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segunda-feira, 23 de março de 2020

“O otimismo ingênuo é um enorme risco ao agravamento da pandemia”, alerta ex-médico da OMS

Ex-diretor de Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde e professor da Faculdade de Medicina de Botucatu, dr. José Bertolote, diz à ONU News que população precisa tomar distanciamento interpessoal para evitar que o vírus se transforme numa crise sanitária sem precedentes.

ONU News - A crise do covid-19 gera mortes, traumas, ameaça de desemprego, recessão e tantos outros riscos. Como manter a saúde mental em meio a esta pandemia?

O custo da atual pandemia do covid-19 é medido não apenas em termos de mortes, em termos de sofrimento físico, mas certamente trará um enorme impacto econômico e emocional para a população. Tanto nos países, onde o vírus já está circulando como naqueles que ainda aguardam a sua chegada.
Entretanto, nós não devemos confundir sofrimento mental com doença mental. É normal que com as restrições de deslocamento físico, com as restrições do comércio, com o fechamento do comércio, com o isolamento em casa, o isolamento social, tenhamos um grande aumento de ansiedade e um alto nível de estresse. Entretanto, isso não é doença mental. 

O que se fazer para reduzir o estresse e a ansiedade, distinguir fatos de boatos?

Eu insisto na distinção entre sofrimento mental e doença mental porque com as notícias oficiais da propagação do vírus, temos uma avalanche de falsas notícias, de fake news, que circulam pelas redes sociais que contribuem para aumentar muito a ansiedade das pessoas, que têm acesso a essa informação. E na verdade, está se criando uma verdadeira histeria internacional com base em informações distorcidas. Temos que nos esforçar para obter as informações de fontes seguras, confiáveis, de fontes oficiais, de preferência.

O que pode dizer de outras pandemias das quais podemos tirar lições?

Esta pandemia, em particular, nos parece tão terrível porque é a do momento. Entretanto, as pessoas menos jovens já passaram por situações semelhantes. Do ponto de vista econômico, tivemos o crash dos anos 2000, início dos anos 2000, uma grande quebra na ordem econômica internacional.  E voltando um pouco mais, tivemos o crash da Bolsa de Nova Iorque, da qual muito poucos vivos se lembram, mas temos as notícias, temos o documento, uma série de filmes sobre esse evento que foi catastrófico no âmbito mundial.
Pensando em termos exclusivamente sanitários, nós tivemos não longe de nós, as epidemias da gripe suína, da gripe aviária, do H1N1, um pouco mais longe, a epidemia, explosão do vírus da Aids.  Um pouco mais remotamente da gripe asiática, e bem mais longe da qual também poucos vivos se lembram, participaram, a terrível gripe espanhola.
Se pensarmos nesses eventos mais antigos, temos que lembrar que os recursos terapêuticos a nossa disposição eram muito menores, e muito menor o acesso à informação. Hoje, do ponto de vista positivo, nós temos mais recursos terapêuticos, e não tenho certeza que o grande aumento do acesso à informação, nesse momento, seja um benefício. Parece ser mais uma fonte de preocupação do que um alívio. 
Portanto, olhando para o passado, as lições são que temos que ter paciência para enfrentar uma ocorrência da natureza. É algo que surgiu, espontaneamente na natureza, e temos que ter paciência, temos que ter moderação para enfrentá-la. Hoje, diferentemente dos episódios anteriores, nós temos informação científica que nos ajudam, termos formas mais eficazes e de base científica para nos protegermos. E no momento, em muitos países, a ordem é o isolamento social a fim de diminuir o contágio e a disseminação do vírus.

Assista ao chefe da ONU em mensagem sobre o tema.


Até que ponto o otimismo em excesso de quem acredita que não vai ser contaminado pode pôr em risco a própria saúde e a saúde dos outros?

Neste sentido, o excesso de otimismo é um enorme risco e um agravamento da situação. Nós temos que entender que este vírus tem uma alta capacidade de contágio, diferentemente de outros vírus, e nós temos que respeitar estritamente as orientações de manter a distância interpessoal, de manter o isolamento social, e de manter, de evitar as aglomerações públicas por mais aparentemente louváveis que sejam os motivos. Temos que fazer o possível para impedir a disseminação do vírus. Lembro que não temos ainda nenhum tratamento específico, eficaz contra esse vírus a não ser a prevenção e a precaução depois de contagiado.
Neste sentido, penso que temos que manter o otimismo de que será mais uma etapa a ser vencida pela humanidade, e não um otimismo ingênuo e tolo de achar que as recomendações das autoridades são excessivas e que nós podemos burlar e brincar com elas. Neste momento, todo cuidado, realmente, é pouco e temos que pensar em termos de prevenção a fim de evitar uma catástrofe sanitária talvez sem precedentes para os que vivem atualmente.

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