Decrescimento das atividades antrópicas - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

sábado, 4 de outubro de 2014

Decrescimento das atividades antrópicas

“Somos a primeira geração a sentir o impacto da mudança climática e a última geração que pode fazer alguma coisa para evitar um desastre ecológico global” (Alves, 18/07/2014)

 Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
decrescimento

O crescimento econômico e populacional exponencial é um fenômeno recente na história. Durante milênios, a humanidade conviveu com baixas taxas de crescimento demo-econômico. Porém, após a Revolução Industrial e Energética (utilização de combustíveis fósseis), ocorrida no final do século XVIII, o ser humano expandiu as atividades antrópicas por todos os cantos do Planeta, com grande impacto negativo na sustentabilidade dos ecossistemas. O Antropoceno – época da dominação humana – representa um novo período da história da Terra em que o homo sapiens se tornou a causa da escalada global da mudança ambiental e do aquecimento global. Tudo isto foi potenciado pelo processo de acumulação de capital e o sistema consumista.
Segundo Thomas Piketty, em seu livro Capital no século XXI, entre o ano 1 e o ano de 1700, tanto o crescimento da economia quanto o da população mundial foi de mero 0,1% ao ano, resultando em estagnação da renda per capita mundial. Entre 1700 e 1820, houve aceleração do crescimento populacional (0,4% aa) e econômico (0,5% aa), mas o crescimento da renda per capita mundial permaneceu muito baixo (0,1% aa). Todavia, após a Revolução Industrial e Energética, houve grande crescimento da população e um incremento ainda maior do produto econômico. O crescimento da renda per capita foi de 0,9% ao ano entre 1820 e 1913 e de 1,6% ao ano entre 1913 e 2012. Nos chamados “Trinta anos gloriosos”, entre 1950 e 1980, o crescimento da renda per capital global atingiu seu valor máximo de 2,5% ao ano. Assim, o capitalismo antropocêntrico, para o bem ou para o mal, foi o sistema de produção histórico que mais gerou riqueza material em todos os tempos, embora à custa do empobrecimento da natureza e de uma grande desigualdade relativa de renda (ALVES, 2014).
O egocentrismo pode estar cavando a sua própria cova, pois o desequilíbrio entre as atividades humanas e o meio ambiente só aumenta como demonstram os dados da Global Footprint Network. A pegada ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza. Até meados da década de 1970 a humanidade ainda vivia dentro dos limites renováveis do Planeta. Mas, a partir daí, a pegada ecológica da população mundial foi crescendo continuamente na medida em que crescia o número de habitantes e a renda per capita, diminuindo a biocapacidade per capita.
Em 1961, a pegada ecológica per capita era de 2,4 hectares globais (gha) e a população mundial era de 3,1 bilhões de habitantes, sendo a biocapacidade per capita de 3,7 gha. Desta forma, a humanidade estava utilizando 63% da capacidade regenerativa da Terra, havendo sustentabilidade ambiental. Em 1975, a pegada ecológica e a biocapacidade per capita passaram, respectivamente, para 2,8 gha e 2,9 gha e a população mundial chegou a 4,1 bilhões de habitantes. A humanidade estava usando 97% da capacidade de regeneração, ainda cabendo dentro de um Planeta. A partir desta data as atividades antrópicas ultrapassaram os limites biológicos da Terra. Em 2008, a pegada ecológica per capita mundial ficou em 2,7 gha e a biocapacidade em 1,8 gha, sendo que a população global chegou a 6,75 bilhões de habitantes. Portanto a humanidade estava usando 1,5 planetas, ou seja, um planeta e meio em 2008. Nota-se que a pegada ecológica per capita não cresceu nas últimas 3 décadas, mas sim o número de habitantes do globo, o que provocou a redução da biocapacidade per capita.
No corrente ano, demorou menos de oito meses para a humanidade usar todos os recursos naturais do planeta disponíveis. Em 19 de agosto de 2014 o Planeta Azul entrou no vermelho: é o dia de Sobrecarga da Terra (em inglês, Earth Overshoot Day). A partir do dia 20/08 o mundo entrou em deficit ecológico. O cálculo é feito anualmente pela Global Footprint Network, parceira global da Rede WWF. Desde 2000, a data surge cada vez mais cedo: de 1º de outubro em 2000 a 19 de agosto em 2014. Para chegar a essa data, a GFN faz o rastreamento do que a humanidade demanda em termos de recursos naturais (tal como alimentos, matérias primas e absorção de gás carbônico) – ou seja, a Pegada Ecológica – e compara com a capacidade de reposição desses recursos pela natureza e de absorção de resíduos – biocapacidade (WWF, 2014).
As projeções do relatório Planeta Vivo, da WWF e da Global Footprint Network, indicam que a humanidade utilizará dois Planetas em 2030 (ano em que poderá haver 8,3 bilhões de habitantes) e provavelmente 3 Planetas em 2050 (ano em que poderá haver mais de 9,6 bilhões de habitantes na Terra). Todavia, a ideologia desenvolvimentista e a mistificação do crescimento econômico só agravam a situação. Em vez de um PIB ascendente rumo ao infinito, o que a Terra precisa é de uma mobilização para reverter a pegada ecológica, interromper o aquecimento global, melhorar a biocapacidade, proteger a biodiversidade e evitar a depleção ambiental. O crescimento e a concentração exagerada estão criando deseconomias de escala e a antiga sinergia está se transformando em entropia.
A metodologia das Fronteira Planetárias (ROCKSTRÖM et al, 2009) identifica nove dimensões centrais para a manutenção de condições de vida decentes para as sociedades humanas e o meio ambiente: mudança climática; perda de biodiversidade; uso global de água doce; acidificação dos oceanos; mudança no uso da terra; depleção da camada de ozônio estratosférico; ciclo do nitrogênio e fósforo; concentração de aerossóis atmosféricos e poluição química. Os limites já foram ultrapassados em 3 dimensões e estão se agravando nas demais.
Na emissão de gases de efeito estufa (GEE) o limite sustentável de concentração de CO2 na atmosfera é de 350 partes por milhão (ppm), mas já ultrapassamos 400 ppm (ver 350.org). Portanto, as atividades antrópicas já ultrapassaram o limiar da sustentabilidade. O aquecimento global e as mudanças climáticas vão provocar prejuízos crescentes nos próximos anos e décadas. Os últimos dados mostram que a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera ficou durante todo o mês de abril de 2014 acima das 400 partes por milhão (ppm), algo que não acontecia há pelo menos 800 mil anos. A constatação foi anunciada pelo Instituto Scripps de Oceanografia, da Universidade de San Diego, que monitora a estação de Mauna Loa, no Havaí. Segundo as medições, a concentração média de CO2 em abril foi de 401,33 ppm. E a curva continua sua trajetória ascendente.

