Sputnik Brasil - O juiz Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou no fim da tarde desta sexta-feira (22) o sigilo sobre o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, citada pelo ex-ministro Sergio Moro como prova na apuração em torno de uma possível interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.
"Determino o levantamento da nota de sigilo imposta em despacho por mim proferido no dia 08/05/2020 (Petição nº 29.860/2020), liberando integralmente, em consequência, tanto o conteúdo do vídeo da reunião ministerial de 22/04/2020, no Palácio do Planalto, quanto o teor da degravação referente a mencionado encontro de Ministros de Estado e de outras autoridades", escreveu Mello em sua decisão.
O ministro do Supremo ainda informou, no mesmo documento, que apenas trechos envolvendo outros países – um deles seria a China – foram vetados de liberação, sendo mantidos os demais momentos da reunião que aconteceu no mês passado em Brasília.
"Assinalo que o sigilo que anteriormente decretei somente subsistirá quanto às poucas passagens do vídeo e da respectiva degravação nas quais há referência a determinados Estados estrangeiros", explicou Mello.
O trecho citado por Moro quando da sua saída do Ministério da Justiça, aparece em um dos trechos divulgados pelo STF. Nele, Bolsonaro critica a impossibilidade de interferir na PF. Em meio a muitos palavrões, o presidente ofende veículos de imprensa, que estariam usando familiares dele para atacá-lo, e garantiu que quer todo o povo armado contra uma possível ditadura.
"Mas é a p* o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar f* a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira", assegurou.
Em outro trecho, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, reclamou que tinha uma série de denúncias contra ele no Comitê de Ética da Presidência, e destacou que era preciso prender uma série de pessoas no Brasil, a começar pelo STF. Ele ainda disse detestar o "Partido Comunista" os termos "povos indígenas" e "povo cigano", preferindo classificar todos como brasileiros ante o que seriam "privilégios" de minorias.
"O que me fez embarcar junto foi a luta pela liberdade e acabar com essa porcaria que é Brasília. É muito pior do que podia imaginar, as pessoas aqui perdem a percepção, a empatia, a relação com o povo. Acho que a gente está perdendo a luta por liberdade, e é isso que o povo está gritando. E é isso que a gente está perdendo. Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF. E é isso que me choca", declarou.
Em outro momento do encontro, Bolsonaro criticou as políticas de isolamento social que vinham sendo realizadas por conta da pandemia do novo coronavírus, ironizando a ajuda financeira que o governo federal vinha sendo pressionado a conceder para as faixas mais carentes da população, fazendo em seguida uma correlação com o golpe militar de 1964.
"Eu converso com alguns, não sabe o que é o feijão com arroz, não sabe o que é um supermercado. Esqueceu. Acha que o dinheiro cai do céu. 'Eu tô com os meus privilégios garantidos, meus cem mil por mês', em média, cem mil por mês que essa galera ganha, né? Legalmente. E acha que isso não vai acabar nunca. Como alguns acham que a liberdade a... a... qua... . 'Qual é desse cara, tá maluco?'. Eu tô vendo o mais antigo aqui, o general [Augusto] Heleno aqui. Ele sabe o que é meia, o que foi 64. Muitos aqui não sabem. Essa cambada que tentou chegar no poder em meia quatro, se... se tivesse chegado, a gente tava f* todo mundo aqui. Cortando... ia tá felicíssimo se tivesse cortando cana, ganhando US$ 20 por mês. Não pode esquecer disso. Nós não podemos esquecer o que é esse povo", argumentou.
Caso Moro
A saída de Moro aconteceu após a oficialização da demissão do então diretor-geral da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo, nome este indicado pelo à época ministro da Justiça. Ele não aceitou a saída do seu indicado por falta de justificativas do presidente, e decidiu também entregar o cargo, alegando interferência de Bolsonaro na corporação.
Moro não aceitou o nome do delegado Alexandre Ramagem para comandar a PF na vaga de Valeixo – até mesmo a deputada federal Carla Zambelli tentou convencê-lo, sem sucesso. A denúncia do ex-ministro fez o ministro Alexandre Moraes, do Supremo, impedir a posse de Ramagem tão logo ele foi indicado.
Um inquérito foi aberto a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e o vídeo da reunião, citado tanto por Moro quanto por Bolsonaro em entrevistas, acabou sendo alvo de perícia da PF e foi avaliado por Celso de Mello após os pronunciamentos da defesa de Moro, da Advocacia-Geral da União (AGU) e da PGR.
Enquanto os advogados do ex-ministros defendiam a divulgação da íntegra do vídeo da reunião ministerial, a AGU e a PGR defenderam que fossem liberados apenas os trechos com as falas do presidente. Coube ao ministro do STF pedir a retirada somente de partes com menções a outros países – especulou-se que o chanceler Ernesto Araújo teceu ofensas à China –, mantendo-se as demais em que vários ministros e membros do governo falam.
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