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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Declínio do império americano e populismo nas eleições dos Estados Unidos


Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
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O declínio do poderio da economia dos Estados Unidos da América (EUA) é um fato incontestável. Segundo dados do FMI, a percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) americano no PIB mundial caiu de 23% em 1980, para pouco acima de 15% em 2015, devendo ficar abaixo de 15% em 2020. A cada ano o peso da influência da economia americana fica menor. Os pessimistas dizem que a continuidade deste processo é irreversível e inevitável e significa o declínio contínuo do império americano. Os otimistas dizem que este processo é natural e até positivo, pois outros países passam a ter responsabilidades com a economia internacional e passam a dividir as responsabilidades globais.
O fato é que a economia dos EUA tem tido um desempenho abaixo da média mundial e esta tendência vem se agravando nas últimas décadas, devendo ser a marca dominante no século XXI. Há vários economistas de renome, como Robert Gordon e Larry Summers que falam em estagnação secular. Ou seja, a prevalência de baixas taxas de crescimento econômico no século XXI será o novo normal e o baixo crescimento da renda per capita deverá inviabilizar o processo de mobilidade social ascendente que prevaleceu no passado. E o pior, o crescimento da desigualdade faz com que a parcela do 1% mais rico do país aumente sua parcela de riqueza, enquanto diminui a parcela dos 99% da população. Assim, os EUA podem ser caracterizados como uma potência mundial decadente e com problemas sociais crescentes.
A tendência à estagnação secular fica claro no gráfico abaixo (Tverberg, 2016). Na década de 1950 o PIB americano crescia em média em torno de 5% ao ano, caindo para 3% na média anual, entre os anos de 1970 e 2000 e encontrando-se em torno de 2% ao ano nas duas primeiras décadas do século XXI. Há sinais que o ritmo vai diminuir mais ainda no médio e longo prazo devido aos ventos contrários, apontados por Gordon (2016): 1) aumento das desigualdades sociais, 2) educação deteriorada; 3) degradação ambiental; 4) maior competição provocada pela globalização; 5) envelhecimento populacional; e 6) o peso dos déficits e do endividamento privado e público.

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A dívida pública líquida dos EUA estava em torno de 40% do PIB na década de 1930 e disparou durante a Segunda Guerra, ultrapassando 100% do PIB. Com a prevalência da hegemonia americana no mundo e o alto crescimento a dívida caiu para níveis muito baixos (menos de 30% do PIB) até o final dos anos 1970. No governo Ronald Reagan (e depois George Bush pai) houve aumento dos gastos militares e redução dos impostos dos ricos, fazendo a dívida aumentar rapidamente. Mas com o fim da Guerra Fria e o fim da URSS, os gastos militares diminuíram no governo Bill Clinton e a percentagem da dívida como proporção do PIB também diminuiu. Contudo, no governo George Bush filho o percentual da dívida aumentou rapidamente e disparou no governo Barack Obama, devido às medidas adotadas para estimular a economia.
Em fevereiro de 2016, a dívida pública em poder do público era de US$ 13,6 trilhões (cerca de 75% do PIB), mas a dívida pública bruta atingiu US$ 19 trilhões (104% do PIB). A perspectiva é de aumento da dívida, pois o orçamento é estruturalmente deficitário. Desta forma, a solvência do governo central está constantemente em questão e o Congresso está sempre querendo fazer cumprir a obrigação de manter a dívida abaixo de um valor fixado por lei. Neste ambiente, qualquer proposta para aumentar impostos e aumentar gastos se torna um tema politicamente explosivo. Dificilmente um presidente, qualquer que seja a ideologia, conseguirá aumentar os gastos do governo, nem por uma causa justa.

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O enorme endividamento publico nos anos 2000 não teve o efeito de acelerar as taxas de crescimento do PIB, como vimos nas figuras anteriores. O gráfico abaixo mostra que o crescimento do PIB nominal dos EUA aumentou 1.700% entre 1970 e 2015, mas a dívida aumentou mais do dobro (3.900%). A economia real cresce pouco, mas a dívida cresce muito. Diversos analistas mostram que a economia americana sobrevive em função do endividamento e de uma bolha de crédito. Este caminho é insustentável. Mais cedo ou mais tarde a bolha vai estourar e a economia vai entrar em recessão, agravando os problemas sociais.

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O início de 2016 foi marcado pela volatilidade do mercado de capitais. O “Mercado Urso” é um termo utilizado pelos analistas financeiros para descrever tendência de baixa, geralmente com perdas acima de 20% a partir do pico. Na crise atual, a tendência de baixa começou nas ações do setor de energia (principalmente petróleo), depois nas atividades extrativistas e atingiu o setor bancário, abalado pela possibilidade ampliação de juros negativos, como adotado no Japão. O desce e sobe vai continuar.

