Carlos Magno - Cofecon
Em 1999, Regis Bonelli e Robson Gonçalves, em “Padrões de desenvolvimento industrial no Brasil-1980/1995”, fizeram um trabalho exaustivo sobre a queda persistente do valor adicionado da indústria brasileira no PIB desde 1980 a 1995. Dentre as conclusões eis uma basilar: “em outros termos, essa ‘desindustrialização’ deve ser encarada como um fenômeno inerente ao próprio desenvolvimento industrial”.
O estudo compara a evolução do VAI (Valor Adicionado da Indústria) brasileiro ao de doze países desenvolvidos, onde a indústria é tida como madura, inclusive Estados Unidos da América, Alemanha, Itália, Inglaterra e Japão. O fenômeno se repete: decrescimento do VAI ao longo dos anos estudados. A tabela I demonstra isso, de 1980 a 1995.
Em 2014, o IBRE/FGV demonstrou que o VAI brasileiro era de 10,80%, portanto 1/3 do de 1980, e que a participação do VAI brasileiro de 2014 era o mesmo de 1947, ou seja, de 67 anos atrás.
Tabela I
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Valor adicionado na Industria Brasileira de 1980 a 2014
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Brasil
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Media de 12 paises desenvolvidos
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1980
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31,10%
|
24%
| ||||
1985
|
20%
|
23,70%
| ||||
1990
|
23%
|
22,30%
| ||||
1995
|
22,70%
|
20,50%
| ||||
2014
|
10,80%
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2015
|
10,47%
| |||||
2016
|
10,15%
| |||||
2017
|
9,84%
| |||||
Fonte: Unido(1997) e Banco Mundial (1996)
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de Padrões de Desenvolvimento Industrial no Brasil-1980 a 1995
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Por Regis Bonelli e Robson Goncalves.
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Fonte:IBRE,FGV, em Valor.com.br em 25.12.2015
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Com base nos dados anteriores, fiz uma projeção para os três anos seguintes: 2015, 2016 e 2017, e verificamos que a tendência seria de decrescimento, conforme Tabela I.
Como analisar esses fatos à luz dos dados inconsistentes? Quais são as informações essenciais que acompanham tamanha transformação na indústria brasileira moderna? Nós vamos partir de uma equação singela: o valor adicionado criado é igual ao valor adicionado distribuído.
Os dados do valor adicionado criado no período são os dados da participação do PIB industrial no PIB brasileiro. É de decrescimento. Para os dados do valor adicionado distribuído tomaremos como variável aproximada a participação do emprego na indústria brasileira de 1980 em diante, vis a vis a participação do emprego no setor de serviço e comércio, com dados do IBGE. O que se verifica é uma mudança estrutural, isto é, a transferência de mão de obra do setor industrial para o de serviço/comércio
Tabela 2
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Emprego na Industria e Comercio & Serviço
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Industria
|
%
|
Com e Serv
|
%
|
total
| |
1980
|
10674977
|
0,60091
|
7089709
|
0,39909
|
17764686
|
1991
|
7449383
|
0,632126
|
4335261
|
0,367874
|
11784644
|
2000
|
14497950
|
0,427368
|
19425844
|
0,572632
|
33923794
|
2010
|
18210678
|
0,444563
|
22752465
|
0,555437
|
40963143
|
.Fonte: IBGE
Em 30 anos, de um total de 17,7 milhões de trabalhadores empregados nos dois setores: indústria e comercio& serviços em 1980, saltou para 40,9 milhões de trabalhadores em 2010, sendo que a partição desse pessoal ocupado se inverteu ao longo dos trinta anos. De uma participação majoritária da indústria, com 60% em 1980, passou para uma participação minoritária, de 44,4% em 2010. A tendência à maior integração de mão de obra e de recursos da indústria ao serviço&comércio no Brasil se verifica também no mundo civilizado, conforme Regis Bonelli e Gonçalves, 1999.
Se maior integração da Indústria/Serviço implica em menor valor adicionado distribuído para a classe trabalhadora, isso implicou também emmaior capacidade produtiva da moderna indústria brasileira ao longo de 1980 em diante. A partir do consumo da energia elétrica em tonelada equivalente de petróleo, de 1980 em diante, dados extraídos do Balanço de Energia Nacional do Ministério de Minas e Energia e do quadro de trabalhadores envolvidos na indústria e no serviço/comércio para o mesmo período, verifica-se que a planta industrial brasileira medida pela intensividade do uso da energia versus mão de obra empregada passou de um patamar de 1,58 para 2,08, e que serviços/comércio passou de 0,11 para 0,13. Isto é, as plantas industriais estão mais automatizadas a partir do maior consumo de energia no período, logo com maior poder de produção. E no setor comércio/serviço verifica-se um maior consumo de energia (trabalho morto) no período, mas a demanda por trabalhadores (trabalho vivo) foi maior, conforme dados da tabela 3.
