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sexta-feira, 1 de maio de 2020

Governo Bolsonaro deixa humanidades fora da iniciação científica

Entidades criticam nova regra que reserva bolsas apenas para pesquisa que tenha aderência a ‘tecnologias prioritárias’.



CÍNTHIA LEONE - DIRETO DA CIÊNCIA

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) excluiu as áreas de ciências humanas, artes e filosofia de um programa com quase 25 mil bolsas anuais de iniciação científica para alunos de graduação. As novas regras, que também afetam parte dos projetos de ciência básica, repercutiram negativamente na comunidade científica.
De acordo com as novas regras, as bolsasdeverão estar vinculadas a projetos de pesquisa que apresentem aderência a, no mínimo, uma das Áreas de Tecnologias Prioritárias do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq ), que oferece as bolsas, anunciou as mudanças em 23 de abril, mas o edital com informações detalhadas para os candidatos ainda não foi publicado.

Objetivos do programa


A mudança excluirá também parcela significativa da pesquisa básica, afirma o Conselho de Reitores da Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) em nota divulgada ontem (30/abr).
A entidade, que reúne Unesp, Unicamp e USP, alerta que a medida contraria os objetivos do programa estabelecidos pelo próprio CNPq: “contribuir para a formação de recursos humanos para a pesquisa, que se dedicarão a qualquer atividade profissional”.
O Cruesp defende que “[…] a iniciação científica é o primeiro passo na construção de uma carreira profissional sólida em todos os segmentos, não só o acadêmico”. A nota afirma ainda que ao rejeitar a pesquisa de áreas não prioritárias, o CNPq contribuirá para uma drástica redução dos projetos de pós-graduação e da própria pesquisa nacional a longo prazo.
“A sociedade é múltipla e seus desafios são muito complexos, não recomendando negar a importância de áreas sociais e artísticas”, diz o Cruesp. “No mundo moderno todas as áreas se entrelaçam e um avanço tecnológico sempre impacta a sociedade.”

Tecnologias prioritárias


As novas exigências valerão para a Chamada Pública do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do CNPq, órgão do MCTIC. Somada à vertente Ações Afirmativas e a outras formas de concessão, a iniciativa contempla cerca de 27 mil bolsistas de iniciação científica de universidades públicas e privadas em todo o país. Desse total, ao menos 7.625 dos contemplados em 2019 eram das ciências humanas, sociais ou artes, sem contar projetos dessas áreas alocados em temas interdisciplinares.
As tecnologias prioritárias foram definidas pelo MCTIC em março deste ano. Projetos de ciências exatas e biológicas que não tenham relação com essas tecnologias também serão excluídos, o que deve gerar impacto para estudos de ciência básica. Nessa modalidade, a pesquisa está focada em ampliar um conhecimento específico – a composição química de fluidos corporais, a anatomia de uma espécie de ave ou a interação entre matéria e energia, por exemplo – não sendo possível direcioná-la a uma tecnologia específica.
As bolsas de iniciação científica têm vigência de um ano – nesta edição, irão de agosto de 2020 a julho de 2021 – e são concedidas a alunos de graduação interessados em realizar pesquisas em sua área de formação. Os contemplados recebem R$ 400 mensais, valor que não é reajustado há sete anos. O fomento, que existe desde 1992, é concedido diretamente às universidades, que fazem a seleção interna dos bolsistas.

Mudança de gestão

Para Fernanda Sobral, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o aspecto mais negativo da nova medida é que ela afunila ainda mais o ingresso de jovens na carreira científica, prejudicando todo o setor no longo prazo. “Qualquer país tem o direito de estabelecer as prioridades de sua política científica, mas isso deve ser definido em conjunto com a comunidade científica”, diz a professora. Para ela, o CNPq transformou o que era prioritário em “exclusivo” com a nova chamada.
Sobral informa que a SBPC enviou na quarta-feira (29/abr) cartas ao ministro do MCTIC, Marcos Pontes. A entidade também enviou carta ao novo presidente do CNPq, Evaldo Ferreira Vilela, que assumiu o cargo após a demissão de João Luiz Filgueiras de Azevedo no dia 17 de abril. Segundo a pesquisadora, a entidade já vinha discutindo com o Ministério os critérios para a definição das áreas de tecnologias prioritárias, e o diálogo até o momento tem sido bom.
Questionada sobre as novas regras do PIBIC, a Coordenação de Comunicação Social do CNPq informou que “as chamadas estão sendo discutidas e adequadas para lançamento na próxima semana, quando serão divulgadas informações mais detalhadas”. Também procurada para comentar a definição das áreas de tecnologias prioritárias, a Assessoria de Comunicação do MCTIC não se manifestou até o fechamento deste texto.

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