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domingo, 23 de novembro de 2014

O “acordo climático” EUA/China: insuficiente, tardio e perigoso

O compromisso assinado pelos dois maiores emissores de gases causadores do efeito estufa é ecologicamente insuficiente, tecnologicamente perigoso e portanto socialmente injusto. 

Artigo de Daniel Tanuro.


Xi Jinping e Barack Obama. Foto Prachatai/Flickr
O acordo entre os EUA e a China, em que os dois países se comprometem a reduzir as emissões de gás de efeito estufa para limitar as alterações climáticas teve larga cobertura da imprensa.
Ele surge poucas semanas após a publicação pela União Europeia dos seus próprios objetivos para reduzir emissões. E aumenta bastante as hipóteses de que a conferência sobre alterações climáticas de Paris no final de 2015 (COP 21) não seja uma repetição da conferência de Copenhague (2009) e que resulte mesmo num acordo internacional.
Mas ao mesmo tempo, o conteúdo geral deste compromisso assinado pelos dois maiores emissores de gases do efeito estufa veio confirmar a probabilidade ainda maior de que este acordo internacional seja ecologicamente insuficiente, tecnologicamente perigoso e portanto socialmente injusto.
Os compromissos da China
Comecemos pelo lado chinês do acordo. O texto apresentado em Pequim por Barack Obama e Xi Jinping estipula que “a China pretende atingir o seu pico de emissões de CO2 por volta do ano 2030” e quer “aumentar a fatia de combustíveis não-fósseis no consumo primário de energia para cerca de 20% em 2030”. Para avaliarmos esta promessa é preciso recordar que as fontes de energia “carbono zero” na China representavam em 2013 9% do consumo primário de energia, com o plano quinquenal a apontar para 15% em 2020. Um crescimento extra de 5% nos próximos dez anos não é um grande feito: foram investidos 65 bilhões de dólares em combustíveis “não-fósseis” em 2012. Também devemos lembrar que as “fontes carbono zero” não são o mesmo que “fontes renováveis”.
A energia produzida pelas grandes barragens hidroelétricas e centrais nucleares não são renováveis (as barragens enchem-se de sedimentos e as reservas de urânio são limitadas). Mas estas fontes de energia são consideradas como “carbono zero” ou “baixo carbono”. Em abril de 2014, a China tinha em funcionamento 20 centrais nucleares e 28 centrais em construção (duas delas de terceira geração - EPR). O programa nuclear foi suspenso após Fukushima, mas já recomeçou: a capacidade nuclear vai triplicar em 2020…
E finalmente, devemos saber também que, de acordo com o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), para respeitar o limite de 2ºC e tendo em conta as responsabilidades diferenciadas dos diferentes grupos de países (“desenvolvidos”, “emergentes” e “outros”), países como a China devem aumentar a sua eficiência energética - o que significa diminuir as suas emissões - em 15% a 30% (dependendo do nível de desenvolvimento). Com o objetivo de 20%, a China continua no nível inferior deste objetivo.
Os compromissos dos EUA
Vejamos agora os compromissos dos Estados Unidos. Segundo este acordo, os EUA pretendem alcançar o objetivo de em 2025 reduzir as suas emissões em 26%-28% em relação aos níveis de 2005, esforçando-se por conseguir a redução de 28%. De acordo com a Agência de Proteção Ambiental (EPA), em 2005 os EUA libertaram 7.254 Gigatoneladas (Gt) de gases de efeito de estufa. Uma redução de 26% em 2025 significaria que as emissões baixassem para 5.368 Gt (ou 5.223 Gt, no caso de redução de 28%).
Vários aspectos devem ser tomados em conta para compreendermos o significado deste objetivo:
De acordo com o protocolo de Quioto (assinado mas nunca ratificado pelos EUA), o Tio Sam devia ter reduzido as suas emissões em 8% em 2012, por comparação a 1990. Ou seja, as emissões deviam ter baixado de 6.233 Gt (números de 1990) para 5.734 Gt. Mas as emissões aumentaram em média a um ritmo anual de 0,2%, atingindo 6.526 Gt). Por outras palavras: as promessas de Obama, a serem cumpridas, irão levar-nos em 2025 a um ponto que representa apenas uma ligeira melhoria em relação ao objetivo que os EUA deveriam ter alcançado há dois anos.
As emissões têm aumentado nos EUA entre 1990 e 2005, e depois disso diminuíram em média a um ritmo anual de 1.4%. Essa diminuição deve-se em parte ao uso de gás de xisto em vez de carvão nas centrais de produção elétrica. O acordo agora alcançado prevê que as emissões baixem de 6.526 Gt em 2012 para 5.368 Gt em 2025, uma redução de 96 Gt por ano - os mesmos 1.4%. Ou seja, Obama promete simplesmente manter o ritmo atual de redução de emissões… graças à exploração catastrófica do gás de xisto. (1)
