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quinta-feira, 11 de julho de 2013

Egito: "Na próxima vez, pode receber um tiro do Exército alguém que amas"

Ativistas egípcios contrários a Morsi condenam a atuação do Exército. A Amnistia Internacional exige uma investigação imparcial sobre a morte de 51 manifestantes pró Morsi e recorda o historial de repressão dos militares egípcios. Uma das 51 vítimas é um jornalista egípcio que filmou como um militar lhe fazia pontaria segundos antes da sua morte. A Human Rights Watch pede que parem “as ações arbitrárias” contra a Irmandade Muçulmana. Artigo de Olga Rodríguez, publicado em eldiario.es
Imagem extraída do vídeo filmado pelo jornalista Ahmed Assem, assassinado na matança da passada segunda-feira, no momento em que um atirador militar lhe aponta a arma.
Chamava-se Ahmed Assem, tinha 26 anos e trabalhava para Al-Horia Wa Al-Adala, diário oficial do partido político da Irmandade Muçulmana. Na madrugada da segunda-feira encontrava-se a fotografar e filmar o protesto que partidários do derrubado presidente Morsi protagonizavam nos arredores da sede da Guarda Republicana, no Cairo.
Segundo o seu chefe, Ahmed foi o único jornalista que gravou a manifestação desde o início.
"No vídeo que filmou podem ver-se dezenas de vítimas. A câmara de Ahmed será uma prova das violações que foram cometidas", disse ao diário “The Daily Telegraph” o editor do jornal em que Ahmed trabalhava.
Na filmagem (este é o link para o vídeo) vê-se como um militar dispara do telhado de um edifício. Fá-lo várias vezes. De repente, gira-se e aponta noutra direção, exatamente à câmara de Ahmed. Segundos mais tarde o jovem jornalista morria de um tiro na frente, segundo várias testemunhas.
Nas últimas horas foram difundidos vários vídeos mais que mostram militares a disparar no protesto pró Morsi no qual morreram 51 manifestantes e mais de 400 ficaram feridos, em frente à sede da Guarda Republicana. Nos confrontos também faleceu um militar. Testemunhas e sobreviventes denunciaram disparos pelas costas e ataques completamente arbitrários por parte das forças de segurança.
O chefe da Guarda Republicana, um veterano da repressão
O chefe da Guarda Republicana, corpo de elite presumivelmente envolvido nesta matança, tem às suas costas um historial de repressão. A Amnistia Internacional denunciou que se trata do mesmo homem que em dezembro de 2011 foi responsável pelos ataques contra manifestantes acampados em frente à sede do Conselho de ministros no Cairo.
Naquela operação militar morreram dezenas de pessoas, centenas ficaram feridas e registaram-se cenas como esta, que deram a volta ao mundo:
Este dado sobre o atual responsável pela Guarda Republicana é mais uma prova da impunidade com que têm atuado durante anos as forças de segurança egípcias, e com a qual continuam a atuar no dia de hoje.
A Amnistia Internacional exigiu uma investigação independente, urgente e séria sobre a morte das 51 vítimas (aqui podem ver-se fotografias) e recordou que “as autoridades egípcias têm um pobre historial na hora de oferecer verdade e justiça em casos de violações dos direitos humanos”.
Além disso, acusou os militares e as autoridades de “branquear” abusos do Exército, e de ocultar conclusões de um relatório sobre matanças de manifestantes.
“A Promotoria tem empregado mais tempo a acusar com processos os críticos do governo do que a perseguir a polícia e o Exército por violações dos direitos humanos”, denunciou a ONG, que acaba de publicar um relatório com o título "Assassinatos ilegais” nos protestos e violência política entre 5 e 8 de julho de 2013".
Ativistas anti Morsi denunciam o Exército
A matança de 51 manifestantes pró Morsi, na qual também ficaram feridas mais de 400 pessoas, gerou indignação e preocupação em diversos setores egípcios.
“Nunca pensei que pudesse ocorrer algo mais desumano que o massacre de Maspero [forças de segurança contra manifestantes cristãos em outubro de 2011, morreram 24 pessoas]. A celebração perante a morte de 51 pessoas demonstra-me que estava equivocada”, lamentou a ativista feminista Mariam Kirollos, publicamente contrária à Irmandade Muçulmana.
