*Alexandre Aroeira Salles
Quando algum de nós, cidadã ou cidadão brasileiro, precisamos da Administração Pública dos Municípios, dos Estados e da União Federal, temos uma única certeza: vivenciaremos uma saga caótica. Não é novidade para ninguém que todos sofremos os efeitos da ineficiência do Poder Público, em especial quando tentamos sem sucesso mudar: uma equivocada multa de trânsito; uma decisão negativa de aposentadoria; ou um arbitrário ato bloqueando nossa entrada em parque público. É igualmente desesperador o silêncio eterno ou atraso infindável da Administração quando pedimos a ela que nos seja concedido um evidente direito, como a licença para construir uma casa ou um galpão.
Um dos principais motivos para tal situação é a ausência de um adequado Processo Administrativo no Brasil, que ordene os atos e as decisões que precisam ser expedidas pelos mais de cinco mil municípios, os vinte e sete estados da federação e a União. Atualmente, cada uma dessas entidades públicas segue seus próprios procedimentos, muitas vezes sem adotar a boa técnica processual e nem mesmo os mais comezinhos princípios processuais previstos na nossa Constituição de 1988.
Além do caos em nossas vidas, tal lacuna prejudica o funcionamento do Poder Judiciário, que como se sabe não tem funcionado bem, em que pese enorme esforço de digitalização e aprimoramento da gestão coordenado pelo CNJ. Atualmente, a Justiça possui mais de 70 milhões de ações judiciais em trâmite, significativa parte delas decorrentes de litígios causados pelas falhas da Administração Pública durante os seus processos administrativos.
Por isso é muito salutar que o Senado da República e o Supremo Tribunal Federal tenham criado, há um mês, uma comissão de juristas para propor um projeto de reforma à legislação processual administrativa nacional, visando modernizá-la e adotá-la dos meios adequados à satisfação do interesse público.
Há muito trabalho pela frente, mas é possível perceber que alguns anseios da academia, como adotar a atual Lei Federal 9.784/99 em uma lei de caráter nacional, introduzindo normas gerais de processo para todos os demais entes federativos, bem como enriquecê-la com
regras que sigam os princípios da culpabilidade, irretroatividade, prescritibilidade, imparcialidade, presunção de inocência, segregação de funções, consensualidade, coisa julgada administrativa, efetivo contraditório e ampla defesa.
Interessante observar que há boas experiências internacionais que podem servir de inspiração, como o sistema espanhol de contencioso administrativo, a instituição da decisão coordenada na Itália, a figura do Ombudsman no Reino Unido e as recomendações e políticas da Organização para Cooperação ao Desenvolvimento Econômico – OCDE. Vale ainda mencionar algumas técnicas bem pensadas em Estados da federação que cuidaram de aprimorar seus sistemas processuais, podendo citar a título de exemplos: medidas cautelares administrativas em São Paulo; hipóteses de nulidades processuais na Bahia; necessidade de se implantar dosimetria na aplicação de penalidades no Rio de Janeiro; e os possíveis termos de ajuste de condutas no Paraná.
Não se pode olvidar dos avanços já alcançados nos últimos anos, com a introdução de relevantes normas (com influência para os processos administrativos) pelo Código de Processo Civil, pela Lei de Introdução ao Direito Brasileiro e pelas leis de Liberdade Econômica, das Empresas Estatais e das Agências Reguladoras.
Como salientado pelos Presidentes do STF, Luiz Fux, e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, no referido ato conjunto de criação da Comissão, o esforço para aprimorar a legislação de Processo Administrativo deve se dirigir para seu dinamismo, unificação e modernização, garantindo maior segurança jurídica, proteção da confiança e eficiência na atuação do Poder Público.
*Alexandre Aroeira Salles é doutor em Direito e sócio fundador da banca Aroeira Salles
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