gastam, proporcionalmente, com polícias dentro do orçamento estadual, de R$ 100,5 bilhões. Em 2024, destinou 10,3% (R$ 10,3 bilhões) para policiamento, com valores que representam o equivalente à soma dos gastos estaduais com as áreas de educação, saneamento básico, energia e trabalho. Esse descompasso no uso dos recursos públicos não é exclusividade do Rio de Janeiro, mas chama atenção também a desproporcionalidade dos recursos destinados entre as diferentes categorias policiais, já que a Polícia Militar recebe 79% do total gasto com polícias nesse estado. O Rio de Janeiro representa 7,6% do total dos orçamentos estaduais do país, ocupando a 3ª posição, atrás de São Paulo e Minas Gerais.

O Amapá, que aparece em seguida com 9,9% (R$ 966 milhões) do orçamento estadual gasto com as polícias, também utiliza o equivalente ao que é destinado a funções importantes no estado como recursos ao Legislativo e ao sistema de justiça, cultura, agricultura, comércio e serviços, saneamento básico e trabalho, que juntas consomem cerca de R$ 962 milhões do orçamento. Em seguida, aparecem Ceará, com 9,3% (R$ 3,7 bilhões), e Sergipe, com 8,5% (R$ 1,2 bilhão) do total do orçamento gasto com as polícias.

Já em números absolutos, quem mais gastou com polícias em 2024 foi São Paulo, com R$ 16,9 bilhões, o que representa 4,9% do total do orçamento do estado no mesmo ano. Esses recursos representam a soma dos investimentos em outras 13 áreas do estado, como habitação, legislativa, ciência e tecnologia, gestão ambiental, cultura, assistência social, agricultura, saneamento básico, comércio e serviços, desporto e lazer, comunicação, organização agrária e trabalho. Na sequência, ainda em números absolutos, aparecem Rio de Janeiro (R$ 10,3 bilhões), Minas Gerais (R$ 8,4 bilhões), Bahia (R$ 6 bilhões) e Rio Grande do Sul (R$ 4,3 bilhões). O estudo permite comparar os gastos dos estados com polícias e demais funções de interesse público em todas as unidades da federação analisadas.

O “funil” do orçamento entre as Polícias 

Embora a maior parte dos recursos tenha sido destinada às polícias, o estudo expõe a desproporcionalidade na distribuição dos gastos com essa categoria: as Polícias Militares, responsáveis pelo patrulhamento e policiamento ostensivo, consumiram 59,7% dos recursos, com R$ 52,2 bilhões gastos em 2024. Já as Polícias Civis, encarregadas da investigação dos crimes e registros de ocorrências, contaram com 23% dos orçamentos, o equivalente a R$ 20,2 bilhões. As polícias técnico-científicas, especializadas na produção de provas técnicas, receberam apenas 3% do total gasto com todas as polícias, segundo o levantamento.

Polícia Técnico-Científica

Ainda que tenham registrado um aumento de 8% no total de seus recursos na comparação com o ano anterior, totalizando R$ 2,5 bilhões em 2024, os valores recebidos estão longe do montante gasto com as demais polícias. O crescimento dos investimentos nas polícias técnico-científicas em relação a 2023 foi puxado por cinco estados: Rio Grande do Sul, com R$ 56 milhões (30%); Paraná, com R$ 28 milhões (18%); Santa Catarina, com R$ 26 milhões (11%); Rondônia, com R$ 6 milhões (15%); e Sergipe, com R$ 4 milhões (19%).

Embora o Rio de Janeiro tenha sido o estado que, proporcionalmente, mais destinou recursos às polícias em 2024, não houve qualquer investimento na polícia técnico-científica, especializada na produção de provas técnicas. Dos R$ 10,3 bilhões gastos pelo estado com as polícias, 79% (R$ 8 bilhões) foram direcionados à Polícia Militar, enquanto 24% (R$ 2,2 bilhões) ficaram com a Polícia Civil – a Polícia Técnico-Científica do Rio de Janeiro ficou sem orçamento próprio.

O caso das polícias técnico-científicas é emblemático da falta de planejamento e má distribuição de recursos entre as corporações. É alarmante perceber o baixo investimento na produção de provas e na análise de vestígios de crimes, essenciais para comprovar a ocorrência de delitos, identificar envolvidos e garantir a efetividade da segurança pública nos estados. “O desinvestimento na produção de prova, na busca por materialidade e autoria, coloca em xeque a legitimidade do encarceramento massivo há anos naturalizado no país. Trata-se de um vício na porta de entrada. Prisões feitas em policiamento ostensivo, sem investigação e sem produção de provas não têm como ser consideradas legítimas”, explica Luciana Zaffalon.

Outros R$ 11 bilhões (14,5%) foram distribuídos, em 2024, em despesas compartilhadas entre as forças policiais que, muitas vezes, se utilizam não apenas do mesmo recurso, mas também de estruturas ou serviços em comum.

O orçamento do sistema prisional nos estados

Proporcionalmente, os estados que mais gastaram com o sistema penitenciário em 2024 foram o Espírito Santo, com 3,1% (R$ 859 milhões); Santa Catarina, com 2,9% (R$ 1,3 bilhão); Rio Grande do Sul, com 2,8% (R$ 1,8 bilhão); Rondônia, com 2,8% (R$ 409 milhões); e Minas Gerais, com 2,6% (R$ 2,7 bilhões).

Em relação a 2023, os gastos com o sistema prisional cresceram 61% no Espírito Santo e 41% no Rio Grande do Sul. O estado do Amazonas apresentou aumento de 19% nas despesas com essa finalidade, totalizando R$ 634 milhões, e ultrapassou o valor previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) em 64%.

Já em números absolutos, os cinco estados que mais destinaram recursos ao sistema prisional foram São Paulo (R$ 5 bilhões), Minas Gerais (R$ 2,8 bilhões), Rio Grande do Sul (R$ 1,8 bilhão), Santa Catarina (R$ 1,4 bilhão) e Paraná (R$ 1,3 bilhão).

Visualizador dos dados 

A edição de 2024 da pesquisa está disponível na plataforma interativa do JUSTA, visualizador de dados, que permite o acesso na íntegra a todos os dados sobre orçamento dos estados brasileiros, com destaque para gastos com polícias, sistema penitenciário e investimentos em políticas para egressos.

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