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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Mercantilização da Educação


“Dê aula, e se limite a isso”


Professores têm que lecionar conforme manuais pré-estabelecidos pelas universidades e são sobrecarregados com um número maior de alunos devido à adoção do ensino semipresencial 


Aline Scarso e Michelle Amaral - Brasil de Fato

Apesar da redução de salários e da carga horária, algumas universidades particulares têm aumentado o fluxo de trabalho de seus docentes com a adoção do ensino semipresencial em suas grades curriculares. Isto porque, conforme especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, esse tipo de método educacional tem uma dinâmica diferente, requerendo mais tempo dos professores para a elaboração das atividades e correção de trabalhos.   

O ensino à distância nas universidades particulares é regulamentada pelo Ministério da Educação (MEC). De acordo com a Portaria 4.059, de 10 DE dezembro de 2004, as instituições podem ofertar disciplinas semipresenciais em seus currículos, desde que não seja ultrapassado o limite de 20% da carga horária total do curso.      

Contudo, a adoção do ensino semipresencial por essas universidades significa apenas a possibilidade de abater o “custo-benefício por cabeça”. É isso que pensa o secretário do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Rondon de Castro. Ao regulamentar tal método, para Castro, o governo mostra que sua real intenção “está longe da qualidade do ensino, e sim de obter um número para computação em seus relatórios”.                

Segundo o vice-presidente do Sindicato dos Professores de Instituições Particulares de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana (Sinpes), Valdyr Arnaldo Lessnau Perrini, o ensino semipresencial é um “verdadeiro câncer” que tem se espalhado no ensino superior. Ele afirma que o método é válido para regiões longínquas, onde há dificuldades de locomoção dos estudantes até as instituições. “Mas esses cursos à distância estão se espalhando na graduação e os cursos que são presenciais começam a ter um percentual significativo de aulas à distância, isso para liberar a sala de aula e botar mais alunos”, explica o sindicalista.      

Como consequência, os professores passam a ter mais alunos sob sua responsabilidade com as turmas semipresenciais. “Ele não vai ter aquele limite físico de 60, 70, 80 pessoas por aula. O mesmo professor vai ter 200, 300 alunos à distância. Vai ter mais provas para corrigir e mais dificuldades, porque é toda uma filosofia nova de ensino”, pondera Perrini.

Menos participação

Segundo Castro, a adoção do ensino à distância nas universidades particulares faz parte do processo de tecnização do ensino superior. Ele avalia de forma negativa a condução do ensino superior para o caráter técnico, porque visa apenas a formação de mão de obra. Segundo o diretor do Andes, a prática resulta na precarização do trabalho docente, já que impõe manuais aos professores, afastando-os da pesquisa e da extensão.            

“Antes você discutia propostas para os cursos, linhas de atuação, dava sugestões e havia um bom espaço para isso. Atualmente, o professor é contratado e tem de se encaixar num modelo pronto, deve lecionar diversas disciplinas distintas e recebe um plano de aula fechado, com poucas possibilidades de criação”, relata o professor Dorival Reis (nome fictício). De acordo com o docente, que leciona há 27 anos, o nível de participação dos professores nas universidades particulares caiu bastante nos últimos anos.      

Somando-se às críticas, Walcyr de Oliveira Barros, vice-presidente da Regional do Rio de Janeiro do Andes, explica que os professores têm que se submeter às regras impostas pelas universidades, porque não têm a estabilidade no emprego que lhes garantiria segurança para se contrapor. “Para esse sistema privado, a lógica imposta para o docente é que ele dê aula, aula de conteúdo técnico e se limite especificamente a isso”, resume.


Oportunidade para estudantes, lucro para universidades
Nacional



O Programa Universidade para Todos (ProUni), criado pelo governo federal para possibilitar o acesso de pessoas de baixa renda oriundas do ensino público básico, é apontado por especialistas como uma forma de financiamento das instituições particulares com dinheiro público. Desde sua criação, em 2005, o ProUni já concedeu mais de R$ 3 bilhões em isenções fiscais.                  

De acordo com a Lei nº. 11.096, de 13 de janeiro de 2005, que instituiu o programa, a adesão das instituições particulares resulta em isenção de tributos como o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), e a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). Somente em 2012, foram renunciados pelo governo federal cerca de R$ 700 milhões e, se o atual desempenho do programa continuar, a previsão é de que em 2013 a renúncia fiscal chegue a R$ 1 bilhão.            

“O governo financia duplamente o ensino privado: ele custeia as bolsas e, por outro lado, concede a todas essas universidades a anistia fiscal”, pondera Walcyr de Oliveira Barros, vice-presidente da regional do Rio de Janeiro do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes).     

Investimento público

 Maria Suely Soares, vice-presidente da regional sul do Andes, defende que os recursos investidos no subsídio de bolsas nas universidades particulares deveriam ser utilizados para aumentar as vagas nas universidades públicas e possibilitar o acesso desses estudantes de baixa renda a elas. Segundo ela, com o ProUni, “a importância de se poder entrar na universidade pública está migrando para as instituições privadas”.            