co2 - Mauna Loa, no Havaí

Desta forma, o sonho do progresso civilizatório dos cornucopianos e desenvolvimentistas pode se transformar em colapso e no pesadelo do fim da civilização dos combustíveis fósseis e do consumo ostentatório, que têm provocado o caos climático. A crise atual atinge os regimes capitalista e socialista, ou seja, o modelo de sociedade urbana-industrial, independentemente de quem são os proprietários dos meios de produção. Poderá, portanto, ser o fim do desenvolvimento econômico, em suas formas liberal ou estatal.
Assim, ganha relevância estudos como o de Herman Daly que mostram que o crescimento econômico já ultrapassou o seu ponto de mutação, tornando-se um “crescimento deseconômico” que é “um crescimento que começou a custar mais do que vale – um crescimento (seja em volume de produção ou PIB) para o qual os custos adicionais (incluindo os custos ambientais e sociais) são maiores do que os benefícios adicionais em termos de produção”. Daly propõe que um decrescimento das atividades antrópicas (população e consumo) até um nível sustentável, para então se estabelecer o Estado Estacionário.
O IPCC também mostrou em seu último relatório que o aquecimento global está superando as marcas dos últimos 12 mil anos e deve ter consequências negativas sobre a saúde futura do Planeta. Portanto, é urgente se debater a insustentabilidade do modelo de produção e consumo hegemônico e traçar caminhos para fazer a transição para um modelo de estado estacionário ou decrescimento, rumo a uma economia de baixo carbono e de baixo impacto antrópico sobre a natureza. A Agência Espacial norte-americana (NASA) divulgou recentemente que as temperaturas globais nos meses de maio, junho e agosto de 2014 ficaram cerca de 0,75º C acima da média de temperatura do século XX, para os respectivos meses, podendo fazer de 2014 o ano mais quente desde quando começaram as medições, em 1880.
A entropia, ou degradação de energia, já havia sido descrita pelo economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen, que nos anos de 1970, mostrou que a economia não pode ignorar a 2ª Lei da Termodinâmica (“a quantidade de trabalho útil que se pode obter a partir da energia do universo está constantemente diminuindo”). Uma mesma fonte de energia não pode ser queimada duas vezes, muito menos ad infinitum. Antes do crescimento da civilização do Homo Sapiens, ocorria a retenção da energia mais rapidamente do que a sua dissipação. Atualmente, a sinergia está sendo substituída pela entropia. Georgescu-Roegen mostrou que, em algum momento, a escala da economia teria que ser reduzida, tanto em termos de capital, quanto de força de trabalho.
Portanto, precisamos superar o fetiche do crescimento e do desenvolvimento sustentável. Não se trata de produzir mais com menos. Porém, produzir menos com menos. Ou seja, como mostrou Georgescu-Roegen, diante da possibilidade do declínio da civilização e de uma possível catástrofe econômica e ambiental, a alternativa passa pelo decrescimento das atividades antrópicas, quanto mais cedo melhor.
Referências:
ALVES , J. E. D. População, desenvolvimento e sustentabilidade: perspectivas para a CIPD pós-2014. R. bras. Est. Pop., Rio de Janeiro, v. 31, n.1, p. 219-230, jan./jun. 2014

ALVES, JED. Sustentabilidade, Aquecimento Global e o Decrescimento Demo-Econômico, Revista Espinhaço, Diamantina. UFVJM, Revista Espinhaço, v. 3, n. 1, 2014.
ALVES, JED. As perspectivas para o século XXI são de menor crescimento e de maior desigualdade, IHU, São Leopoldo, 24 de setembro de 2014
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Publicado no Portal EcoDebate, 03/10/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages