A paisagem dominada principalmente por campos verdes e plantações de cana-de-açúcar à beira de uma rodovia em Porto Feliz, a cerca de 150 quilômetros do centro de São Paulo, é interrompida repentinamente em certo ponto por um aglomerado de placas azuis de silício voltadas para o sol.
Funciona ali uma pequena usina de energia solar cuja produção é dividida por cerca de 40 clientes, que vão desde residências até estabelecimentos comerciais como padarias e academias —um modelo de negócios conhecido como geração distribuída, que atrai cada vez mais empreendedores de todos os portes no Brasil e já movimenta bilhões de reais por ano.
A instalação desses sistemas de energia renovável, em terrenos ou telhados de casas e edifícios, deve atrair investimentos de 16 bilhões de reais neste ano, quase três vezes mais que em 2019, movimentando um mercado fortemente aquecido que envolve desde importações de equipamentos da China e fábricas locais até grandes elétricas e fundos, além de um amplo universo de empresas menores.
A gigante chinesa BYD, por exemplo, que produz desde carros elétricos até baterias para celulares, decidiu dobrar as atividades em suas instalações em Campinas, a pouco mais de uma hora de carro da pequena usina em Porto Feliz, para suprir parte da enorme demanda por módulos fotovoltaicos para empreendimentos de geração distribuída no Brasil.
“Vamos estar das 6h da manhã até 1h da madrugada do outro dia, praticamente 20 horas por dia de produção, para poder entregar painéis solares para um mercado que vem crescendo… a gente acredita que 2020 vai ser o ano da energia solar fotovoltaica no Brasil”, disse à Reuters o diretor de Marketing e Sustentabilidade da empresa, Adalberto Maluf.
Somente neste ano, as novas instalações da tecnologia, conhecida pela sigla “GD”, devem agregar cerca de 3,4 gigawatts em capacidade no Brasil, somando ao fim de 2020 cerca de 5,4 GW, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), o que fará dela a fonte com maior crescimento no país no ano, à frente das tradicionais hidrelétricas e dos parques eólicos.
Consumidores, de outro lado, são atraídos não somente pelo retorno oferecido, mas pelo conceito da energia renovável, que tem crescido a taxas muito mais altas no exterior. Com um gasto de 12 mil a 20 mil reais, é possível ter um sistema residencial de geração distribuída que pode durar um quarto de século, enquanto o investimento se paga em aproximadamente quatro anos.
O potencial do Brasil, um país de dimensões continentais e clima amplamente favorável à geração solar, atrai assim a atenção de gigantes globais.
Além da BYD e da canadense Canadian Solar, que importam painéis prontos e trazem insumos da China para montagem local em fábricas no Estado de São Paulo, as chinesas Risen, Trina, Jinko, JA Solar, DAH Solar e Yingli brigam por participação no mercado brasileiro com equipamentos importados.
De outro lado, os negócios atraem desde companhias multinacionais e locais do setor elétrico com atuação no Brasil até pequenas empresas e startups. A Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) estima que mais de 17 mil empresas já atuam no segmento, incluindo fabricantes, distribuidores e instaladores.
“Como é um mercado novo e que está chamando muito a atenção, existem muitos novos entrantes, até empresas que já faziam instalações elétricas industriais, por exemplo, e agora instalam painéis solares”, disse o presidente da ABGD, Carlos Evangelista.
“O crescimento no Brasil parece grande, mas não chega nem perto do que está acontecendo na China, nos EUA, na Austrália, que já superaram 2 milhões de instalações”, disse o presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia. O Brasil tem atualmente 189 mil sistemas de GD.
“ENERTECHS”
Grandes elétricas que atuam em geração e distribuição no Brasil entraram na onda da GD. A francesa Engie, por exemplo, comprou a local Araxá Solar, enquanto a CPFL, da chinesa State Grid, e a portuguesa EDP criaram unidades para atuar no mercado, a Envo e a EDP Smart. A italiana Enel atua na área com a controlada Enel X.
Mas a tecnologia, ao exigir investimentos bem menores que grandes projetos hidrelétricos e eólicos, também abriu caminho para uma série de empreendedores de menor porte —como a Sun Mobi, dona da pequena usina solar em Porto Feliz.
“A Sun Mobi é o que a gente chama de ‘enertech’, uma startup de energia solar que possui usinas solares. Meus clientes passam a ter direito a uma parcela, uma porcentagem da geração da usina todo mês. Isso, na nossa percepção, vira um produto de assinatura”, explicou um dos sócios da empresa, Alexandre Bueno.
“As pessoas têm interesse em energia solar não só porque ela é mais barata, (mas) porque traz uma proposta de valor diferente, traz uma independência. Por isso esse é um mercado que bomba. Ele bomba porque economicamente faz sentido e ele bomba também porque as pessoas querem (ter energia renovável).”
A usina da Sun Mobi tem 1 megawatt em capacidade —uma fração da potência de grandes hidrelétricas, como Belo Monte e seus 11 mil megawatts. A empresa investiu 4 milhões de reais no projeto, com financiamento da agência paulista de fomento Desenvolve SP, e agora busca captar recursos com investidores para uma expansão da planta.
POLÊMICA PRESIDENCIAL
Em meio ao forte crescimento da GD, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propôs cortar alegados subsídios concedidos para quem adota a tecnologia, temendo aumento de custos para os consumidores de energia em geral.
A iniciativa gerou revolta entre investidores do setor, e em novembro passado centenas de representantes da indústria compareceram a uma reunião do regulador Aneel para discutir a possível mudança de regras usando capacetes amarelos, em protesto.
O movimento acabou ganhando apoio do presidente Jair Bolsonaro, que criticou duramente a agência por “querer taxar o sol”. Em meio à polêmica, um projeto de marco legal para a geração distribuída prevê manter os incentivos à tecnologia, apenas com uma redução gradual e bem menos acentuada que a proposta pela Aneel.
Para muitos empreendedores do ramo, como o sócio da distribuidora de equipamentos Renovigi, Alcione Belache, a proposta da Aneel iria inevitavelmente reduzir o ritmo de crescimento da GD e levar ao fechamento de muitos negócios.
“Essa proposta sendo aprovada, haveria uma redução da quantidade de integradores, da quantidade de empresas atuando nesse mercado, com certeza”, afirmou o executivo, que contratou o cantor sertanejo Michel Teló como “embaixador da marca” para promover sua empresa em meio à cada vez mais acirrada concorrência no setor.
O embate sobre o futuro da geração distribuída, no entanto, não terminou —o projeto de regulação para o segmento, do deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), ainda precisa ser deliberado pelo Congresso, enquanto alguns seguem defendendo o corte dos incentivos.
Nos cálculos da Aneel, a mudança proposta para as regras atuais de GD evitaria custos estimados em 55 bilhões de reais até 2035 para consumidores que não usam a tecnologia.
Atualmente, os adeptos desses sistemas de geração podem abater toda a produção própria de energia da conta de luz. Pela proposta da Aneel, taxas pelo uso da rede elétrica e encargos passariam a ser descontados desses créditos. A agência alega que os custos não pagos por quem é suprido por painéis solares acabam cobertos pelos demais consumidores.
A Secretaria de Avaliação de Políticas Públicas (Secap) do Ministério da Economia apoiou a visão da agência reguladora —em estudo, defendeu que as regras atuais geram “distorções” e representam “subsídio regressivo”, ao impactar as contas de luz de famílias mais pobres, enquanto o investimento nesses sistemas é geralmente restrito a consumidores de alta renda.
Fonte: Reuters
Nenhum comentário:
Postar um comentário