C
|
Tabela 3
| |
Energia Versus Emprego
| ||
Industrtia
|
Com&Serv
| |
1980
|
1,588148
|
0,114426
|
1990 e 1991
|
1,48199
|
17,18%
|
2010
|
2,085361
|
0,131296
|
Fonte : IBGE e BNE,MME
|
Eis o paradoxo da indústria moderna brasileira, maior capacidade de produção e menor valor adicionado criado, e consequentemente menor valor adicionado distribuído. Ao lado da maior integração com o setor de serviço/comércio há que se observar o fenômeno da terceirização dos serviços da indústria no período. Conforme pesquisa FIRJAN, SEBRE, FGV e outros em 2007, junto a 416 indústrias brasileiras, envolvendo um contingente de 495.940 trabalhadores, verificou-se que 71,42% dos respondentes iriam terceirizar as áreas de gestão em 2015 nos seguintes itens: Tecnologia da Informação, Contabilidade, Jurídica, Recursos Humanos, Serviços Gerais e Financeira. E 95,7% dos respondentes iriam terceirizar, em 2015, a área operacional nos itens: Produção, Manutenção, Engenharia, Qualidade, Meio Ambiente e P&D.
Para o valor adicionado distribuído pela indústria não se encerra apenas para a classe trabalhadora, mas também para o capital próprio e para o Estado. Se medirmos a arrecadação do IPI em relação ao PIB, ou em relação à arrecadação total pela Receita Federal, constataremos isso no período a partir de 1980, embora os dados que se dispõe sejam de 2011 a 2016. Envolvendo a arrecadação de IPI de nove (9) setores que mais contribuem: Bebidas; Fumo; Química; Borracha e Matéria Plástica; Veículos, Reboques e Carrocerias; Celulose, Papel e Produtos de papel; Metalurgia; Comércio e Reparação de Veículos Automotores e Motocicletas; Comércio Atacadista, Exceto Veículos Automotores e Motocicletas.
Tabela 4
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Ano
|
IPI
|
Arrecad. Tributaria exceto a Previenciaria
| |||
2011
|
33340
|
667325
|
5,00%
| ||
2012
|
32433
|
689767
|
4,70%
| ||
2013
|
32885
|
768724
|
4,28%
| ||
2014
|
35321
|
788923
|
4,48%
| ||
2015
|
33998
|
826843
|
4,11%
| ||
2016
|
30320
|
883262
|
3,43%
| ||
Fonte: Receita Federal. Em milhões de reais
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Em apenas seis (6) anos, a arrecadação relativa do IPI decresceu -6,06 ao ano, de 2011 a 2016, passando de um patamar de 5% para apenas 3,43% do total da arrecadação da Receita Federal. Se a comparação for feita a partir de 1980, o decréscimo deve ser maior seja qual for o indicador, pelo IPI/PIB ou pela IPI/Arrecadação da Receita Federal.
Contudo esses dados da relação dos impostos com o descenso do VAI comportam mais de uma leitura: há que se levar em consideração a rentabilidade do capital próprio que depende do nível de utilização da capacidade instalada, do mark up industrial praticado, e do custo financeiro do passivo industrial. Na pior das hipóteses, isso significa maior propensão da indústria para o crédito, tanto o dirigido quando o crédito livre.
O crédito para o giro do negócio quanto o de financiamento de longo prazo é fundamental nesta hora. Segundo declaração do diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da FIESP, Paulo Francini, ao Diário de Pernambuco, em 1/3/2017: “As condições de crédito continuam muito ruins e, para a indústria, são piores. As empresas estão em grandes dificuldades conhecidas pelos bancos”. Mais que na crise, o Estado é a primeira vítima. Deixa-se de pagar impostos.
Diante do quadro exposto, do paradoxo da indústria brasileira, e a da redução do valor adicionado criado e distribuído, é que se propõe a lei do retorno do crédito interno para a indústria brasileira. A partir de uma equação simples: tempo de contribuição do imposto devido seja igual ao tempo de comprometimento de pagamento de capital de giro ou de financiamento a médio e longo prazo.
É óbvio que os detalhes desta lei devem ser estabelecidos pelos representantes da indústria, pelos políticos e pelos governos: estaduais e União. Por exemplo, haveria um limite mínimo e máximo de contribuição.
Carlos Magno – Economista e escritor.
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