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sábado, 21 de setembro de 2013

O Contrato Natural

Nasce na América do Sul uma Filosofia Constitucional e de visão das sociedade única, nela o homem não é o dominador do universo e sim mais um ente do todo, chamado Pachamama (Mãe-terra).

Por | Luiz Rodrigues Junior  - Publicado no Jornal Jurid ISSN 1980-4288


Os homens nasceram membros da terra viva e a toda parte encontram-se destruindo-a, como se não fossem parte dela.


A ação de modificar a natureza acompanha a humanidade, muito provavelmente, desde que saíra de um estado primitivo onde sobrevivia somente daquilo que a natureza lhes provia; a partir de quando começa a realizar trabalho; segundo Friedrich Engels "o trabalho criou o próprio homem", no sentido de homem em sociedade, é que modifica a natureza em seu favor. No Brasil dos anos em que acontece a invasão europeia mercantilista os povos que aqui habitavam já praticavam a queima de áreas a serem usadas na agricultura, portanto, já modificavam organizadamente o meio natural. Essa ação modificadora, muito mais evoluída na sociedade europeia que se universaliza pelo Mundo ocidental a partir do século XV, apoiada pelo desenvolvimento da filosofia e da ciência; lembremos da teoria de Francis Bacon em torno de uma ciência que fosse usada pelo homem para possuir poder sobre a natureza, "saber é poder" aparece constantemente em sua obra, de fato a partir desse momento a ciência nunca mais parou de produzir mecanismos de sobreposição sobre a natureza; toma proporções cada vez mais devastadoras à biosfera a partir da Revolução Industrial, o capital na sua busca excessiva por expandir-se e o avanço da técnica proporcionado pela ciência puseram em risco o equilíbrio ecológico do planeta. No entanto, todos sabemos dos benefícios que a ciência representa para a humanidade, pra preservar a natureza não é necessário apagar a ciência, pelo contrário, as ações destrutivas estão muito mais relacionadas ao lucro e ao conhecimento pelo conhecimento utilizando-se da ciência. Aliás, a própria ciência está servindo como ferramenta de conscientização do impacto produzido pela poluição e degradação ambiental sobre a vida no planeta. Quanto aos Direitos Humanos, tomamos a lição de Norberto Bobbio quando diz que a grande questão é efetivá-los; alertamos ainda para os riscos que a Globalização Negativa, como conceitua o sociólogo Zygmunt Bauman, está oferecendo sobre esses direitos.

O humanismo renascentista e o Iluminismo, com suas tarefas essenciais, pois, tratava-se de vencer o problema do homem para com o homem; coloca-o no centro das relações e por ser detentor da racionalidade capaz de agir sobre a natureza visando somente a si, é o que diz a obra cartesiana, como único ser racional o homem teria o direito de dispor da natureza como quisesse. Ainda na Revolução francesa, influenciado pela Filosofia Iluminista, fora publicado a Primeira Declaração Universal (no conceito centralista europeu) de direitos Humanos e surge a ideia de se criar uma Constituição a organizar os estados (Constituição Americana - 1776), apesar de as constituições evoluírem em sua força normativa tempos depois.

As Constituições no modelo europeu restringem-se ao homem, o homem pairando acima dos outros seres vivos componentes da biosfera terrestre e senhor supremo do próprio meio físico do nosso planeta, o Homem como  o ser Supremo e não como parte da biosfera, as teorias contratualistas desde Hobbes foram apenas sociais, trata-se agora de dar-lhes uma visão natural, pela vida; como dissemos a expansão capitalista tornara-se altamente agressiva e cada vez com um potencial mais perigoso; na segunda metade do século XX ganham força as corrente ecológicas preocupadas com, até mesmo, a destruição da vida no planeta, descobre-se o efeito estufa, organizam-se cúpulas, a primeira foi realizada em Estocolmo no ano de 1972, e fóruns globais entre as nações para discutirem os problemas causadores do desequilíbrio ecológico do planeta; o mais famoso documento firmado nesses encontros foi o Protocolo de Kyoto, tornara-se símbolo da Ditadura em Política Internacional da Maior potência Capitalista da terra, os Estados Unidos recusara-se a assinar o protocolo, anos depois o famoso ambientalista americano Al Gore perdia as eleições presidenciais em fortes suspeitas de fraudes e o presidente das Maldivas  lamentava a possibilidade de desaparecimento do território de seus país em virtude do degelo nas calotas polares ocasionados pelo aquecimento Global.

