Previsto pela LC 173/2020, municípios teriam direito a R$ 23 bi de auxílio emergencial durante a pandemia, mas perda na arrecadação deve ultrapassar R$ 74 bi neste ano
O Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, instituído pela Lei Complementar 173/2020, prevê um repasse de R$ 60 bilhões para repartir entre estados, municípios e Distrito Federal. Desse total, R$ 23 bilhões devem ser destinados para os municípios, na tentativa de mitigar os efeitos da pandemia. Mas entidades representativas garantem que esse valor não chega perto da perda estimada na arrecadação municipal, que pode ultrapassar os R$ 74 bi neste ano.
Entre as principais fontes de arrecadação dos municípios, estão o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), que ficaram afetados devido à crise econômica. De acordo com o entendimento da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que representa municípios com mais de 80 mil habitantes, “do ponto de vista da despesa, as áreas que sofrerão maior pressão de demanda a partir dessa crise são justamente aquelas que estão sob responsabilidade de estados e municípios.”
“Encerrado o primeiro semestre, é bastante claro para os prefeitos das médias e grandes cidades que os recursos aportados pelo governo federal não serão suficientes para cobrir a frustração de receitas e o aumento bastante expressivo de despesas”, dispara o secretário-executivo da FNP, Gilberto Perre.
A Frente fez uma projeção de receitas, mostrando a consolidação de dados do ano passado com dados deste ano, utilizando as principais fontes de arrecadações dos municípios (ICMS, ISS, ITBI, FPM e cota-parte do IPVA e do IPTU). O levantamento mostra que o impacto para 2020 será de menos R$ 21,2 bilhões nas receitas das grandes cidades. Em contrapartida, as despesas devem aumentar em R$ 9,5 bilhões – explicada, segundo a FNP, pela piora nas expectativas em termos de gasto com assistência social.
As despesas dos municípios com mais de 80 mil habitantes também subiram pelos gastos com saúde e transportes. Os dados da FNP mostram que isso se deve pelo reflexo da pandemia, que incide diretamente sobre a rede pública de saúde e indiretamente sobre a baixa circulação de pessoas, aumentando o custo operacional do sistema público de transporte (utilização abaixo da escala mínima de eficiência).
“Para equilibrar as contas, não há outra saída senão a ajuda do governo federal, porque é o único ente que pode emitir títulos, papel moeda. Então, não há outra forma de os municípios se financiarem. Ou vem recurso da União ou municípios e estados terão que se financiar por meio de endividamento. Isso significa não pagar fornecedores, salários de funcionários. A inadimplência será a consequência caso o governo não contemple recursos suficientes para cobrir a queda de receitas e aumentos de despesas”, endurece Gilberto Perre.
Manifestação
Na última terça-feira (7), a Confederação Nacional de Municípios (CNM) e a Associação dos Municípios do Paraná (AMP) também se manifestaram sobre o repasse, considerado insuficiente. Em nota conjunta, as entidades confirmaram que o montante previsto na lei suprirá apenas 30% dos prejuízos - do total repassado aos municípios, segundo o texto, R$ 3 bilhões devem ser utilizados especificamente com saúde e assistência social e os 20 bilhões restantes são de uso livre, conforme a necessidade da gestão.
O consultor da CNM Eduardo Stranz reafirma que as medidas de isolamento social adotadas por estados e municípios, com a chegada da pandemia no Brasil, ainda que necessárias, ocasionaram uma queda brusca na atividade econômica. “Quando essa atividade econômica caiu, tivemos uma grande perda na arrecadação por partes desses entes, sobretudo nos municípios que são os grandes prestadores de serviços públicos da população”, lembra.
Com a queda na arrecadação e da atividade econômica, houve também um aumento na demanda por serviços públicos. “As pessoas começaram a procurar as prefeituras para buscar auxílios e subsídios para manter as famílias abastecidas pelo menos com comida. Houve uma pressão muito grande em cima dos gestores municipais”, observa.
Embora muito importante, segundo o representante da CNM, esse recurso previsto na LC 173/2020 não será suficiente para repor as perdas dos municípios. “Nós estamos no último ano de mandato dos prefeitos. Os orçamentos no começo do ano previam uma série de investimentos e custeio das prefeituras baseados nas projeções de arrecadações e transferências. Como elas caíram e ainda estão caindo, desde abril, o recurso vindo pela lei complementar é muito importante, mas não vai cobrir todas as perdas que os municípios terão”, lamenta.
A ajuda do governo está prevista para acabar em agosto – a verba foi dividida em quatro parcelas. Eduardo Stranz mostra preocupação com essa realidade, pois a partir de setembro os municípios não terão mais o apoio, o que pode se agravar com as eleições municipais em novembro. “A CNM orienta que os gestores façam todo o possível para atender a população e manter os serviços funcionando, economizando o máximo possível”, recomenda.
Por parte do Executivo Federal e do Congresso Nacional, Stranz espera que haja mais uma rodada de recursos para estados e municípios, em especial, devido à grave crise econômica causada pela covid-19. “Vai demorar para a economia retomar. Além disso, teremos problemas graves a serem enfrentados, com pessoas que estão morrendo e com a necessidade de cuidados sanitários mais efetivos.”
O presidente da AMP, Darlan Scalco, que também é prefeito de Pérola (PR), questiona o valor repassado pela União. Em nota, disse que “é de extrema importância esclarecer a toda a população do Paraná que o auxílio emergencial consolida apenas uma parte de reposição do governo federal das perdas que os municípios estão sofrendo com a queda em suas receitas, em consequência da paralisação das atividades econômicas.”
Em Pérola, a estimativa de apoio financeiro pelo auxílio emergencial federal é de R$ 1,3 bi. No entanto, o prefeito reclama da burocracia na hora de receber o repasse. De acordo com a lei, o recurso chegará ao município se cumpridas algumas regras, como não aumentar o salário de servidores públicos até o ano que vem, não criar ou aumentar valores de benefícios ou auxílios e não realizar novos concursos – exceto para repor vagas essenciais.
A reportagem procurou o prefeito para saber quais alternativas o município estava tomando para driblar a falta de recursos, mas ele não quis responder.
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