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sexta-feira, 14 de março de 2014

Impactos ambientais afetam comunidades indígenas na transposição do São Francisco

Os estudos de impacto ambiental das obras de transposição do Rio São Francisco têm omissões graves e ignoram aspectos que afetam a vida dos povos indígenas da região. Essa é uma das conclusões do Tribunal de Contas da União, que se manifestou da seguinte maneira a respeito do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) da obra, realizado em julho de 2004.

“Falhas, imprecisões e omissões (…) afetam o caráter científico do estudo e compromete seus resultados. Mesmo porque quem participou das audiências públicas não tomou conhecimento de todos os impactos que serão gerados pelo empreendimento (…) As falhas e omissões levantadas pelo Ibama, e citadas nesta instrução, são demasiadamente sérias para serem relegadas ou postergadas”, diz o documento TC-011-659-2005-9.


O próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), órgão responsável pelo licenciamento, reconheceu, no parecer 31/2005, omissões como, por exemplo, a insuficiência dos estudos sobre os impactos na fauna e na flora de um bioma tão complexo como a caatinga. O Ibama, embora tenha reconhecido os problemas do estudo, decidiu conceder a licença ambiental. O então presidente do órgão, Marcus Luiz Barroso Barros, e o diretor de licenciamento ambiental, Luiz Felipe Kunz Júnior, chegaram a sofrer representação por improbidade administrativa em função da decisão tomada na ocasião.

Impactos ambientais de uma obra de grande porte na caatinga foram ignorados nos estudos realizados

Em relação ao impacto das alterações na vida dos povos indígenas, inicialmente foi proposto um estudo com dez povos potencialmente atingidos. Mas o número foi reduzido para quatro, sendo estes Kambiwá, Pipipan, Tumbalalá e Truká. Antes mesmo de concluídos os estudos e discutidos com as comunidades, o então presidente da Funai, Marcio Meira, apresentou parecer favorável ao projeto, “em que pese todos os estudos trazerem elementos e posições que significavam a rejeição do projeto pelos povos, bem como reiterarem os impactos negativos sobre os territórios indígenas”, consta no dossiê citado.
Embora possua 136 páginas, o Rima não aprofunda aspectos importantes relacionados aos impactos ambientais da megaobra. O documento já previa problemas nas comunidades indígenas, entre os quais: riscos como invasão de terra, diminuição de recursos naturais; ruptura de relações sociocomunitárias durante a fase de obra; risco de interferência com o patrimônio cultural; possibilidade de aumento e de surgimento de casos de doenças entre as populações locais e os trabalhadores das obras, em especial, casos de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), como a Aids; perda e fragmentação de cerca de 430 hectares de áreas com vegetação nativa e de habitats de fauna terrestre; interferência no deslocamento de animais, com a fragmentação de áreas com vegetação nativa; aumento da atividade de caça.

Cenário de destruiçãoCaatinga foi devastada em trechos em que obras foram realizadas e recuperação ambiental fica só no papel


Tanto o Exército quanto o Ministério da Integração Nacional, responsável pelas obras, são categóricos em afirmar que as tomadas d’água estão praticamente prontas. Mas para quem as visita a noção é de que o que existe é ainda um rascunho de obra, em meio à caatinga devastada. E se as tomadas não estão prontas, os trechos de canais já finalizados — que aliás se configuram como uma colcha de retalhos, partes prontos, outros parados, sem falar nos que precisam ser refeitos — vão continuar se degradando debaixo do forte sol sertanejo.

Na divisa entre os municípios de Floresta e Petrolândia, na tomada d’água do Eixo Leste, um canal ainda não concretado foi escavado saindo da represa de Itaparica, bem próximo a uma comunidade de pescadores artesanais. Entre a represa e o canal, o Exército colocou um muro de terra, para conter a água até que toda a obra seja concluída. O canal segue pela caatinga, desmatada, até encontrar o espaço que represará a água. Nesse local está sendo construído um sistema de bombeamento, que deve elevar a água a um outro lago, construído no topo de um morro, tendo o desnível de cerca de 300 metros de altura. Dali a água deve seguir por gravidade pelo canal aberto, passando antes por cima de uma rodovia, a BR-316.

No caminho, é fácil encontrar áreas onde antes havia caatinga hoje totalmente cobertas de água, como é possível observar no vídeo abaixo:


Em Cabrobó, tomada d’água do Eixo Norte, a lógica segue a mesma. Ali o rio está vivo, como se referem os indígenas, ou seja, a água não está represada, e segue o fluxo lento característico do São Francisco, propiciado pelo leve desnivelamento das terras por onde corre. Mas isso será mudado. As obras preveem uma represa no local, a represa de Pedra Branca, que deverá inundar parte do município do mesmo nome. Um canal, já construído, segue desse trecho do rio caatinga desmatada adentro até chegar no espaço de um grande lago onde a água deve ser bombeada para cerca de 150 metros acima, de onde deve seguir canal abaixo por gravidade. Um pequeno trecho de terra separa o rio do canal, de onde se avista, a cerca de 80 metros, a Ilha de Assunção, dos Truká.


Nas duas tomadas uma mesma empresa contratada pelo Exército, a Vertical Green, foi a responsável entre 2010 e 2011 pela recuperação ambiental da área, devastada pelas obras. Foram gastos cerca de R$ 2 milhões dos cofres públicos e a situação não poderia ser pior.

A sensação é de estar em um deserto. Em lugar de vegetação há areia, pedras e algumas poucas árvores pequenas esparsas, mas essas vingaram por conta própria, de teimosia, à revelia do trabalho da Vertical Green.

Área de reflorestamento totalmente devastada
Tanto o Ministério da Integração Nacional quanto a Vertical Green culpam a seca pela não efetivação do contrato que previa o reflorestamento nas regiões de tomada d’água. De acordo com o Ministério da Integração Nacional, obras e serviços referentes à recuperação ambiental no local foram implementados, porém devido ao elevado déficit hídrico no período houve baixa sobrevivência de mudas e portanto o contrato com a empresa Vertical Green foi encerrado.

De acordo com a Vertical Green, o lote em que estavam trabalhando era longe do rio para se fazer irrigação de baixo custo e que, portanto, não caberia investimentos em irrigação de mudas. Mas, ao contrário, se constata estando no local que, por se tratar da região da tomada d’água, a área é próxima à represa de Itaparica.

No site do governo federal Portal da Transparência, a especificação do serviço de recuperação ambiental da Vertical Green diz “manutenção e conservação de estradas e vias”, o que pressupõe que a empresa é responsável pelo que planta e, portanto, o projeto deveria garantir a condição mínima para que uma vegetação se desenvolva: água.

Uma nova licitação será feita para o cumprimento do serviço, informou o Ministério.

Este texto é parte da reportagem Transposição do São Francisco ameaça terras indígenas. Por Renata Bessi, especial para a Repórter Brasil

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