A mesma opinião é compartilhada pelo vice-presidente do Sindicato dos Professores de Instituições Particulares de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana (Sinpes), Valdyr Arnaldo Lessnau Perrini. “É uma forma de desviar recursos públicos da universidade pública, e isto é feito sem controle efetivo da universidade privada”, afirma. Para ele, é necessário que o MEC crie uma “peneira” de qualidade dessas instituições que estão recebendo incentivos. “Mas a gente percebe que a qualidade do ensino a cada dia é pior e o governo acaba desviando dinheiro público para o lucro do patrão”, protesta. O vice-presidente do Sinpes cita como exemplo o caso dos estudantes que se formam em Direito nas universidades pagas que, ao se depararem com a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), percebem que o ensino recebido não foi adequado e reprovam diversas vezes. “Cria-se uma falsa expectativa de que a pessoa está fazendo um curso subsidiada pelo governo e que esse curso vai ter qualidade. Mas quando a pessoa chega na prova da OAB, onde tem que mostrar um mínimo de qualidade, ela não consegue passar”, exemplifica. Segundo Perrini, “não tem sentido investir dinheiro público nesse ensino de péssima qualidade”.     

Acesso

O Ministério da Educação (MEC), por sua vez, sustenta que o objetivo do programa é tão somente permitir “a ampliação do acesso de estudantes sem condições financeiras a cursos de graduação”. Em 2012, o ProUni atingiu a marca de 1 milhão de bolsas concedidas.               

Um dos bolsistas contemplado pelo programa é Lucas Brito, que se formou em 2011 em Jornalismo na Universidade Mogi das Cruzes (UMC), em São Paulo. “Como não tinha condições de bancar uma faculdade particular, encarei os estudos para tentar pelo Prouni”, conta o ex-bolsista que veio da Bahia para estudar na capital paulista.                

Já Jéssica Peixoto, aluna da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo (SP), conta que optou por estudar pelo ProUni após não conseguir passar no vestibular de uma universidade pública. “A bolsa do ProUni era o meu plano b, minha prioridade eram todas instituições públicas”, relata a estudante, que está no segundo ano de Jornalismo. “Através do ProUni conseguirei ter a vida profissional na área que almejei, vou ser uma jornalista”, afirma Jéssica e complementa que “não teria condições de bancar uma mensalidade de R$ 1.100” na universidade particular para realizar o curso.    

Endividamento

Além das isenções fiscais recebidas através do ProUni, as universidades particulares têm garantido o ingresso de estudantes que não teriam condições de pagar pelas mensalidades por meio do Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Na prática, o governo federal arca com as mensalidades dos estudantes que ingressam nessas instituições durante todo o curso. Os alunos, por sua vez, pagam valores simbólicos enquanto estudam e, após a conclusão, realizam o pagamento parcelado do saldo devedor em até 13 anos. Somente no primeiro semestre deste ano, 140 mil estudantes contrataram o Fies.              

No entanto, Frei David Santos, coordenador- geral da Educação e Cidadania de Afrodescendentes (Educafro), alerta que a fiscalização para o uso dos recursos por essas instituições é muito tímida. “Um abuso que precisa ser atacado com urgência é o fato de várias universidades particulares usarem do Fies e do ProUni como maneira de roubar o povo e o governo federal”, protesta.    

Atualmente sob investigação do MEC e da Polícia Federal, a União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo (Uniesp) pode estar se beneficiando dos programas do governo para aumentar o seu patrimônio. A universidade pratica preços diferenciados para alunos que contratam o Fies e se compromete, por meio de um documento, em quitar a dívida dos estudantes com o governo ao final do curso. A tática serve para que o grupo adquira novas unidades educacionais com o dinheiro público recebido.                 

Em 13 anos, a Uniesp se tornou uma das maiores redes de ensino superior. Entretanto, o documento dado aos estudantes não tem valor legal perante os órgãos de defesa do consumidor. Assim, caso a instituição não pague as parcelas do financiamento, o aluno será responsabilizado judicialmente. Somente no Procon de Campinas, onde a Uniesp tem uma unidade, foram registradas 64 queixas de alunos que suspeitaram da garantia recebida para aquisição do Fies.                

Outra forma de financiamento público para o ensino superior privado, conforme lembra Rondon de Castro, secretário do Andes, é o parcelamento das dívidas tributárias que as entidades mantenedoras têm com a União. Em agosto deste ano, uma Portaria conjunta da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) instituiu um parcelamento de 15 anos para o pagamento desses débitos, com desconto de 40% na multa. “São 17 milhões que o governo segurou em dívidas para que elas se mantivessem, porque senão muitas universidades iriam fechar”, explica Castro. Segundo ele, com a medida o poder público mostra que sua intenção é manter o ensino superior privado, porque “preenche o espaço que o próprio governo sabe que não vai cobrir”.  

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