O papel do Estado na provisão de serviços públicos e no desenvolvimento econômico - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

terça-feira, 30 de outubro de 2018

O papel do Estado na provisão de serviços públicos e no desenvolvimento econômico

Resultado de imagem para O papel do Estado na economia

Autor: Samuel Pessoa - Revista Conjuntura Acadêmica, Vol. 72 nº 10  OUTUBRO  2018 - Ponto de Vista

O papel do Estado na economia pode, de maneira simplificada, ser organizado em duas dimensões. Na primeira, temos o Estado que dá maior segurança aos cidadãos e procura reduzir a desigualdade de oportunidades por meio da oferta de serviços públicos como saúde, educação, programas de assistência social etc.
 
Na segunda, está o grau de intervenção direta do poder público sobre o funcionamento dos mercados: papel e extensão das empresas estatais, marcos regulatórios setoriais, concessão de crédito subsidiado para incentivar alguns setores da economia em detrimento de outros, grau de fechamento da economia ao comércio internacional etc. 
 
Um exemplo ajuda na distinção das duas dimensões: Estado de bem-estar social e Estado interventor. É possível haver um amplo e generoso programa público de seguro-desemprego, como ocorre, por exemplo, nos países nórdicos, e, por outro lado, haver grande liberdade contratual entre o trabalho e o capital, também situação vigente entre os escandinavos. 
 
Pode-se afirmar que a escolha social entre haver ou não um Estado de bem-estar social amplo e abrangente tem natureza normativa, ou seja, é tomada em função de um juízo de valor que a sociedade expressa. Não há tamanho certo ou errado do Estado. Diferentemente, a forma e a dimensão da intervenção e regulação do poder público no funcionamento direto dos mercados têm natureza positiva, no sentido de que funcionam, ou não, para produzir desenvolvimento econômico sustentado (no contexto específico de cada país). 
 
Há no Brasil visão contrária à oferta privada de serviços de utilidade pública e de setores básicos, também conhecidos por setores estratégicos, como, por exemplo, energia e petróleo. Essa tese não tem respaldo factual. Existe farta evidência empírica de que não há justificativa para o Estado ser produtor direto de serviços que poderiam ser ofertados de forma mais eficiente e, logo, a um menor custo para os consumidores, pelo setor privado. Por exemplo, o historiador William Summerhill estudou as concessões de ferrovias no Brasil entre 1854 e 1913 e documentou que as empresas privadas apresentaram lucros positivos e que os retornos sociais de suas atividades foram sempre maiores do que esses lucros. Segundo o estudo, essas empresas foram importantíssimas para o desenvolvimento brasileiro naquela época, superando o impacto das ferrovias no desenvolvimento norte-americano no mesmo período.
 
Marcelo Jourdan (2006) estudou todos os balanços da empresa Light, entre 1898 até a estatização total da empresa em 1978, e não encontrou nenhum sinal de lucros exagerados. Ao longo desses 81 anos de operação no Brasil, o retorno da empresa, em dólares americanos constantes, foi de 3,6% ao ano. Há sinais, por outro lado, de que o controle tarifário a partir do Estado Novo iniciou um longo processo de estatização dos setores de energia elétrica, telefonia e transportes urbanos, o que levou à contínua degradação da oferta desses serviços que tiveram que ser estatizados, com ônus para o Tesouro.
 
É importante lembrar ainda que, no início da década de 1990, um telefone fixo no Brasil era bem de luxo. A privatização levou a um boom no acesso a serviços de telecomunicação e à maior concorrência entre empresas, com nítidos benefícios para o Estado e para os consumidores.
 
Outro exemplo interessante é a campanha “O petróleo é nosso!”. Forte mobilização, praticamente unânime da sociedade. Naquela oportunidade, meados dos anos 50, uma parcela de sete em cada dez crianças de sete a 14 anos estava fora da escola. E o Brasil construía Brasília e a Petrobras. Não há dúvida de que as prioridades foram invertidas. Nossos preconceitos, nossas ideologias e nossa dificuldade com os números e as contas nos jogam no desastre das escolhas erradas e do desperdício de recursos públicos.
 