A expansão econômica para apenas fazer o capital crescer continua a gerar danos devastadores e é a maior resistência a uma política ecológica, devastando áreas na Amazônia para fazer a expansão do agronegócio que não serve para matar a fome do ' bilhão de humanos que vão todos os dias dormir com fome na terra; produzindo mais a mais automóveis, nos fazendo pensar que o automóvel é imprescindível, liberando mais CO2 na atmosfera, além de tornar intransitável o trânsito nas cidades; por tudo isso afirmamos que o ecologismo quando bem entendido e compreensivamente interpretado, é preciso ensinar a compreensão alerta Edgar Morin, não diminui em nada os Direitos Humanos, a ciência e o bem-estar social, pelo contrário, é o máximo complemento.
                         
Direitos do homem x Direitos da natureza ou uma só e mesma coisa.

O Jurista Argentino Eugenio Raúl Zaffaroni em um livro intitulado La Pachamama y el humano traz profundas considerações acerca da garantia de Direitos à natureza e esse novo constitucionalismo sul americano. Um dos enfoques importantes trazidos por Zaffaroni diz respeito a como encontrar-se o justo equilíbrio entre Direitos do Homem e Direitos da natureza, não no sentido de disputa, mas no sentido de que o ecologismo não prejudique o que já fora conquistado com relação aos direitos do homem.

"É muito fácil perverter o discurso ecológico, particularmente profundo, basta caricaturalizá-lo convertendo-o em um discurso contrário às declarações de direitos e opor o geocentrismo ou qualquer outra tentativa de reconhecer a natureza como sujeito de direitos em um discurso anti-humanista que, por remover o humano do lugar de titular do domínio absoluto da natureza o degrade em um micróbio eliminável e se opõe à sua conservação".(Zaffaroni)

A preocupação de Zaffaroni diz respeito a que haja uma divergência e não uma unificação nessa nova visão de mundo, aliás não nova, pois, já era praticada pelos povos sul americanos anteriores à invasão; o que se busca é uma nova forma de ver filosoficamente as sociedades, sendo partes delas não só o social, mas também o natural, assim o natural do homem se reintegra à pachamama.

Zaffaroni analisa as duas visões:  a primeira considerando o homem como o titular de direitos, sendo a preservação da natureza um direito humano, e a segunda reconhece personalidade à própria natureza, a última é a que se afilia o constitucionalismo ecológico sul americano.

"Não se trata de um ambientalismo destinado a proteger centros de caça  ou recursos alimentares escassos para os seres humanos, nem tampouco de proteger as espécies por mero sentimento de piedade por serem menos desenvolvidas do que os humanos, mas reconhecer obrigações ética em relação a eles, resultante do fato de participar juntos em um todo vivo de cuja saúde dependem todos os seres humanos e não-humanos. Também não é para limitar esses direitos aos animais, mas reconhecê-los a plantas e criaturas microscópicas fazendo  parte de um continuo de vida e até mesmo a matéria aparentemente inerte que não é tão inerte quanto parece".(Zaffaroni)

A teoria filosófica encontrada pelos constitucionalistas sul americanos é diferenciada, não por colocar vários artigos nas constituições relacionados a temas ecológicos e sim pela nova visão de mundo colocada em questão, e o melhor com inspiração nas culturas anteriores à invasão sempre rebaixadas pelo centralismo e sentimento de superioridade europeu. O Constitucionalista sul americano não colocou os direitos da natureza sobre a ótica humana e sim, juntou todos como partes da pachamama, a mãe terra, fez um contrato natural.

Evidente que não se trata de um retorno do homem ao "estado de natureza" e sim de o homem reconhecer-se como parte da terra viva, que sem ele não pode viver. Sem a pachamama o homem não pode viver, necessita de água, do solo, das plantas, dos animais, preservar a terra é uma Direito Humano à sua existência, por ser dotado de razão, o homem deve tratar agora não mais de modificar deliberadamente a natureza e sim de conservá-la Gaia e Pachamama

La Pachamama é  a Mãe Terra dos povos andinos, é viva porque nos fornece tudo que precisamos para viver, o respeito à natureza nessas culturas é sagrado.

