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sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Mulher na Revolução Mexicana



Escrito por Alicia Sagra   
Artigo publicado na revista da LIT-QI, Correio Internacional(Nova Época), nº 4, março de 2011.
 
 
A participação das mulheres na Revolução Russa de 1917 é bem conhecida. Como já citado em outro artigo, suas mobilizações foram os estopins que deflagraram a revolução. Sabe-se, também, que o processo revolucionário europeu do início do século XX deu origem a grandes mulheres revolucionárias, como Clara Zetkin e Rosa Luxemburgo. Assim como conhecemos o importante papel desempenhado pelas mulheres na revolução chinesa.
 
Mas há uma grande revolução que acaba de completar 100 anos, mas pouco estudada pelo Marxismo. Falamos sobre ela em outras páginas da revista. Aqui, neste dossiê dedicado às lutas das mulheres, queremos citar alguns fatos sobre a participação das mulheres naquela que foi uma das grandes revoluções do século XX, a revolução mexicana de 1910.
 
A participação política e social das mulheres não se iniciou em 1910
 
O processo de industrialização iniciado no porfiriato1 abriu, para as mulheres, as portas das fábricas, oficinas, escritórios, comércio, repartições públicas e, em particular, aumentou sua participação no magistério. A criação da Escola Normal de Professoras, em 1888, atribuiu grande importância à profissão de professora. Em 1876, 58,33% dos professores eram do sexo masculino e 25% do feminino; em 1900, 32,5% eram homens e 67,5% mulheres e em 1907, 78,29% dos docentes eram mulheres.
 
Assim, ela começa a sair dos estreitos limites do lar para outras atividades, não apenas laborais, mas também culturais e políticas, o que leva a uma significativa mudança de hábitos, que não foi muito bem visto pela imprensa da época. Por exemplo, o jornal El Clarín, de Guadalajara, disse: “As senhoras e senhoritas da capital muito ativas, assaz viris que fazem discursos, compõem peças musicais e abraçam e beijam em público (...) francamente, não nos agradam esses arroubos viris do sexo frágil; afastem-nas de sua esfera natural de atuação, separem-na de tarefas como pregar botões, preparar uma refeição ou de ensinar uma oração a seus filhos (...)”.
 
A influência dos movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos se faz sentir. Iniciou-se a organização de grupos de mulheres que começaram a escrever em jornais e revistas femininas sobre a necessidade de lutar pela emancipação.
 
Começaram a questionar a desigualdade intelectual entre os sexos, exigindo educação e conhecimento igualitários que lhes permitissem o engajamento no processo cultural e político.
 
Desta forma, foram surgindo mulheres intelectuais que aderiram à luta contra o regime e à revolução. Foi o caso de Dolores Giménez y Muro, professora e poetisa, presidente da Liga Feminina antirreeleição “Josefa Ortiz de Domínguez”2 e que ocupou o posto de coronel do exército zapatista até o seu assassinato em 1919.
 
Estas mulheres foram perseguidas, presas, algumas fuziladas. Mas seu trabalho foi mantido e chegaram a cumprir um papel destacado na elaboração da nova Constituição imposta pela revolução.
 
As mulheres dos soldados
 
As mulheres dos soldados, mais conhecidas como Adelas, aparecem no início dos enfrentamentos armados. Elas são filhas, esposas e amantes dos soldados que lutaram na Revolução e muitas delas foram grandes combatentes, sendo muito bem retratadas nos quadros de Frida Kahlo. Tiveram também seu reconhecimento na música. A canção La Adelita, por exemplo, fala de uma mulher de grande beleza, companheira de um sargento, mas também dotada de muita coragem, motivo pelo qual é admirada por todos os homens.
 
A grande maioria das mulheres camponesas engajava-se nos diferentes exércitos de acordo com seu lugar de origem, voluntariamente ou sob o velho sistema de leva3. Muitas vezes tiveram de suportar sequestros e estupros; abusos sexuais típicos das guerras.
 
Elas continuavam nos acampamentos as tarefas de seus lares, buscavam alimentos, cozinhavam, cuidavam dos doentes e feridos. Mas também lutavam. Cuidavam de seus maridos, pais ou filhos e quando estes caíam, elas continuavam a batalha. O testemunho a seguir é um bom exemplo disso:
 
“Ouve-se um toque de trombeta à distância pedindo senha. O eco difundiu o som do instrumento de guerra e o comandante do acampamento instruiu o corneteiro de ordens para responder. Uma vez confirmado que se tratava de forças amigas, esperou-se sua chegada. Por outro lado, chegavam notícias de que o inimigo iria atacar em breve, e assim prepararam a defesa do acampamento. O comandante organizou a distribuição dos soldados sob seu comando. De repente, uma mulher de soldado chegou a toda velocidade, agitando um trapo enquanto avisava aos gritos que o inimigo estava próximo. Então, o comandante, como bom militar, alertou as tropas para dispararem somente sob seu comando.
 