Em 2011, sob o comando do Supremo Conselho militar, as forças de segurança mataram e feriram manifestantes, submeteram mulheres a abusos sexuais, registaram-se prisões arbitrárias e torturas, e mais de 12.000 civis foram julgados em tribunais militares. [Neste vídeo relatam-se alguns destes episódios de repressão]
“Quando as autoridades prendem arbitrariamente líderes da Irmandade Muçulmana, encerram canais de televisão, matam manifestantes, põem-nos em risco de confrontação”, advertiu o jornalista Simon Hanna, que também não ocultou a sua alegria perante a queda do presidente Morsi. Na sua conta do Twitter, Hanna denunciou “a violência do Exército contra qualquer manifestante. Apoio o direito a protestar dos defensores de Morsi”.
Outra ativista, também contrária à Irmandade Muçulmana, Salma Said, considera que “os milhões que tomaram as ruas pedindo a saída de Morsi não podem apoiar o Exército matando os seguidores de Morsi”.
“Esta é a polícia de Mubarak. Nunca houve uma purga. Nunca estarei ao seu lado contra ninguém, nem sequer contra a Irmandade Muçulmana”, sublinhou o ativista socialista Hossam El Hamalawy, que tem denunciado a presença de “remanescentes do regime de Mubarak” no chamado campo revolucionário:
“O termo Revolução 30 de junho é uma tentativa sinistra por parte de meios de comunicação públicos e privados para apagar a revolução de janeiro de 2011 e absolver os oficiais da polícia e o Exército”.
Hamalawy, tal como outros ativistas que nestes dias se estão a expressar contra o Exército, celebrou a queda da Irmandade Muçulmana.
A jornalista egípcia Sarah Carr, clara opositora da Irmandade Muçulmana, autora de uma página na qual recolhe, com o objetivo de denunciar, as declarações mais polémicas da Irmandade, escrevia ontem uma reflexão na qual terminava advertindo para os perigos de justificar a violência:
“Na próxima vez, pode receber um tiro do Exército alguém que amas”, rematava Carr.
“A revolução real terá lugar quando o Exército deixe de estar envolvido na política”, assinala Sarah Carr, que escreveu um artigo a defender a inclusão dos grupos islâmicos:
“Têm que ser incluídos, porque não vão para nenhum outro lugar. O maltratado sistema político nascido em janeiro de 2011 foi substituído por algo ainda mais frágil: Um cenário fracionado sem perspetivas de solução, os militares como árbitros e uma Irmandade Muçulmana incendiada que sente que foi enganada. Apertem os cintos".
A crispação é tal que alguns setores da sociedade estão a ver com maus olhos a defesa dos direitos humanos para todos. Perante isso, a ativista Mariam Kirollos comentou: "Defender direitos humanos não me torna pró Morsi, tal como defender os direitos dos animais não me converte numa vaca".
Também a conhecida ativista Gigi Ibrahim, que participou nas manifestações contra Morsi e celebrou a sua queda, condena o papel da cúpula militar:
“O Exército está a jogar um jogo sujo tentando apagar a revolução de 2011 e atribuindo à Irmandade Muçulmana todos os crimes passados. Os Irmãos são culpados, mas não dos crimes do Supremo Conselho militar”, adverte, e arremete contra as leituras simplistas que estão a surgir ao calor da polarização:
“Estar contra o Exército e a cúpula militar não me converte em partidária de Morsi, podemos parar já tanta estupidez?", disse Gigi Ibrahim, que recordou o pacto de bastidores com tensão, isso sim, existente entre a Irmandade e o Supremo Conselho militar até pouco antes do golpe.
Dentro do Egito diversos ativistas e organizações de direitos humanos expressam o seu receio a que as autoridades mantenham a repressão, o que poderia radicalizar os grupos castigados ou marginalizados e alimentar a exclusão.
"Atos arbitrários" contra a Irmandade Muçulmana
Neste sentido expressou-se a secção egípcia da organização Human Rights Watch, que exigiu ao governo militar do Cairo que pare “os seus atos arbitrários” contra a Irmandade Muçulmana e contra meios de comunicação afins. A ONG denunciou o encerramento de meios de comunicação e a detenção de líderes da Irmandade “aparentemente só por serem membros do grupo”.
Além disso, advertiu que as autoridades militares não informaram do paradeiro de Morsi e de outros dez líderes da Irmandade, nem do que são acusados. Também exige a libertação do presidente derrubado e dos seus assessores, “a menos que os promotores tenham provas de que cometeram crimes segundo a lei egípcia”.
“Tanto o general Al Sisi como o presidente interino prometeram um processo político de transição inclusivo, mas estas violações de direitos políticos básicos significarão que a Irmandade Muçulmana e outros ficarão fora da vida política”, adverte HRW.
Artigo de Olga Rodríguez, publicado em eldiario.es Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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