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domingo, 26 de abril de 2020

Cada vez mais isolado, Bolsonaro é reduzido a pai de Flávio, Carlos e Eduardo

Todas as alas que apoiavam o governo se afastam. Além dos "lava-jatistas" nas últimas horas, presidente vem perdendo apoio entre os generais, os neo-liberais, os barões do agronegócio e, por causa da atitude na pandemia, a direita moderada

Carlos Bolsonaro (à esquerda) com o pai e os irmãos Flávio e Eduardo Foto: Facebook de Carlos Bolsonaro


Por João Almeida Moreira para o Diário de Notícias de Lisboa

Hoje não passa de um zombie", disse um dos generais do exército com alto cargo no governo de Jair Bolsonaro a propósito da situação política do presidente do Brasil. Liderando um projeto de poder heterogéneo, que reunia de liberais na economia a lideranças das forças armadas, de pastores evangélicos a grandes latifundiários, de ultra-direitistas a direitistas moderados, já não resta quase nada a Bolsonaro além de Flávio, Carlos e Eduardo, os seus três filhos políticos.

A última ala a abandonar o barco é talvez a eleitoralmente mais poderosa: a dos "lava-jatistas", ou seja, a dos indefetíveis na luta contra a corrupção que foram às ruas exigir o impeachment de Dilma Rousseff, que são fanáticos da Operação Lava Jato e que se declaram fiéis seguidores de Sergio Moro. Com a saída do ministro da justiça e da segurança nacional do governo - uma saída com acusações graves a Bolsonaro e de consequências imprevisíveis - essa ala é, nada menos, do que oposição hoje em dia.

"Sem Moro, o governo perde o apoio dos lava-jatistas, ele era um pilar de credibilidade", disse o senador Major Olímpio, que se assume "lava-jatista" e foi dos mais animados apoiantes de Bolsonaro em campanha.

Moro ao demitir-se disse que só soube da saída de Maurício Valeixo, seu diretor-geral da Polícia Federal, pelo Diário Oficial da União e que o presidente não apresentou um motivo específico para a demissão.

Desmentiu ainda que a saída do seu homem de confiança tenha sido feita "a pedido" do próprio, conforme publicou o "Diário Oficial" e que ele não assinou a demissão, embora o nome do então ministro apareça na publicação.

Moro revelou que Bolsonaro admitiu que a mudança é uma interferência política porque pretende ter alguém a passar-lhe informações sobre investigações e inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal.

Entre os generais, o epíteto de "zombie" com que brindam Bolsonaro em surdina, sintetiza o seu estado de espírito face ao governo. Generais que trabalham ao lado do presidente, como Augusto Heleno, ministro do Gabinete da Segurança Institucional, Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria do Governo, ou Braga Netto, ministro da Casa Civil, defendem ainda off the record que, só por obrigação profissional e espírito de missão, seguirão nos cargos.

Incluindo Hamilton Mourão, o general que é vice-presidente e herda o Palácio do Planalto caso Bolsonaro sofra algum tipo de impedimento.

Em setembro do ano passado, quando o presidente cogitou demitir o seu ministro da justiça noutra crise, Heleno, principal conselheiro do Planalto, resumiu-lhe a situação: "Se você demitir o Moro o seu governo acaba".

Por falar em militares, o poderoso ministro da economia Paulo Guedes está inconformado com a ala fardada do Planalto. Foi aos militares e não aos neo-liberais do governo, liderados por Guedes, que Bolsonaro entregou a condução da recuperação da economia face à pandemia. Os militares pretendem levar adiante um programa de obras que poderá ampliar os gastos públicos em 215 mil milhões de reais até 2024.

Como é natural, Guedes, um adepto ferrenho da redução do tamanho do estado e da despesa pública, ficou com os cabelos em pé - e apelidou em grupos privados o plano de "Dilma 3", numa alusão aos projetos com forte investimento estatal promovidos pela presidente Dilma Rousseff, do esquerdista PT.

