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segunda-feira, 20 de junho de 2022

O fim da esfera pública como conhecemos


*Por Gabriel Rossi


Durante o Black Lives Matter, no ano de 2020, a polícia de Dallas criou um aplicativo para que as pessoas denunciassem os manifestantes que protestavam nas ruas da cidade texana. Sabendo disso, em uma clara manifestação política e militante, fãs de K-POP, incentivados pelo conjunto BTS, lotaram o dispositivo com vídeos dos seus astros favoritos, tornando inviável sua execução e fazendo com que a iniciativa fosse cancelada pelas autoridades locais.

Quem poderia imaginar que entusiastas da cultura pop coreana pudessem tencionar o que um dia foi performado exclusivamente por burgueses em salões e cafés dos séculos anteriores? Esse fenômeno, típico da contemporaneidade, mostra que os quadros de compreensão do mundo não estão mais dispostos pelo tom de formalidade argumentativa; sem o protagonismo da comunicação marcada pela oralidade, a experiência pública e coletiva carrega um engajamento político mais ritualístico, efêmero. Há uma concepção estética, performática e, até mesmo, articulada ao redor da diversão.

Nunca, na história da humanidade, houve tanta abundância comunicativa, e os palcos discursivos são hiperbolizados, multidões têm acesso a dados, documentos, discussões. Com seus incontáveis fóruns de debate sobre uma vasta gama de temas, a internet parece levar a uma fragmentação do público e uma “liquefação da política”. Esqueça a esfera pública normativa, racional, habermasiana, motivada pelo intercâmbio argumentativo. A forma que a sociedade tenta convergir sobre um determinado assunto é, em tempos hodiernos, multifacetada, fragmentada e, muitas vezes, idiossincrática. Nas fronteiras das redes sociais e à luz da vida pós-moderna, é cada vez mais difícil cristalizar a opinião pública. Há objetivos, ideários, narrativas, sentimentos diversos. A comunicação no ambiente público é hoje muito mais difusa, o público passa a ser uma forma fluida de associação coletiva. 

Dispositivos tecnológicos permitem mobilizações pragmáticas. Estando em rede, a paixão por K-POP e o apego às causas como aquelas defendidas pelo Black Lives Matter constroem os fundamentos necessários para uma lógica de militância ser colocada em prática no ecossistema digital, uma lógica, sim, efêmera. Sem muito espaço para a racionalidade crítica de outrora, mas ainda assim, às vezes, efetiva.


Gabriel Rossi é sociólogo e profissional de marketing, pesquisador e professor da ESPM e da USP-ESALQ




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