Por fim, mas não menos importante: de forma a manter uma hipótese razoável de não ir além dos 2ºC, e respeitando o princípio de “responsabilidades diferenciadas” dos diferentes grupos de países, as emissões dos países desenvolvidos deverão, de acordo com o IPCC, cair entre 25% e 40% até 2020, por comparação a 1990. No caso dos EUA isso significa apontar para emissões entre as 4.665 Gt (-25%) e 3.740 Gt (-40%)… em 2020. Comparemos isto com o acordo: 5.368 Gt de emissões em… 2025.
Energia nuclear, gás de xisto, captação e fixação…
Olhemos agora para os meios que EUA e China irão usar para atingir o seu objetivo. O texto doacordo é claro: “Os dois lados pretendem continuar a fortalecer a sua política de diálogo e cooperação prática, incluindo cooperação nas tecnologias avançadas do carvão, energia nuclear, gás de xisto e energia renovável, que irão ajudar a otimizar o mix energético e reduzir emissões, incluindo do carvão, em ambos os países”.
O termo “tecnonologias avançadas do carvão” refere-se à captação e fixação geológico do CO2. Em artigos anteriores já sublinhei o facto desta tecnologia de aprendiz de feiticeiro estar a ser imposta como A solução de compromisso capitalista (logo, falsa) entre a luta contra o aquecimento global e os interesses das multinacionais dos combustíveis fósseis.
O acordo entre a China e os EUA vem confirmar esta análise. De facto, o acordo prevê o seguinte: “o estabelecimento de um novo projeto de armazenamento de carbono na China, através de um consórcio público-privado liderado pelos EUA e China, para estudar e monitorizar o armazenamento de carbono usando CO2 industrial e também trabalhar conjuntamente num novo projeto piloto de Recuperação Avançada de Água para produzir água doce através da injeção de CO2 nos aquíferos salinos profundos;”
Por outras palavras: os dois maiores produtores de carvão, a China e os EUA, querem continuar a queimar os seus enormes stocks (correspondentes a 200 a 300 anos ao ritmo de consumo atual!) armazenando debaixo da terra o CO2 resultante desta combustão.
A captação e fixação é uma das técnicas de geo-engenharia imaginadas por estes Drs. Strangeloves que veem o crescimento capitalista como um lei natural, ainda mais inevitável do que a lei da gravidade…
Os riscos da captação são reais, a começar pelo perigo de fugas maciças de CO2 em caso de terremoto (que poderia até, segundo alguns, ser mesmo provocado por essa captação!). Mas nada deve atrapalhar esta corrida ao lucro. Os EUA fornecem a tecnologia e a China os locais para a fixação. E sob a liderança do “Partido Comunista”, a fábrica do mundo poderá continuar a usar combustíveis fósseis para a produção de mercadorias baratas para serem vendidas massivamente nos mercados ocidentais. Ao injetarem CO2 nos aquíferos salinos, isso permitir-lhes-á recuperar essa água que, assim que seja dessalinizada, constituirá um recurso precioso a explorar… e obviamente a ser pago por moedas fortes.
Estes chanfrados que mandam no mundo…
De acordo com este sistema, a luta contra as alterações climáticas apenas é concebível se permitir que os negócios continuem a ser feitos. Se assim é, isso prova que é uma boa política, não? Tal como diz o acordo: “A comunidade coentífica global tornou claro que a atividade humana já está a mudar o sistema climático mundial” (,,,) “Ao mesmo tempo, os dados económicos indicam de forma cada vez mais clara que uma ação inteligente sobre as alterações climáticas pode agora conduzir à inovação, fortalecer o crescimento econômico e trazer amplos benefícios”.
Vamos a esses lucros e não ouçam as Cassandras.
Este acordo entre a China e os EUA faz lembrar a famosa frase de Churchill, “demasiado pouco, demasiado tarde”. Esta é a situação de facto e aqui reside também o perigo da sua dimensão antissocial. Devemos continuar a explicar: são os pobres que irão pagar pelo aquecimento global (que já está a acontecer!) e esse preço será colossal. Mobilizemo-nos com as nossas organizações, os nossos sindicatos, os nossos movimentos de mulheres e de jovens. Vamos fazer recuar estes chanfrados que dominam o mundo. Juntos devemos impor uma transição energética que seja ao mesmo tempo ecologicamente eficiente e socialmente justa.

Daniel Tanuro, engenheiro agrónomo belga, é um dos defensores da corrente ecosocialista, que tem refletido sobre a crise climática e o processo de acumulação do capital na sociedade de hoje. É o autor de O Impossível Capitalismo Verde. Artigo publicado no portal Europe Solidaire Sans Frontières. Tradução de Luís Branco para o esquerda.net.
(1) Segundo Kevin Anderson, diretor do Tyndall Centre on Climate Change Research, os países desenvolvidos deveriam baixar as suas emissões imediatamente a um ritmo anual de 11% até 2050.

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