Em
face do manifesto “Não pedimos desculpas”
subscrito por 27 generais e coordenado pelo ex-ministro do Exército Leônidas
Pires, o escritor Agassiz Almeida, representando entidades defensoras dos
direitos humanos, lança esta mensagem à nação.
Afronta a nação o
manifesto “Não pedimos desculpas”,
carregado de ódio e prepotência, que os senhores dirigiram ao país, no momento
em que, após exaustivo trabalho da Comissão Nacional da Memória, Verdade e
Justiça conclui que ocorreram torturas e desaparecimentos de mortos em dez
instalações das Forças Armadas, durante a ditadura militar, destacando-se entre
outras, as da rua Barão de Mesquita, RJ; rua Tutoia, SP; Casa de Petrópolis, RJ
e Ilha das Flores, RJ.
O que sobressalta
o povo brasileiro com este manifesto é o fantasma de um passado sombrio em que
se ultrajava a ordem constitucional e nas caladas do regime as baionetas
determinavam a vontade da nação.
Que fantasma se
exuma? Ei-lo. A insubordinação do marechal Hermes da Fonseca contra o
presidente Epitácio Pessoa, há quase 100 anos, pelo fato deste estadista ter
nomeado o escritor Pandiá Calógeras Ministro da Guerra, hoje se faz
ressuscitada naquele manifesto. Reconheçam, senhores generais, todos aqueles
que se investiram de intimorato patriotismo e lutaram, aqui no Brasil e no
mundo, contra o poderoso Estado Militar.
Quando o golpe militar
desabou sobre a nação, em 1964, ainda sentíamos o calor dos crematórios
nazistas.
Que general
encima aquele manifesto? Leônidas Pires. Tem a ferocidade no rosto a impor a
sua voluptuosidade. Assim se conduziu como ministro do exército à época da
Assembleia Nacional Constituinte (1986-88) quando articulou a derrubada da emenda
de minha autoria criando o Ministério da Defesa.
Há um grito
enorme e surdo que sacode toda a América Latina desde os prantos “de las madres de la Plaza de Mayo” na
Argentina, transfigurado nesta lancinante interrogação: Onde estão os mortos
desaparecidos ad infinitum? Quem eram eles? Companheiros com quem caminhamos
na estrada da vida, irmãos a quem nos demos as mãos e sonhamos os mesmos
sonhos, viandantes de juvenis ideais. Enfim, devorados pela tirania.
Basta, paremos
um pouco.
Onde estão os
criminosos de lesa-humanidade que covardemente dilaceraram vidas adolescentes?
Onde se
encontram os chacais da condição humana? Estão nos valhacoutos do mundo como
cães danados da História Universal.
O oprobrioso
criminoso que ensanguentou os porões da ditadura militar envergonhou a nação,
agravado, ademais, pelo silêncio cumplicioso de se negar estratégia urdida pelo
Pentágono, EUA, para toda a América Latina, através da qual se
institucionalizou a tortura e o desaparecimento dos mortos. Isto nos deixa uma
sensação de que se glorifica a monstruosidade.
Ouve-se um
rumorejar da sociedade, semelhante à agitação do oceano em suas profundidades,
que vem deste grito sufocado: Por que no Brasil, ao contrário de outros países,
delinquentes infames desfilam uma impunidade satisfeita?
Pelo medo, a
tirania militar desfigurou gerações. Hoje, o que assistimos? Eram idealistas,
tornaram-se servis; possuíam a valentia dos fortes, tornaram-se meros joguetes
do mercado; olhavam o porvir com destemor, tornaram-se acabrunhadas e
oportunistas. Eis o que lançou no chão da pátria a hidra militar.
Na coragem e
determinação daqueles que desafiaram autocracias e déspotas é que a humanidade
conquistou as liberdades. Sem eles, o que seríamos de nós? Rebanho humano
açoitado pelos Saddam Hussein.
Aquele punhado
de jovens assassinados pelas garras militares nas matas do Araguaia tem por
pedestal a história dos séculos.
Curvemo-nos
diante da nação, despidos do poder e da arrogância, sob o pálio da justiça. Em
que eternidade se encontram certos tipos que em vida se ensanguentaram com crimes
monstruosos? Como tristes Ahasverus condenados a um descaminho eterno.
Leiam na
linguagem do tempo o caminhar dos homens e observem os seus nomes nos frontispícios
dos amanhãs.
Quo usque tandem generais, os senhores
carregarão este enorme fardo de escamotear a verdade histórica? Países
democráticos arrastaram às barras da justiça criminosos de lesa-humanidade.
Quo usque tandem generais, os senhores
procuram lançar sobre certos tipos humanos, que trafegaram nos subterrâneos do
terror, o manto da impunidade?
Quo usque tandem generais, os senhores
se desencontram com a nação, que aspira conhecer os tiranos e tiranetes daquele
período de horror?
Nos ecos
destes brados soterrem o rancor, e abra-se à pátria, no chão da qual vivemos e
sonhamos, a verdade histórica.
Saudações histórico-democráticas
Agassiz Almeida
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