Por meio de nota, o ministério informou que a portaria 2.309/2020 “foi revogada, pois a pasta recebeu contribuições técnicas sugerindo ajustes”
Após divulgar uma lista contendo as Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), o Ministério da Saúde recuou e publicou nova portaria (n° 2.345) que desconsidera a atualização inicial. Por meio de nota, o ministério informou que a portaria 2.309/2020 “foi revogada, pois a pasta recebeu contribuições técnicas sugerindo ajustes. Essas sugestões devem ser analisadas pela pasta e demais órgãos envolvidos antes da republicação do texto”.
Diante dessa decisão, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) publicou recomendação pedindo que o ministério reveja a segunda medida, por entender que a atualização dessa lista é essencial no processo de trabalho para a garantia de direitos à população trabalhadora. Segundo o coordenador da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do CNS, Geordeci Menezes de Sousa, a retirada da lista foi um ato antidemocrático.
“Essa decisão nos surpreendeu porque, no âmbito do SUS, as coisas não funcionam pela vontade do gestor do governo, ela tem que ser negociada com os representantes municipais e estaduais, além de ter anuência do Conselho Nacional de Saúde, que é o órgão maior de gestão dos Sistema Único de Saúde”, defende Geordeci.
O sistema precisa de uma revisão periódica da lista oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo a elaboração com a participação de entidades sindicais. A medida, segundo o coordenador, também se trata de uma garantia jurídica para a classe trabalhadora.
“Essa lista é importante porque, ao passo em que essas doenças são detectadas, permite que a gestão do SUS crie estratégias. Essas enfermidades afetam o trabalhador e o levam SUS e, muitas vezes, até para a Previdência Social”, salienta.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) também mostrou preocupação em relação à retirada da lista pelo Ministério da Saúde. Por meio de nota, o órgão defendeu que “a revogação precoce e imotivada da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) põe em risco políticas públicas voltadas à atenção integral à Saúde do Trabalhador, comprometendo a capacidade dos órgãos vocacionados à proteção à saúde e segurança do trabalhador”.
A advogada especialista em Direito Médico, Mérces da Silva Nunes, afirma que a lista é um instrumento indispensável para a validação da atenção integral à saúde dos trabalhadores, além de ser uma fonte de referência para a proteção de dois direitos fundamentais previstos na Constituição: a saúde e o trabalho.
“É a própria lista que orienta as ações diretivas dos órgãos competentes, às ações do Ministério Público do Trabalho, do Poder Judiciário, principalmente nas questões específicas, que são submetidas à apreciação do Judiciário, à orientação das perícias para comprovar que a doença é específica do trabalho”, explica Mérces.
Covid-19
Ao publicar a lista de doenças relacionadas ao trabalho, inicialmente, o Ministério da Saúde incluiu a Covid-19. A doença causada pelo novo coronavírus aparecia classificada como pertencente ao grupo de "Doenças Relacionadas ao Trabalho com respectivos Agentes e/ou Fatores de Risco", por causa da possível exposição ao vírus durante atividades laborais.
Antes de a portaria 2.309/2020 ser revogada, a pasta decidiu retirar o nome da enfermidade da relação. A infectologista Joana D'arc pontua que, hoje, é difícil saber o local exato onde uma pessoa foi infectada com a doença, principalmente por haver uma desorganização na circulação dos indivíduos. Então, ela acredita que colocar a covid-19 como uma doença associada ao trabalho é uma decisão delicada.
“Temos um risco muito alto de cometermos um equívoco. Por isso, eu digo em algumas unidades onde tenho passado e vejo que as pessoas usam todos os equipamentos da forma mais correta, que às vezes é mais fácil a pessoa pegar a doença em outro lugar do que no serviço de saúde”, disse Joana ao comparar o caso envolvendo profissionais que trabalham diretamente em unidades de saúde.
Moradora do município de Campestre (MA), a enfermeira Giovanna Rodrigues, de 25 anos, conta que foi infectada pelo novo coronavírus enquanto trabalhava na cidade de Imperatriz, no mesmo estado.
“Tive acometimento de menos de 25% do pulmão e diagnosticada com a covid-19. No dia 1° de junho eu passei mal e fui levada para o Hospital Municipal de Campestre, onde fiquei internada e iniciei o tratamento com novos antibióticos, pois minha pneumonia viral tinha evoluído para pneumonia bacteriana”, relata.
Vinte e um anos depois
A primeira vez que a lista das doenças relacionadas ao trabalho surgiu foi em 1999, a partir de uma demanda do Conselho Nacional de Saúde. O pedido foi feito a partir da Resolução n° 220, de 6 de março de 1997. No documento, o CNS determina a instituição da relação das doenças ocupacionais no Sistema Único de Saúde e dispôs, ainda, sobre a obrigatoriedade de sua notificação.
Dois anos depois, houve a publicação da lista, por meio da Portaria n° 1.339/1999. Segundo o coordenador da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do CNS, Geordeci Menezes de Sousa, a lista é acompanhada de um item que diz que a relação poderá ser revisada anualmente. “Somente 21 anos depois estamos publicando a primeira atualização que, infelizmente, veio a ser revogada pelo governo”, destaca.
A coordenadora Trabalhista do escritório Natal & Manssur Advogados, Karolen Gualda Beber, ressalta que as empresas também devem estar preparadas para ações judiciais que envolvem doenças relacionadas ao trabalho. Segundo a especialista, uma das medidas é a antecipação quanto ao histórico de orientações repassadas pela companhia aos funcionários.
“Nesse momento, as empresas precisam se munir de toda a documentação necessária, onde comprove todas as orientações que elas deram, todas as medidas que foram adotadas, justamente para que, num questionamento judicial, elas tenham essa comprovação de que ela tomou todas as atitudes e responsabilidades que lhe cabiam”, pontua.
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