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quinta-feira, 5 de junho de 2014

Piketty substitui a explicação social e política pela explicação tecnológica

O livro de Thomas Piketty, O Capital no Século XXI (Editions du Seuil, Paris, 2013), tem uma massa de dados úteis. É neste nível que está na tradição de Angus Maddison (1926-2010), com seu famoso livro A Economia Mundial. Uma perspectiva do Milênio (em inglês, dois volumes, OECD, 2007). Um projeto que sua equipe continuou. Além disso, Piketty retorna ao tema da desigualdade com uma quantidade de dados, por exemplo, sobre a questão da relação entre a saúde e a desigualdade. Menciona-se neste sentido, entre outros, Richard Wilkinson com seu livro O impacto da desigualdade. Como tornar saudáveis sociedades doentias (publicado em 2006 em inglês, Ed. New Press).

A reportagem é de Charles-André Udry e publicada no sítio Sin Permiso, 01-06-2014. Charles-André Udry é economista marxista suíço, militante trotskista do Movimento Pelo Socialismo. É redator do sítio A l’encontre/La Breche. A tradução é de André Langer.

O trabalho de Piketty foi recebido com mais elogios nos Estados Unidos do que na França. Paul Krugman o elogiou no New York Times. Também foi muito bem comentado pela BBC e pelo Financial Times.

No entanto, recebeu críticas muito pertinentes, por exemplo, de Doug Henwood, autor de Wall Street: como funciona e para quem? (Ed. Verso, 1998) e Depois da Nova Economia (Ed. New Press, 2003). Henwood, que trabalha para a classe dominante dos Estados Unidos, afirma: “Apesar de toda a sofisticação da obra de Piketty, seu pensamento político dificilmente pode ser descrito como complexo. Na essência, trata-se de ajudar para um debate racional e democrático de como organizar da melhor maneira a sociedade”. A base da sua teoria da distribuição da riqueza também o levou a centrar-se apenas na “luta contra a desigualdade” em matéria fiscal (no sentido de impostos, tanto diretos como indiretos). O que surge da quinta edição do seu livro A Economia da Desigualdade (Editions La Découverte, Paris, 2004). A luta pelos salários mais altos, reduzir a taxa de apropriação da mais-valia é um elemento inexistente em sua argumentação.

Por outro lado, vale recordar que Thomas Piketty foi um assessor relevante para a inclusão de medidas de “ajustes fiscais” no programa da socialdemocrata Ségolène Royal, em 2007, durante a campanha presidencial que ela perdeu para Nicolas Sarkozy. Agora, Royal entrou como ministra no novo governo abertamente pró-austeridade de Manuel Valls, nomeado pelo governo “socialista” de François Hollande, em março de 2014.

Do ponto de visto teórico, a primeira crítica que se pode fazer à obra de Piketty é a seguinte: Piketty estuda a relação social que permite a uma minoria captar uma parte crescente da renda nacional. Mas, nos fatores que são responsáveis por esta distribuição desigual domina a variável técnica (o progresso tecnológico), e não a mutante e flutuante luta entre o capital e o trabalho, embora mencione as mudanças no “poder de negociação do capital”. Ou seja, o capital como uma relação social entre explorados e exploradores não é levado em conta na história do capitalismo. Isto explica o apoio que tem de um economista como Paul Krugman, que, embora denuncia as desigualdades, nunca inclui em sua análise a luta e a exploração de classe.

A isto podemos acrescentar outros elementos. Na sua explicação da evolução da divisão entre lucros e salários, Piketty favorece uma explicação técnica: a substituição de trabalho por capital. Isto é consistente com o fato de que considera o capital e o trabalho como “fatores de produção”, de acordo com as normas da teoria econômica neoclássica. Entretanto, a questão central registrada nos Estados Unidos e na Europa a partir da década de 1980 é que o desemprego pesa sobre o equilíbrio do poder entre capital e trabalho, o que leva a reduzir os salários. Um fator causal fundamental como política e socialmente cegadora.

Mas Piketty substitui a explicação social e política pela explicação tecnológica. O economista e matemático Bernard Guerrien, autor de um notável Dicionário de Análise Econômica (2012), havia escrito um artigo muito rigoroso, já em 2010, intitulado “A estranha fascinação de Thomas Piketty pela teoria neoclássica da distribuição”.

A campanha favorável da imprensa “especializada” ao trabalho de Piketty – que contém, repito, uma grande quantidade de dados úteis – não é alheia à magnitude da crise capitalista internacional, à pobreza massiva, e à crescente desigualdade entre “o 1% e os 99%”. Portanto, expressa a vontade de algumas frações burguesas dominantes, com a ajuda inestimável das “forças progressistas” governantes (tão bem conhecidas na América do Sul), de conter os protestos populares. Acreditam que os “planos assistenciais” e uma “melhor distribuição” podem evitar possíveis explosões sociais.

Na Europa, enquanto isso, a troika (Banco Centro Europeu, União Europeia e Fundo Monetário Internacional) impõe – cada vez com maior brutalidade – medidas econômicas sociais destrutivas. Ao mesmo tempo que se apresentam certas “similitudes” com a década de 1930 – ascensão de uma extrema direita (que, não obstante, se diferencia do fascismo daqueles anos), e a aplicação de um “Estado de exceção” –, a tendência parece clara: governos mais repressivos. Independentemente da sua orientação política.

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