"A ética derivado de sua concepção impõe a cooperação. Supõe-se que  em tudo o que existe  há um impulso que explica o seu comportamento, mesmo no que parece matéria inerte ou mineral e, a fortiori, no vegetal e animal, do que resulta que todo o espaço cósmico é vivo e é acionado por uma energia que leva a relações de cooperação mútua entre todos os membros da totalidade cósmica".(Zaffaroni)

De outro lado, a ciência nos apresenta a Hipótese Gaia, desenvolvida pelo inglês James Lovelock:"De acordo com esta hipótese o planeta é uma coisa viva, não no sentido de  um organismo ou um animal, mas de um sistema que se autorregula(...)"(Zaffaroni).

São duas visões distintas mas que se encontram ao enxergarem a terra e cada elemento (vivo ou não) como um todo que coopera e se completa. Por que não respeitar o direito do rio a manter sua água potável quando sabemos que não viveremos sem água potável? A Civilização Industrial produz uma quantidade de resíduos incalculáveis tudo desenvolvido para facilitar a vida dos humanos que podem se utilizar desses recursos, então a ciência pode modificar isso e facilitar a vida da pachamama também. Os sistema econômicos e o sentido que encontramos para nossas vidas não são eternos, os valores são criaturas e não criadores dos homens, estamos no momento de modificar nossa consciência de mundo.
                
                                  
Constituições

Em meio a todo esse dilema duas Constituições aprovadas na Primeira década do Século XXI na América do Sul, o Sub continente onde está a maior floresta do planeta, a Amazônia, abarca profundamente em seus princípios e artigos as preocupações com a ecologia e com o respeito a Pachamama, a terra mãe.

O diferente nesse novo constitucionalismo é o deslocamento da visão cartesiana de homem como o centro do Universo, e por ser o único ser racional deter o direito de se sobrepor a natureza; para uma visão buscada nas tradições dos povos antecedentes da invasão europeia, colocando a Mãe Terra, La Pachamama, como sujeito de Direitos; a mudança não é somente em ser uma constituição repleta de artigos de índole ecológica, mas sim no caráter de visão de mundo diferenciada.

"Os novos constitucionalistas latinoamericanos ligam duas correntes: a mais ancestral dos povos originários para os quais a terra (Pacha) é mãe (Mama) - daí o nome pachamama - sendo titular de direitos porque é viva, nos  dá tudo o que precisamos e finalmente pela razão de sermos parte dela e de pertencermos a ela, bem como os animais, as florestas, as águas, as montanhas e as paisagens" (Leonardo Boff - Constitucionalismo ecológico na América Latina)

Aliam esta ancestral tradição, eficaz, da cultura andina que vai da Patagônia à América Central à nova compreensão derivada da cosmologia contemporânea, da biologia genética e molecular, da teoria dos sistemas que entende a Terra como um superorganismo vivo que se autorregula (autopoiesis de Maturana-Varela e Capra) de forma a sempre manter a vida e a capacidade de reproduzi-la e fazê-la coevoluir. Esta Terra, denominada de Gaia, engloba todos os seres, gera e sustenta a teia da vida em sua incomensurável biodiversidade. Ela, como Mãe generosa, deve ser respeitada, reconhecida em suas virtualidades e em seus limites e por isso acolhida como sujeito de direitos -a dignitas Terrae- base para possibilitar e sustentar todos os demais direitos pessoais e sociais". (Leonardo Boff)

Trata-se da Constituição do Equador de 2008 e da Constituição da Bolívia de 2009. Duas constituições semelhantes em uma linha constitucionalista própria marcada pelo reconhecimento da autodeterminação dos povos anteriores à invasão mercantilista europeia e de um contrato entre a vida e os elementos essenciais a ela..

Constituição da Bolívia

A constituição boliviana trata da conservação da água e do desenvolvimento sustentável da Amazônia, além da autonomia aos povos americanos originários.