Recentemente, nova rodada de intervencionismo nos legou pesado fardo. Com dificuldade, estamos saindo da maior perda de produto, e a mais extensa no tempo, dos últimos 120 anos. Uma das agendas que produziu o desastre tem claro conteúdo ideológico. A forte inflexão intervencionista na política econômica gerou um hospital de empresas quebradas e muito prejuízo para o Tesouro Nacional. Os repasses do Tesouro Nacional ao BNDES – cerca de R$ 500 bilhões ao longo de sete anos – representam mais do que o gasto, em valores de hoje, do governo norte-americano com todo o plano Marshall.
 
Recente estudo de Ricardo Barboza e Gabriel Vasconcelos documenta que cada R$ 1 emprestado pelo ­BNDES gerou R$ 0,5 de investimento. Qualquer avaliação de custo e benefício das atividades do BNDES no período começa com um desperdício de 50%. Para que a perda não seja inaceitável, nos outros 50% o ganho social do investimento, em excesso ao ganho privado, teria que ser surpreendentemente elevado, sem o que as ações do banco entram na lista das imensas dilapidações de recursos da década passada.
 
Outro enorme desperdício foi a alteração do marco regulatório do petróleo em 2010. A descoberta do pré-sal e a nova configuração geológica demandavam no máximo um decreto presidencial e, provavelmente, a adição de um parágrafo à Lei do Petróleo de 1997. O decreto estabeleceria novos parâmetros para a Participação Especial (PE), o imposto sobre a receita líquida da produção de óleo, que tem a mesma base tributária da partilha no novo sistema. O novo artigo na legislação estabeleceria que o lance do leilão de novos blocos de exploração e produção poderia ser sobre os termos da PE, em vez de ser sobre o bônus de assinatura. Daria na mesma em termos das receitas apropriadas pelo governo brasileiro. Por ideologia perdemos a melhor janela de preços internacionais do petróleo. A sociedade não desfrutou de todos os benefícios que poderia ter colhido da riqueza mineral.
 
Também tentamos reconstruir a indústria naval, pela terceira vez em 60 anos. Não temos aprendido com os erros das decisões passadas. Não à toa, repetimos o fracasso da indústria naval dos anos 50 nos anos 70 e agora nos anos 2000. Em todos os casos, os resultados foram muitos estaleiros quebrados e pesada conta para os contribuintes.
 
A conclusão é que nossa expe­riência, tanto nos casos bem-sucedidos quanto nos desastres, é farta em mostrar que, em termos de oferta de serviços de utilidade pública e de bens e insumos estratégicos, devemos ser pragmáticos. Não somos uma sociedade rica ou com enorme capacidade de poupança como, por exemplo, é o caso dos países de industrialização recente da Ásia, e, mais recentemente, da China continental.
 
Nossa sociedade tem dado seguidas demonstrações de que deseja a construção de um eficiente Estado de bem-estar social que a atenda e que encaminhe nossos problemas seculares de elevada desigualdade e heterogeneidade social. Nossa taxa de poupança é baixa e, consequentemente, os juros são elevados, além de convivermos com permanente pressão inflacionária. Ou seja, somos uma sociedade que não pode se dar ao luxo do desperdício. Mais do que em qualquer outro país, temos que ser rigorosos com o emprego dos recursos públicos.
 
Países que optam por uma ampla rede de bem-estar social não têm espaço orçamentário para que o Estado seja muito ativo na intervenção direta na economia por meio de empresas estatais e/ou oferta de crédito subsidiado, como foi a nossa experiência recente. As intervenções no setor elétrico e de petróleo e gás criaram passivos na casa de muitos bilhões de reais, que levarão décadas para serem pagos.
 
Em resumo, os dois Estados, o de bem-estar e o intervencionista, não cabem no orçamento do Tesouro Nacional. Temos que saber priorizar. Para continuar priorizando o social, não há como o Estado gastar recursos orçamentários preciosos para pagar a ineficiência de serviços que hoje estão sob a sua responsabilidade direta. 

Um comentário:

  1. As featured by the BBC, Sunday Times & Daily Telegraph. Hassle free courier services with Buscargo. Save time and money when customer rated courier companies compete for your work.

    serviços de transporte internacional

    ResponderExcluir

Post Bottom Ad

Pages