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sábado, 20 de outubro de 2012

Regulamentação de greves do serviço público está na pauta do governo federal

Guilherme Oliveira
Do Contas Abertas

Após a maior paralisação de servidores públicos dos últimos anos, o debate sobre a necessidade de regulamentação das greves do funcionalismo veio àtona. Diante dos prejuízos causados pela insegurança jurídica em relação às greves do serviço público, o governo federal já discute o tema internamente.

Além disso, dois projetos foram apresentados no Congresso, somando-se a um terceiro já existente.Porém, entidades sindicais não estão satisfeitas com o tom das abordagens.
Apesar de a Constituição prever que os servidores públicos devem exercer o direto à greve “nos termos e nos limites definidos por lei específica”, a lei complementar que regulamentaria o tema nunca foi feita e, portanto, os termos e limites não foram definidos.

Por isso, em 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que fosse aplicada ao serviço público, provisoriamente, a Lei 7.783/89, que regulamenta as greves na iniciativa privada. A Corte ainda fixou o prazo de 60 dias para o Congresso Nacional preencher o vácuo legal. Como a determinação do STF não foi cumprida, a legislação da esfera privada é aplicada até hoje, mesmo sem atender às peculiaridades das greves do serviço público.

Diante do vácuo legal, o governo federal já iniciou discussões preliminares com o objetivo de elaborar proposta concreta que cumpra a necessidade de regulamentação, que envolve a Secretaria de Relações de Trabalho no Serviço Público (SRT) do Ministério do Planejamento, o Ministério do Trabalho, a Casa Civil e a Advocacia-Geral da União (AGU).

"Ainda é tudo muito embrionário", informou representante da SRT, que comunicou ainda não haver prioridades definidas dentro do tema. "Nenhum ponto é considerado mais importante do queoutro. É preciso equilibrar todos os atores envolvidos para não prejudicar ninguém, nem os servidores e nem os cidadãos", afirma.

Apesar de não destacar áreas específicas, a SRT já sinalizou que o debate terá que passar também pela regulamentação das negociações coletivas – bandeira defendida pelas centrais sindicais. "Se há boa negociação no início do movimento, não tem greve", resumiu a representante da secretaria.

Neste ano, mais de 30 setores do funcionalismo federal realizaram paralisações. A soma dos movimentos configurou a maior greve de servidores públicos dos últimos anos no país. As primeiras a parar foram asuniversidades, em 17 de maio. A última das greves, da Polícia Federal, encerrou-se no último dia 16. Entre essas datas, servidores do Judiciário, do Ministério Público, de agências reguladoras e empresas públicas e do Executivo cruzaram os braços, de forma orquestrada ou independente. Os servidores ganharam a promessa de um aumento salarial de 15,8% ao longo de três anos e de uma reestruturação das carreiras. O governo ficou com a conta e a necessidade de organizar a reposição do tempo perdido.

Propostas do Congresso

Atualmente existem três projetos de lei no Congresso Nacional tratando da regulamentação do direito de greve dos servidores públicos: dois no Senado Federal e um na Câmara dos Deputados.

A proposta mais recente, apresentada no último dia 11, é do deputado Roberto Policarpo (PT-DF). O mais detalhado (28 páginas) é o projeto do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que aguarda apreciação em plenário. O mais antigo é o projeto do senador Paulo Paim (PT-RS), que ainda espera designação de relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Essa proposta é, na verdade, cópia de projeto que Paim já havia apresentado à Câmara dos Deputados nos anos 90, quando era deputado federal.

Parlamentar que aborda o tema há mais tempo, o senador Paulo Paim critica a omissão congressual. "Apresentei o primeiro projeto há 20 anos. Nunca ninguém quis debater o tema, entendendo que não era necessário regulamentar. No momento em que os servidores fizeram greve com grande potencial, todo mundo querregulamentar", comenta.

O senador Aloysio Nunes Ferreira também acha que o Congresso tem sido negligente. "O momento é propício desde 1988 [data da promulgação da Constitução]. Não sei por que ainda não houve [a regulamentação]. É importante para todos, servidores e cidadãos. Sem regras, o exercício do direito fica obstaculizado por arbitrariedades, e o cidadão fica sem segurança na prestação dos serviços", diz.

Apesar do clima favorável até mesmo perante a oposição, Paim recomenda cautela. "Não podemos querer fazer do dia para a noite. Logo após o fim da greve, havia no Congresso certo movimento de querer aprovar de qualquer jeito uma lei que iria proibir o direito de greve. Vamos chamar todas as partes interessadas para aprofundar o debate", relata.

Já o senador tucano acredita que as greves de 2012 mostram a urgência da regulamentação. "Não podemos deixar o cidadão como refém de corporativismos ou da inexistência de uma boa política salarial por parte do governo. Existe um sindicalismo atrasado, dominado por correntes políticas insignificantes. O cidadão não pode ser prejudicado em razão de greves que geralmente são determinadas por uma minoria", critica.

O deputado Roberto Policarpo adota discurso mais próximo dos sindicatos, ao enfatizar que, antes de discutir as greves, é preciso tratar das negociações. "É necessário ter no ordenamento jurídico a garantia da negociação, de sentar à mesa antes. É preciso fazer com que haja esse planejamento dentro da estrutura do Estado", reforça.