"Em tempos imemoriais se erigiram montanhas, se deslocaram rios, se formaram lagos. Nossa Amazônia, nosso Chaco, nosso Altiplano e nossas planícies e vales se cobriram de folhagens e flores. Nós povoamos essa sagrada Mãe Terra com rostos diferentes, e compreendemos desde então a pluralidade vigente de todas as coisas e nossa diversidade com seres e culturas. Assim conformamos nossos povos e jamais compreendemos o racismo desde que sofremos os funestos tempos de colônia" (Preâmbulo da Constituição da Bolívia- 2008).

No seu art. 33 a Constituição Boliviana relaciona o direito da humanidade de ter um meio ambiente  equilibrado e da própria natureza em se manter saudável.

Art. 33 - As pessoas têm direito a um meio ambiente protegido e equilibrado. O exercício deste direito deve permitir aos indivíduos e coletividades das presentes e futuras gerações, ademais de outros seres vivos, desenvolverem-se de maneira normal e permanente.

A Constituição também trata uso sustentável do meio ambiente em seu art. 387, I.

O Estado deverá garantir a conservação dos bosques naturais nas  áreas de vocação florestal, seu aproveitamento sustentável, a conservação e recuperação da flora, fauna e áreas degradadas.

A água é tratada como um direito fundamental para a vida.

Art.373.I.

A água constitui um direito fundamental para a vida, no marco da soberania do povo. O Estado promoverá o uso e acesso à água sobre a base de princípios de solidariedade, complementaridade, reciprocidade, equidade, diversidade e sustentabilidade.

Fica clara a condição  de sujeito de direitos dado á terra analisando-se esses artigos mencionados. Segundo Zaffaroni cria o espaço para que qualquer cidadão possa exercer judicialmente a proteção da natureza através de ações.

Constituição do Equador

A Constituição do Equador traz logo em seu preâmbulo o termo "La Pachamama", demonstrando o caráter de cooperação que deve existir entre humanidade e biosfera. "Celebrando  a natureza, La Pachamama, da que somos parte e que é vital para nossa existência", e depois assinala que decide construir: "Uma nova forma de convivência cidadã, na diversidade e harmonia com  a natureza, para alcançar o bem viver, o Sumak Kawsay (Viver em plenitute, termo de origem na língua da povos anteriores à invasão)."

A Constituição equatoriana impõe objetividade na responsabilidade por danos causados ao ambiente, no art. 396 diz: "A responsabilidade por danos ambientais é objetiva. Todo dano ao ambiente, ademais das sanções correspondentes, implicará também a obrigação de restaurar integralmente os ecossistemas e indenizar as pessoas e comunidades afetadas". No seu artigo 401 proíbe o plantio de transgênicos, no artigo 407 proíbe a extração de recursos não renováveis em áreas protegidas e no artigo 411 garante a proteção da água potável.

No art. 411 deixa na parte do Estado a responsabilidade em garantir a conservação, recuperação e modalidades de desenvolvimento sustentável.

Art. 411 - O Estado garantirá a conservação, recuperação garantirá e manejo dos recursos hídricos, bacias hidrográficas e fluxos associados ao ciclo hidrológico. Se regulará toda a atividade que possa afetar a qualidade e quantidade de água e o equilíbrio dos ecossistemas, em especial as fontes d`água. A sustentabilidade dos ecossistemas e o consumo humano serão prioritários no uso e aproveitamento da água.

Outro ponto importante diz respeito à produção de energia limpa, um dos temas mais comentados quando se fala em degradação ambiental, a Constituição equatoriana de 2008 coloca como dever do Estado o desenvolvimento de fontes renováveis.

Art. 413.-  O Estado promoverá a eficiência energética, o desenvolvimento e uso de práticas e tecnologias ambientalmente limpas e saudáveis, assim como de energias renováveis, diversificada, de baixo impacto e que não ponham  em risco a soberania alimentar, o equilíbrio ecológico dos ecossistemas e nem o direito à água.

Como diz Zaffaroni, é um caminho para a renovação do conceito de Estado, evidente que estamos no plano abstrato, são duas nações pobres, mas que se autoafirmam para o Mundo com Constituições puramente ligadas à cultura dos povos mutilados pelo centralismo europeu.

Referências:

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La Pachamama y el humano.

BOFF, Leonardo. Constitucionalismo ecológico na América Latina.

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