Efetivamente, quando a força contrária encontrava-se a uma distância conveniente, ele deu a ordem disparando sua arma calibre 45 sobre o inimigo que se aproximava: FOGO!... Uma saraivada pesada recebeu os atacantes e, embora estes fossem superiores em número, a tropa não se arredou e suportou o combate por 48 horas. Cada soldado que tombava era substituído por uma mulher de soldado, que mostrava coragem superior à dos homens. Estes, por sua vez, vendo esta demonstração de audácia, sentiram-se estimulados e derrotaram o inimigo. Deve-se fazer justiça e esclarecer que meninos de idade entre 9 e 11 anos também participaram daquele combate, pegando em armas para defender a parte que lhes cabia na luta. Foi dura a jornada!
 
No acampamento, afundados na escuridão da noite, os ‘peões’ descansavam.
 
Só se ouviam os passos dos soldados que faziam a ronda e vigiavam o sono de seus companheiros: chefes, oficiais e a tropa. Todos exaustos, não tinham comido e nem dormido durante as 48 horas de duração da batalha! Ao redor do acampamento, muitos corpos encontravam-se espalhados e foram queimados em montes com gasolina. Só tiveram sepulturas os 27 soldados que morreram em combate. O comando ordenou a emissão de passes para que suas viúvas e filhos voltassem aos seus lugares de origem. A mulher mexicana sempre demonstrou coragem e destemor quando as circunstâncias exigiram. Muitas receberam postos militares durante a Revolução, algumas se tornaram famosas como coroneis e outras como soldados rasos...! A maioria, como verdadeiras mulheres de soldados!”4
 
Algumas declarações de mulheres zapatistas descrevem como suas incorporações ao exército se deram:
 
“Fui embora porque queimaram e despovoaram Huitzilac em 1911. Quando a revolução eclodiu em 1910, tinha terra. Neste ano semeamos nosso grão de milho, mas tudo se perdeu, trapos e – você entende! – ficou tudo na casa, tudo... Entraram queimando, mas foi o governo, não os zapatistas. Quem entrou foi o governo. [Os homens] eram levados para bem longe, para a guerra, e nós para o acampamento. Mas nos deixavam uma ajuda, caso algo acontecesse.”5
 
“Todas nós éramos Adelitas, mas a Adelita verdadeira era de Ciudad Juárez... Ela dizia: Vamos! Entrem e as que têm medo que fiquem para cozinhar feijão... Éramos muitas: Petra, Soledá... E quase todas nós estávamos preparadas para o combate.”6
 
Algumas tarefas que realizavam: “As mulheres com Villa eram corajosas e valorosas, eram espiãs nos acampamentos federais, faziam-se passar por vendedoras. A tropa chamava-as de Marias e dessa forma elas entravam nas trincheiras, nos depósitos de armamentos, escutavam os movimentos e depois saíam e informavam o general Villa.”7
 
Os efeitos da participação das mulheres
 
A grande participação das mulheres na revolução possibilitou o atendimento de muitas das suas reivindicações, algumas das quais foram incorporadas à nova legislação. Por exemplo, a Lei do Divórcio com dissolução do vínculo, editada em dezembro de 1914, a Lei do Casamento, decretada por Emiliano Zapata em 1915, e a Lei sobre Relações Familiares, editada pelo governo de Carranza em abril de 1917.
 
As iniciativas apresentadas ao Congresso Constituinte em 1916 - relativas à imposição da pena de morte para o crime de estupro e à concessão do sufrágio feminino - não foram aceitas. Ao negar o direito de voto às mulheres, o Congresso Constituinte mostrou total desconhecimento de seu papel na luta armada revolucionária. Um discurso patriarcal se empenhava em mostrá-las reclusas no mundo doméstico, excluindo-as dos assuntos políticos.
 
Em contrapartida, os direitos trabalhistas foram incorporados à nova legislação. O salário mínimo das mulheres foi fixado em paridade com o salário masculino, a jornada de trabalho foi estabelecida em oito horas diárias no máximo e a licença-maternidade foi garantida por lei (nos três meses anteriores ao parto, as mulheres não desempenhariam trabalhos pesados e, no mês posterior, elas desfrutariam de descanso, com salário integral e garantia de emprego; durante o período de aleitamento materno, teriam dois períodos extras de descanso de meia hora cada um). Os trabalhos insalubres e perigosos também foram proibidos para as mulheres e jovens menores de 16 anos.

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