De origem sindical, Paim tem postura semelhante. "Ninguém gosta de fazer greve. O bom sindicalista não é aquele que conta quantas greves fez, é aquele que conta quantos bons acordos conseguiu para a categoria", ilustra.

Os três projetos apresentam muitos pontos em comum, a começar pela ênfase nas negociações antes ou durante o processo de greve. Outra semelhança é o reconhecimento da existência de serviços públicos essenciais que nunca poderiam ser inteiramente paralisados e cuja manutenção seria de responsabilidade dos servidores em greve.

A proposta do senador Aloysio Nunes Ferreira classifica 21 setores do funcionalismo como essenciais e limita sua paralisação a 40% da prestação regular (com exceção da segurança pública, cuja porcentagem legal seria de 20%).

O texto do senador tucano segue as jurisprudências adotadas pelo STF, que trazem os mesmos números. Além disso, Ferreira admite a possibilidade de interrupção judicial da greve em seu projeto. "É um processo regulado juridicamente. Por isso, se houver abuso, será necessária a intervenção da Justiça", explica.

Já o projeto de Paulo Paim define como essenciais apenas os serviços de urgência médica, mas o próprio senador admite que isso não é taxativo. "Eu quero que consigamos, mediante audiências públicas e um amplo debate com todos os setores envolvidos, apontar qual é o percentual ideal. Será uma construção coletiva", acredita ele.Além disso, o projeto de Paim não determina porcentagens específicas de manutenção dos serviços essenciais.

A proposta de Paim é contrária à interferência judicial, mas o senador diz que isso pode mudar. "Isso ainda merece reflexão mais profunda. É importante que alguém venha arbitrar, buscar saída para ambos se não houver entendimento entre as partes. Depende do caso". Paim enfatiza que seu projeto pretende apenas incentivar as discussões, não estipular regras definitivas. "O legislador não é o dono da verdade. Eu apresento uma minuta para o debate", observa.

Por sua vez, o projeto do deputado Roberto Policarpo acrescenta um elemento até agora inédito: os Observatórios das Relações de Trabalho, órgãos permanentes de mediação e consulta compostos por representantes da sociedade. "É uma forma de garantir que a sociedade terá participação no processo", explica Policarpo. "Eles servirão para verificar se todos os acordos estão sendo cumpridos: quem está exagerando, quem não quer negociar, quem pode ceder ou quem está errando. Eles oferecerão um olhar da sociedade", acredita.

Insatisfação sindical

Representantes dos movimentos sindicais, porém, não se mostram satisfeitos com o patamar atual das conversas. Sérgio Ronaldo da Silva, secretário de Imprensa e Comunicação da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (CONDSEF) - entidade que organizou o grosso das greves de 2012 - considera a postura do governo como forma de vingança por conta das mobilizações deste ano. "Se o governo tivesse a disposição de colocar em prática uma proposta que já vínhamos discutindo há três anos e meio, com certeza resolveria os problemas, mas ele não quer resolver. O governo vem tratando isso com descaso. Querer agora tratar somente do direito de greve seria ir para a revanche", critica.

A discussão de três anos e meio à qual faz referência tem relação com a regulamentação ainda não realizada da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), documento ratificado pelo Brasil em abril de 2010 que estende aos trabalhadores do setor público uma série de direitos já consagrados nas relações trabalhistas privadas.

Um dos pontos centrais do texto é justamente a questão das negociações coletivas de trabalho, que o governo está trazendo para o debate e que os sindicatos já tratavam como foco. Sem a regulamentação, não há regras obrigando a abertura de diálogo entre as partes na hipótese de atrito entre empregador (governo) e empregados (servidores) ou ditando como esse diálogo deve ser conduzido.

"As greves na verdade ocorrem para abrir negociação, já que ainda não se regulamentou as negociações coletivas", defende José Carlos de Oliveira, coordenador-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público (FENAJUFE), que não concorda com a regulamentação do direito de greve de imediato. "A nossa prioridade é garantir relação democrática de negociação. Partir direto para a regulamentação do direito de greve é um equívoco", afirma Oliveira.

As greves de 2012 deixaram marcas na relação entre governo e servidores. Os sindicalistas acreditam que o funcionalismo saiu fortalecido. "O governo vinha tratando os servidores com ironia e tomou o troco. As distorções salariais continuam, mas foi uma resposta à altura. Os servidores perceberam que, quando querem, conseguem fazer. O governo teve que engolir essa lição", dispara Silva.

"O movimento de 2012 foi muito importante pela retomada da unidade dos servidores federais, o que contribuiu para vencer a resistência do governo e chegar a acordos. É importante manter esse processo", acredita Oliveira.

Para os sindicatos, a sociedade também tirou ensinamentos valiosos. Silva mostra confiança: "O país está maduro. Tivemos muito apoio da sociedade e dos movimentos sociais. Eles entendem que, melhorando a situação dos servidores, vai melhorar a da população". Oliveira faz coro: "Foi colocado para a sociedade que é fundamental que haja a valorização dos servidores. A melhoria da qualidade dos serviços públicos anda junto com a valorização de quem presta esses serviços".

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