Poesia: Constância Uchôa põe fim à discussão sobre a forma correta de se referir à padroeira do Seridó - Blog A CRÍTICA

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segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Poesia: Constância Uchôa põe fim à discussão sobre a forma correta de se referir à padroeira do Seridó





Questões teologais


Nos últimos anos uma discussão teológico-católica se tornou notória e frequente nas redes sociais em Caicó. A forma de o povo se referir à sua padroeira como Nossa Senhora Sant´Ana seria inadequada, segundo a constatação de diversos sacerdotes da igreja, preocupados, evidentemente, com a religiosidade popular. Nossa Senhora só poderia ser referido à Virgem mãe de Cristo, e não à sua Avó, a esta dever-se-ia usar Senhora Sant´Ana ou Santa Ana.


Igreja e tradição


A igreja católica sempre fora imensamente adaptável aos costumes populares e pré-cristãos; por exemplo, uma marca da Festa de Sant´Ana, padroeira das duas maiores cidades do Seridó Potiguar, Caicó e Currais Novos, são as procissões de encerramento das festas nessas cidades. A procissão é uma tradição Greco-romana muito anterior ao cristianismo, marcava as celebrações das conquistas, das vitórias e de devoção aos deuses greco-romanos.


Outro símbolo  cultural nordestino, as fogueiras juninas, sabe-se que são tradições anteriores ao cristianismo, de festejo às colheitas na época do solstício europeu, rendida a deuses pré-cristãos. No nordeste brasileiro, as festas juninas coincidiram com a época da colheita, quando existe, e, tornaram-se referência direta do folclore sertanejo.


Poesia popular como árbitra




Pois bem, não existe cultura popular sem poetas. A civilização ocidental fora criada por um poeta, Homero. A poetisa Constância ao testemunhar o lamento de um homem do povo sobre a questão aqui levantada, resolveu invocar as musas da caatinga para, em forma de versos, pôr fim à discussão. Elaborou um poema onde o eu lírico sertanejo desculpa-se por não saber a forma adequada de se dirigir à sua protetora espiritual. Bem ao estilo da religião no povo, como demonstrou o Mestre Câmara Cascudo, fugindo da liturgia e estabelecendo sua própria forma de exercer a fé, o eu lírico cria uma solução simples e ao modo sertanejo, sem arrudeios: se não pode chamar Nossa Senhora Sant`Ana, chame-se Senhora Sant`Ana, nossa, para não ter perigo de haver confusão, sem deixar de lado a invocação do pertencimento. Eis o poema:


Sant’Ana, nossa. 

Tu me quer mesmo eu pequeno 
Meu santo orvalho sereno 
Minha paz nas aflições  
Sem limite é teu amor 
Avó santa do Senhor 
Vó de nossos corações.

Minha santa eu sou tão rude 
Estudar eu nunca pude 
Mas sei teu hino de cor 
Nem sempre colho o que planto
A seca secou meu pranto 
Mas minha fé é maior 

Falo tu em nome santo 
É que nós conversa tanto 
Pra mim tu tá aqui agora 
Perdoe esse teu demente 
Matuto troca as patente 
Diz tu de Nossa Senhora.

Vou logo te confessar 
Cochichar frente ao altar 
Que teu neto num te engana 
Nas horas dos aperreio 
Eu te rogo errando feio:
Nossa Senhora Santana.

Mas tua filha é perdão 
Num há de ter raiva não 
De tu usar o nome dela 
Se houver conflito, enfim 
Quando eu te chamar assim
Eu acendo as duas velas.

A seca maltrata nós 
Quando escuto a tua voz 
Santana, chega alivia 
Parece a chuva na roça 
Por isso, Santana, nossa 
Explique tudo a Maria.

Se confundirem no céu 
Quem sabe eu enxergue o véu 
E Maria desça talvez 
Aí vai ser bom demais 
A seca fica pra trás 
E vai prosear nós três.

Se o Nossa não vai na frente 
Pra não misturar as patente 
Da mãe de Deus e da avó 
Aqui somos da Senhora 
Aí a Senhora agora 
Não vai ser do Seridó? 

Senhora Santana, nossa 
De nossa não há quem possa 
Impedir de te chamar 
No final “nossa” escrevemos 
Que afinal nós quem sabemos 
Quem manda nesse lugar!

(Constância Uchôa)


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