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sexta-feira, 22 de julho de 2016

Erdogan completa o seu golpe retomando o projeto da praça Taksim

Ainda mais do que as 50.000 pessoas detidas ou destituídas dos seus cargos na administração pública, a promessa de ressuscitar o “projeto Taksim” mostra até que ponto Erdogan está disposto a ir. 

Por Manuel Martorell.

Faixa que apela à pena de morte contra los “gulenistas” no Centro Cultural da praça Taksim, em Istambul - Foto Bianet
Faixa que apela à pena de morte contra los “gulenistas” no Centro Cultural da praça Taksim, em Istambul - Foto Bianet
Ainda mais do que as 50.000 pessoas detidas ou destituídas dos seus cargos nas forças armadas, no sistema judicial, no ensino ou na administração pública, a firme promessa realizada perante uma multidão de ressuscitar o “projeto Taksim” mostra até que ponto Tayip Erdogan está disposto a dirigir a Turquia com mão de ferro.
Por detrás da remodelação da praça Taksim, iniciada em junho de 2013, ocultava-se a tentativa de acabar com um verdadeiro ícone para as forças democráticas e progressistas da Turquia, já que é o epicentro da zona de Istambul mais laica e europeísta, além de tradicional lugar de concentração para as organizações de esquerda, especialmente durante as celebrações do 1º de Maio.
O citado projeto pressupunha acabar com a atual amplitude da praça voltando a erguer um antigo quartel de Artilharia, agora inexistente, nos jardins circundantes, construindo uma nova mesquita e substituindo o atual Centro Cultural Ataturk, aglutinador de numerosas atividades cívicas, por um grande Teatro da Ópera. Quando há três anos as escavadoras começaram a trabalhar, uma impressionante mobilização popular conseguiu paralisar o projeto, desencadeando atos de protesto por toda Turquia e, até à fracassada tentativa golpista, o Governo de Erdogan não se tinha atrevido a ressuscitar esta frustrada iniciativa urbana.
Agora, o presidente turco sente-se com suficiente força para assegurar que todas essas obras irão em frente, haja ou não oposição às mesmas, deixando bem claro que utilizará todas as medidas repressivas ao seu alcance para impedir qualquer novo movimento de oposição às suas decisões, incluindo a declaração de três meses de Estado de Emergência, como aprovaram, nesta quarta-feira 20 de julho de 2016, o Conselho de Segurança Nacional e o Governo de Ancara.
O desafio a quem esteja a pensar contradizer a sua forma de governar só é equiparável ao desprezo que mostrou pela União Europeia nessa alocução perante os seus seguidores, quando se comprometeu a reinstaurar a pena de morte, apesar das explícitas advertências de Bruxelas de que em nenhum país membro ou que deseje pertencer à UE pode existir a pena capital.
Poder-se-ia dizer, portanto, que a reativação do “projeto Taksim” coroa a demonstração de força que Erdogan está a realizar com uma depuração generalizada em todas as estruturas do Estado turco, sem respeitar sequer a independência do Poder Judicial ou a necessária autonomia que deve ter qualquer sistema universitário num país democrático.
50.000 pessoas presas ou afastadas
De acordo com as diferentes informações divulgadas pela imprensa turca, o número de pessoas detidas, depurações, processos ou pessoas investigadas aproxima-se já dos 50.000, afetando todos os setores da administração pública, mas especialmente o Exército, a Polícia, a Justiça e o sistema educativo. De acordo com estes dados, as pessoas afetadas distribuir-se-ão da seguinte forma:
  • Exército: 6.000 militares, entre os quais 118 generais e almirantes, e 262 juízes militares.
  • Ministério do Interior: 9.000 (incluindo mais de 8.000 polícias e gendarmes, 30 governadores provinciais e 47 governadores de distrito).
  • Gabinete do Primeiro-Ministro: 257 funcionários.
  • Sistema judicial: 3.000 juízes e procuradores.
  • Sistema educativo: 15.200 professores.
  • Universidade: 4 reitores (das universidades Gazi, Dicle, Yalova e Politécnica de Yelci) e 1.577 decanos (1.176 de estabelecimentos públicos e 401 privados).
  • Ministério das Finanças: 1.500 funcionários públicos.
  • Meios de Comunicação: 24 cadeias de televisão e rádio encerradas; retirada do cartão de imprensa a 34 jornalistas.
  • Ministério da Família e Assuntos Sociais: 393 funcionários públicos.
  • Direção de Assuntos Religiosos: 492 empregados, entre os quais váriosmuftis (responsáveis religiosos) provinciais.
Cemitério dos traidores”
Acontece que, entre os depurados, se encontra Huseyin Avni Mutlu, que era precisamente o governador de Istambul quando se desencadeou a Revolta de Taksim no ano de 2013. Depois desta grave crise, Avni foi afastado de cargos públicos com capacidade executiva e colocado em funções puramente burocráticas.
Não é menos significativa a faixa gigantesca cartaz empunhada pelos seguidores de Erdogan tapando a fachada do Centro Cultural desta praça. Segundo divulgou a rede de notícias alternativa Bianet, na faixa pode ler-se: “FETO, cão do Diabo: Vamos pendurar-vos e aos vossos cães com os vossas próprias coleiras. Com a autorização de Alá, ondearemos a bandeira da democracia nos céus”.
A sigla FETO corresponde a Organização Terrorista Fethullhahista, o nome dado agora aos seguidores de Fethullah Gulen, antigo aliado de Erdogan e líder de uma corrente mais pragmática do islão, a qual Tayip Erdogan considera responsável pela intentona golpista, ainda que, na realidade, a depuração se está a realizar contra todos os setores que se opõem à política do atual presidente turco.
No meio desta paranóia, o Governo proibiu a saída do país aos funcionários públicos e a pessoa que quiser viajar para o estrangeiro deve fornecer previamente os seus dados pessoais para ver se existe alguma acusação contra ela. Até a Direção de Assuntos Religiosos nega-se a celebrar funerais aos golpistas mortos durante a intentona, vários municípios negam-se a enterrá-los, como está a ocorrer em Istambul, onde o presidente do município, segundo informa o jornal Turkish Daily News, está a preparar uma parcela separada que já tem o nome de “Cemitério dos traidores”.
Artigo de Manuel Martorell, publicado em cuartopoder.es

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