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A balança comercial americana que era equilibrada até 1975 passou a ter déficits crescentes até atingir um rombo de quase US$ 800 bilhões em 2006, na época do governo George W Bush. Mas também no governo Obama o déficit é muito grande, ficando acima de US$ 500 bilhões anuais.

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O déficit comercial dos EUA com a China atingiu a monstruosa cifra de US$ -365,694.5 em 2015. Ou seja, o déficit americano com a China foi cerca de o dobro do total das exportações brasileiras em 2015. Isto mostra a falta de competitividade da economia dos EUA. Uma melhoria da renda da população tenderia a aumentar este déficit e agravar os déficits gêmeos (interno e externo) dos Estados Unidos. Como diz Robert Gordon e Larry Summers, os EUA caminham para a estagnação secular. Agora em fevereiro de 2016, Summers disse: “I would put the odds of a US recession at about 1/3 over the next year and at over ½ over the next 2 years”.
O declínio relativo da economia americana e a falta de perspectiva de mobilidade ascendente gera um grande descontentamento da população. Isto se reflete no quadro eleitoral de 2016. Os dois partidos tradicionais estão em crise e os candidatos do estabilishment não conseguem agradar as bases partidárias. O resultado é o surgimento de candidatos populistas que apresentam soluções mirabolantes (e inviáveis) para a crise. Pode ser que a candidata Hillary Clinton não consiga a indicação do partido devido a diversos problemas em sua candidatura. Nete caso, a eleição de novembro, que vai definir o sucessor de Obama, será decidida entre dois candidatos populistas: um de direita e um de esquerda.
Na liderança da disputa pela nomeação do Partido Republicano está o bilionário Donald Trump. Sobre ele Barack Obama disse: “Penso que o povo vai perceber que ser presidente é um trabalho sério. Não é como ser apresentador de um talk show ou de um reality show. Não é publicidade. Não é marketing. É difícil”. O Papa Francisco também criticou a proposta de Trump de construir um muro na fronteira com o México, sugerindo que Trump não é cristão. O jornalista Nicholas Kristof (NYT, 11/02/2016) disse: “Os mercados de apostas dizem agora que o republicano com maior probabilidade de ser escolhido à presidência é um homem que ridiculariza mulheres, insulta latinos, endossa crimes de guerra como tortura, condena ícones da legenda e é favorável a barrar pessoas que entram nos EUA com base em sua religião”. Trump reconhece que o Império Americano está em declínio e promete “trazer a América de volta” ou “fazer a América maior”. Para tanto, usa até coral infantil para difundir a ideia da retomada do poder dos EUA. Mas há quem diga que Trump na presidência significaria o declínio mais rápido e definitivo do império americano.
No lado Democrata, o candidato pode ser Bernie Sanders que se diz socialista (na verdade social-democrata) – focando suas mensagens na questão correta do combate à desigualdade – e que, sem dúvida, é um candidato que tem um passado de honestidade e que teve uma vida política coerente e de esquerda (para os padrões americanos). Mas sua plataforma está construída em cima de propostas populistas de aumento de gastos públicos, em um país atolado em dívidas. Ele promete educação universitária gratuita, sistema universal de saúde gratuita, paz mundial, aumento do piso do salário-mínimo, taxação contra a especulação financeira e contra os privilégios de Wall Street, etc. Tudo isto poderia ser maravilhoso caso o Congresso dos EUA aprovasse o aumento de impostos para os mais ricos da população, fato muito pouco provável de ser conseguido. As propostas de Sanders poderiam ser muito boas há 50 anos, mas diante da crise americana é muito difícil sustentar tais políticas em uma situação de perda de produtividade e de alto endividamento.
Segundo os críticos, o idoso Sanders encanta os jovens com velhas ideias revolucionárias e o bilionário Trump encanta a classe média empobrecida com sonhos de grandeza. Os otimistas dizem que a democracia na América ganha com os candidatos outsiders e com a ridiculização da máquina partidária. Mas os pessimistas dizem que isto é mais um sinal da crise da hegemonia americana e que a democracia na América virou uma bagunça. A crise econômica e o aumento da desigualdade social são vetores da desestruturação do tecido social. O Poder executivo não se entende com o Poder Legislativo e a paralisia e a crise de confiança são a norma.

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Na situação atual, com o Partido Republicano tentando bloquear tudo que vem da Casa Branca, até o falecimento do juiz da Suprema Corte, Antonin Scalia, abriu as portas para o caos e a politização do Judiciário. Assim, parece que a economia americana está quebrada e a democracia americana está em frangalhos. O declínio parece inevitável. Resta saber a rapidez da queda e as suas consequências.
Referências:
Chris Martenson. The Return Of Crisis, Monday, February 8, 2016
Gail Tverberg. The Physics of Energy and the Economy, February 8, 2016
Robert J. Gordon. The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War (The Princeton Economic History of the Western World), January 2016
Larry Summers. The Age of Secular Stagnation, blog, 17/02/2016

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 24/02/2016

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