Os homens dividem-se, na vida prática, em três categorias — os que nasceram para mandar, os que nasceram para obedecer, e os que não nasceram nem para uma coisa nem para outra.
Estes últimos julgam sempre que nasceram para mandar; julgam-no mesmo mais frequentemente que os que efectivamente nasceram para o mando.
O característico principal do homem que nasceu para mandar é que sabe mandar em si mesmo. O característico distintivo do homem que nasceu para obedecer é que sabe mandar só nos outros, sabendo obedecer também. O homem que não nasceu nem para uma coisa nem para outra distingue-se por saber mandar nos outros mas não saber obedecer.
O homem que nasceu para mandar é o homem que impõe deveres a si mesmo. O homem que nasceu para obedecer é incapaz de se impor deveres, mas é capaz de executar os deveres que lhe são impostos (seja por superiores, seja por fórmulas sociais), e de transmitir aos outros a sua obediência; manda, não porque mande, mas porque é um transmissor de obediência.
O homem que não nasceu para mandar nem para obedecer sabe só mandar, mas, como nem manda por índole nem por transmissão de obediência, só é obedecido por qualquer circunstância externa — O cargo que exerce, a posição social que ocupa, a fortuna que tem…
Chamamos para estas singelas considerações psicológicas a atenção dos leitores. Devidamente compreendidas, elas elucidar-lhes-ão muitas coisas, e muita gente…
Fernando Pessoa, na Revista de Comércio e Contabilidade, nº 4. Lisboa: 25-4-1926.
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