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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A luta de Hong Kong contra o neoliberalismo

Occupy Central não é tanto uma luta pela democracia como uma luta pela justiça social. Em Hong Kong não há direito de negociação coletiva, não há subsídios de desemprego nem pensões de reforma. A semana de trabalho média é de 49 horas. Nunca pudemos votar – nem durante os 17 anos de domínio colonial chinês, nem antes durante os cem anos de domínio colonial britânico. 

Por Ming Chun Tang









Enquanto os manifestantes inundam as ruas de Hong Kong exigindo eleições livres em 2017, a imprensa internacional dá a sua interpretação habitual, caracterizando a luta como um confronto entre um Estado autoritário e cidadãos que querem ser livres. A esquerda, por sua vez, tem mantido um notável silêncio sobre o tema. Não é claro ainda se se trata de incapacidade para compreender a situação, de falta de vontade para apoiar valores supostamente liberais, ou relutância a criticar a China. As notícias sobre Occupy Central inundam as primeiras páginas dos principais meios de comunicação e tanto a BBC como a CNN publicaram "argumentários" que confundem mais que explicam, sem fazerem qualquer esforço real para aprofundarem as raízes econômicas do descontentamento. A "BBC" foi tão longe como perguntar se "o futuro de Hong Kong como centro financeiro", está ameaçado – o que nos dá uma ideia de quais são as prioridades do establishment mundial.
Mas independentemente do que a BBC quer que o mundo acredite, Occupy Central não é tanto uma luta pela democracia como uma luta pela justiça social. É verdade que as pessoas de Hong Kong estão revoltadas pela interferência de Beijing nos seus assuntos internos, quer seja a imigração proveniente da China, os atentados à liberdade de imprensa, ou os programas nacional-propagandísticos de educação moral e nacional". Estes problemas, apesar de graves, empalidecem em comparação com a difícil realidade da vida quotidiana em Hong Kong. Como o professor da City University de Hong Kong Toby Carroll assinala, um em cada cinco habitantes de Hong Kong vive abaixo do limiar de pobreza, enquanto a desigualdade aumentou para um dos níveis mais altos do mundo. Os salários não aumentaram em linha com a inflação - o que significa que caíram em termos reais, o salário mínimo, que só foi introduzido em 2010, foi fixado em 28 dólares de Hong Kong (3,60 dólares dos EUA) por hora - menos de metade que nos Estados Unidos. Não há direito de negociação coletiva, não há subsídios de desemprego nem pensões de reforma. A semana de trabalho média é de 49 horas – como se não fossem suficientes as 40 horas habituais. Os preços das casas encontram-se entre os mais caros do mundo. Inclusive o neoliberal “The Economist” situa Hong Kong no mais alto de seu índice de capitalismo de compadrio a uma grande distância dos demais.
A lista de pessoas que se pronunciaram contra Occupy Central é particularmente reveladora: o oligarca Li Ka-shing, o banco HSBC, as quatro empresas consideradas maiores do mundo, entre outros nos círculos de negócios. O principal problema com a administração de CY Leung em Hong Kong não se deve ao facto dele não ser eleito democraticamente, mas ao seu servilismo sobretudo face a dois grupos: Beijing, por um lado, e as elites locais, por outro. Por outras palavras, está muito longe de ser democrático e representativo. Não é difícil ver porque é que as grandes empresas e os oligarcas estão aterrorizados perante Occupy Central: qualquer movimento para uma democracia autêntica fará com que percam poder e o seu controle sobre Hong Kong. Por outro lado, o status quo convém-lhes.
Os habitantes de Hong Kong não são exatamente um grupo de ideólogos. Nunca pudemos votar – nem durante os 17 anos de domínio colonial chinês, nem antes durante os cem anos de domínio colonial britânico – mas éramos bons súbditos coloniais e ficámos tranquilos porque a vida corria-nos bastante bem. Mas à medida que a classe média e trabalhadora começam a sentir a crise, a classe dominante começa a dar-se conta de que não pode simplesmente dar-lhes uma maior parte do bolo. A batalha pela democracia não é uma batalha pelo voto, mas sim uma batalha por uma democracia autêntica: pelo direito do povo a auto-governar-se. O voto não é mais do que o ponto de partida de um longo processo de reformas que tire o poder às elites de Hong Kong e chinesas e, pela primeira vez, o ponha nas mãos do povo.
Artigo de Ming Chun Tang* publicado em 30 de setembro de 2014 em Counter Punch, traduzido para espanhol por Sin Permiso e para português por Carlos Santos para esquerda.net

* Ming Chun Tang é um escritor nascido em Hong Kong, estudante na universidade de Hamilton (Nova York), na atualidade na London School of Economics. Publica o blogue Clearing the Rumble(Limpar os escombros).

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