As opções económicas de Bolsonaro também vêm afastando o setor agrícola, um dos seus esteios, do governo. Tereza Cristina, a respeitada ministra da agricultura, confidencia estar cansada de apagar os fogos causados pela ala mais radical do governo, simbolizada pelos seus filhos.

O deputado Eduardo Bolsonaro causou grave conflito diplomático ao atribuir à China, maior cliente do Brasil, a responsabilidade pelo coronavírus. "A parte chinesa repudia veementemente as palavras do deputado e exige que as retire imediatamente e peça uma desculpa ao povo chinês", reagiu a embaixada do gigante asiático no Brasil. E disse que o terceiro filho do presidente "contraiu vírus mental".

O ministro das Relações Exteriores, de quem se esperava diplomacia, ainda agitou mais a situação. Ernesto Araújo, membro da ala radical do governo como os filhos do presidente, repreendeu o embaixador chinês, dizendo que a reação dele foi desproporcional.

Dias depois, Abraham Weintraub, ministro da educação e também da ala ideológica, fez piada com o sotaque chinês, trocando os "r" pelos "l", elevando ainda mais a tensão entre os países.

"Surge uma versão agrícola do gabinete do ódio [o grupo ligado a Carlos Bolsonaro, terceiro filho do presidente, encarregado de arrasar reputações dos inimigos do governo] cujas baterias estão voltadas exatamente contra os principais parceiros do agronegócio do país", escreveu Mauro Zafalon, colunista do setor do jornal Folha de S. Paulo.

Além da China, outros importantes importadores de produtos brasileiros, como os países do médio oriente, tem estado na mira dos bolsonaristas mais radicais do governo.

A direita mais moderada, que abraçou Bolsonaro nas eleições sobretudo por aversão ao PT do candidato Fernando Haddad, vinha dando sinais de cansaço com as declarações do presidente sobre as mais variadas matérias. Mas afastou-se em peso durante a pandemia, indignada com a forma como o chefe de estado vem lidando com a doença.

Bolsonaro começou por chamar-lhe "gripezinha", depois perdeu tempo e energia insistindo na defesa da cloroquina, supostamente o remédio milagroso na luta contra a covid-19, e ainda demitiu Luiz Henrique Mandetta, o popular ministro da saúde que não recuou da recomendação de isolamento social, apesar das pressões do presidente para reabrir o comércio e as escolas.

Essa direita moderada sentiu-se mais representada pelo ministro demitido e pelos governadores estaduais, quase todos favoráveis à quarentena.

Os governadores estaduais, entretanto, também se afastam de Bolsonaro. João Doria e Wilson Witzel, governadores de São Paulo e Rio de Janeiro, já o haviam feito apesar de terem sido eleitos na esteira do bolsonarismo, mas até Ronaldo Caiado, que governa o Goiás e era apoiante declarado do presidente, rompeu relações.

"O presidente tem um comportamento completamente irresponsável, a ignorância não é uma virtude, para mim chega", disse.

No Congresso Nacional, apesar da aproximação estratégica recente do Planalto ao "centrão", como é chamado o grupo de partidos que se movem por interesses e cargos, Bolsonaro nunca foi bem visto.

Davi Alcolumbre, líder do senado, e sobretudo Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, têm sido visados pelo presidente. E respondido no mesmo tom.

E, se os grandes líderes evangélicos, como os bispos Edir Macedo ou Silas Malafaia, ainda não deram sinais de afastamento de Bolsonaro, logo minutos após Moro anunciar sua saída do cargo, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos anunciou que vai cobrar "a apuração de crimes de responsabilidade que podem ter sido cometidos pelo presidente". Uma investigação que pode levar ao impeachment.

Sobram do seu lado dois ou três ministros "terraplanistas", o filósofo Olavo de Carvalho, considerado guru do bolsonarismo e adepto radical de teorias da conspiração. E sobram 01, 02 e 03, os filhos políticos de Bolsonaro, os dois primeiros na mira da justiça, razão pela qual o presidente rompeu com Moro.

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