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quarta-feira, 27 de junho de 2018

O país do futuro e o casamento com a mediocridade

Fernando de Holanda Barbosa Filho

A economia brasileira encontra-se estagnada desde a década de oitenta. Com base nos dados do IBGE, após se expandir de forma sistemática a uma taxa de 7,1% ao ano entre 1950 e 1980, o PIB nacional cresceu entre 1980 e 2017 a uma taxa média de 2,2% ao ano. Entre 1950 e 1980 a renda per capita doméstica dobrava a cada 17 anos, com crescimento médio de 4,4% ao ano. Entre 1980 e 2017, a renda per capita expandiu-se a vergonhosos 0,7% ao ano, taxa pela qual levaria cerca de 100 anos para dobrar o PIB per capita. Ou seja, perdemos a capacidade de gerar aumento de renda para nossos cidadãos e eventos como a recente crise criam uma perspectiva negativa para a nossa renda per capita por mais uma década à frente.
O menor crescimento da economia brasileira e de nossa renda per capita nas últimas décadas interrompeu o processo de convergência do Brasil com relação aos países ricos. O acelerado crescimento da economia brasileira entre 1950 e 1980 possibilitou um rápido avanço da renda per capita em relação aos EUA, com o Brasil atingindo cerca de 30% da renda per capita americana em 1980. Nesse momento, o Brasil apresentava uma renda per capita parecida com a da Coreia do Sul. Entretanto, nas três últimas décadas passamos a ter uma renda per capita equivalente a 20% da americana. Nesse mesmo período, a Coreia do Sul atingiu cerca de 60% da renda per capita dos Estados Unidos.
A crise da dívida da década de oitenta foi o primeiro obstáculo ao processo de convergência. No entanto, a taxa de poupança do setor público não se recuperou desde então. A “Constituição cidadã” de 1988 parece ter iniciado o processo que “garantiu” nosso baixo crescimento. O período de fazer o “bolo crescer para depois repartir” deixou sequelas em nossa sociedade, que passou a buscar crescer com repartição. No entanto, da forma como esse objetivo foi perseguido, a consequência foi que nosso bolo não só não cresceu como tampouco foi repartido desde então.
Neste sentido, considero a retomada do crescimento acelerado um objetivo fundamental para a economia brasileira. A crítica de que o bolo cresceu entre 1950 e 1980, mas não foi repartido, ocasionando a forte concentração de renda do país, é verdadeira. No entanto, devemos ter em mente que, naquele período, a renda média da sociedade crescia em ritmo bastante acelerado possibilitando que nos aproximássemos dos países mais ricos.
Crescimento Econômico
A teoria do crescimento econômico explica episódios de crescimento através de dois mecanismos distintos: acumulação de fatores de produção e ganhos de produtividade. Logo, pode-se crescer com uma estratégia de ampliação dos fatores de produção como capital, capital humano e trabalho ou com base em ganhos de produtividade.
Observando o mundo, os casos de sucesso de rápida convergência de renda foram casos de veloz acumulação de fatores aliados ao aumento de produtividade. Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e Hong Kong acumularam capital físico e capital humano. Houve também ganho de produtividade da transferência de recursos de atividades do setor primário de baixa produtividade para atividades ligadas à indústria, o chamado efeito composição, como no Brasil durante o milagre. Adicionalmente, o aumento do estoque de capital por trabalhador contribuiu para a elevação da produtividade do trabalho.
O Brasil encontra-se nas últimas décadas em uma armadilha da qual não consegue se desvencilhar. Não investe o suficiente para elevar o estoque de capital da economia, ao mesmo tempo em que temos pouco avanço na produtividade. Diga-se de passagem, é mais “fácil” crescer acumulando fatores e com ganhos de produtividade oriundos da transferência de recursos para setores mais produtivos do que ampliando a produtividade intrassetorial.
O impacto da acumulação de capital humano no país ainda não aparece nos dados de produtividade e de renda per capita. Apesar da expansão da escolaridade média do brasileiro, o ganho de renda per capita tem sido muito inferior ao de outros países. Adicionalmente, a taxa de investimento e o aumento do estoque de capital por trabalhador tem sido muito baixo.
Em conjunto com nossa baixa acumulação de fatores das últimas décadas, temos tido desempenho medíocre da produtividade, uma outra má notícia. Utilizando os dados de contas nacionais do IBGE, para obter o PIB e construir uma série de capital, e as horas trabalhadas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), conseguimos calcular diversas medidas de produtividade. A Tabela 1 mostra que a taxa de expansão da produtividade no Brasil tem sido medíocre sob qualquer ótica a partir de 1982. A produtividade do trabalho cresceu em média 0,5% ao ano, a produtividade do capital caiu 0,4% ao ano e a produtividade total dos fatores cresceu somente 0,1% ao ano.


Tabela 1: Taxa de Crescimento da Produtividade no Brasil entre 1982 e 2016
Produtividade do Trabalho
Produtividade do Capital
PTF
0,5
-0,4
0,1
Fonte: Elaboração Própria.

A Tabela 1 deixa claro que será muito difícil qualquer processo de convergência da renda brasileira com relação a dos países ricos com base em nossa produtividade. Para piorar, estamos no fim do bônus demográfico, período no qual população em idade ativa cresce mais rápidamente do que a população em geral, facilitando a expansão do fator trabalho. Ou seja, crescemos pouco num período em que naturalmente a acumulação do fator trabalho aumenta. A partir do fim do bônus demográfico, o crescimento fica mais difícil.
Dessa forma, para acelerar o crescimento da economia brasileira e permitir que esta atinja o nível de renda per capita dos países ricos devemos ter uma estratégia nacional de acumulação de fatores (sem deixar de criar políticas de estímulo à produtividade e redução da má alocação de recursos de nossa economia). No entanto, para atingir esse objetivo temos que fazer com que a poupança pública volte a ser positiva.
País do futuro ou casado com a mediocridade?
Em tese, o aumento do investimento poderia ser realizado via poupança doméstica ou externa. Na prática, como o Brasil não possui uma moeda conversível, a estratégia de crescer com poupança externa gera fragilidades que tendem a provocar crises de financiamento no molde das vividas pelo país na década de oitenta. A saída é elevar a poupança doméstica e, com isso, gerar um aumento do investimento sustentável ao longo do tempo. Levando-se em conta a renda líquida de impostos, a poupança privada no Brasil está acima de 20% do PIB. Logo, parece que nosso principal problema decorre da falta de poupança pública. Ou seja, para que possamos voltar a crescer em ritmo acelerado deveremos acumular poupança doméstica, principalmente através da recuperação da poupança pública.
No atual momento, o Brasil passa por uma grave crise fiscal, com necessidade de um ajuste próximo a 4% do PIB somente para estabilizar a dívida pública. A estratégia de crescimento acelerado puxado pelo investimento dependerá de um ajuste fiscal forte o suficiente não somente para estabilizar a dívida, como também, para reduzir os nossos gastos com consumo e abrir espaço para os gastos com investimento.
Os países asiáticos que alcançaram o nível de renda de países ricos tinham taxas de poupança de pelo menos 30% do PIB. Não haverá crescimento acelerado sem redução do consumo presente. Essa mudança no padrão de consumo e investimento não é fácil. No entanto, nossa escolha como sociedade deveria estar clara. Queremos que o país do futuro chegue logo, ou desejamos continuar casados com a mediocridade, como descreveu meu colega Samuel Pessôa recentemente.
Não fazer esse esforço é nos conformarmos com um regime de baixo crescimento no qual, para dobrarmos nosso PIB per capita, demoraremos mais de 100 anos. Nesse ritmo, jamais alcançaremos os níveis de renda de países ricos. Chegou a hora de superamos a mediocridade e encararmos o desafio de fazer no presente o que sonhamos para o país do futuro.

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