Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Quanto maior a perda de massa muscular durante o período de hospitalização por COVID-19, maiores são as chances de o paciente desenvolver sintomas persistentes da doença, como comprometimento muscular e a chamada COVID longa, que pode incluir dificuldade para respirar, tosse persistente, dores de cabeça, insônia e ansiedade.
A conclusão é de um estudo conduzido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e divulgado no Journal of the American Medical Directors Association. Os resultados também indicam haver uma relação entre maior perda de massa muscular e maiores gastos com saúde nos meses seguintes à alta hospitalar.
“A perda de massa muscular é razoavelmente comum durante períodos prolongados de internação hospitalar. No entanto, esse quadro parece ser exacerbado em pacientes hospitalizados por COVID, afetando a massa, a força e a função muscular a ponto de comprometer a mobilidade do paciente em alguns casos”, explica Hamilton Roschel, líder do estudo e um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e da Faculdade de Medicina da USP.
Financiada pela FAPESP por meio de dois projetos (17/13552-2 e 20/08091-9), a investigação envolveu 80 pacientes com COVID-19 moderada ou grave internados no Hospital das Clínicas da FM-USP em 2020 – época em que ainda não havia vacinas disponíveis. Os participantes foram acompanhados durante e após o período de hospitalização.
Os pesquisadores mediram a força e a massa muscular dos pacientes em quatro momentos: assim que eles deram entrada hospitalar, quando tiveram alta e dois e seis meses depois da alta hospitalar. Para isso foi usado um equipamento (dinamômetro) que mede a força de preensão manual – medida que tem uma boa correlação com a força global de um indivíduo. Já a massa muscular foi aferida com um aparelho de ultrassom, tendo como referência o músculo da coxa.
“É comum associarmos a função dos músculos apenas com a locomoção, mas o sistema musculoesquelético tem um papel muito mais abrangente. Ele participa de vários outros processos no organismo, como a regulação do metabolismo e até mesmo do sistema imune”, explica Roschel.
De acordo com as análises, nos pacientes que tiveram maior perda de massa muscular também foi maior a prevalência de fadiga (76%) e de dor muscular (66%). Já nos que tiveram menor comprometimento da musculatura, a prevalência foi, respectivamente, de 46% e 36%.
Na avaliação feita seis meses após a alta hospitalar, aqueles que haviam perdido mais massa muscular permaneciam com dificuldade para recuperar a musculatura prévia. Já os que tiveram pouca perda se recuperaram quase que totalmente no período.
Preditor de prognóstico
Os pesquisadores também avaliaram os gastos com saúde durante os seis meses seguintes à alta hospitalar. “Embora não tenha havido grandes diferenças em relação à reospitalização e autopercepção de saúde, os pacientes que perderam mais massa muscular tiveram um gasto total com a saúde relacionados à COVID-19 muito maior que o outro grupo”, conta Roschel.
Na média, os participantes que tiveram a musculatura mais afetada na fase aguda gastaram US$ 77 mil contra US$ 3 mil nos dois primeiros meses após a alta hospitalar. Quando considerados os seis meses após a saída do hospital, esse valor foi de aproximadamente US$ 90 mil com gastos em reabilitação e outras complicações, contra US$ 12 mil na média para os que tiveram menor comprometimento muscular.
“Os resultados mostram que a perda de massa muscular parece ser um parâmetro de prognóstico negativo em pacientes hospitalizados, o que sugere serem necessárias testagens de intervenções terapêuticas já durante o período de internação. No plano coletivo, de saúde pública, mostramos que a perda de massa muscular está associada a maiores custos, o que certamente impacta e pressiona os sistemas de saúde não só no âmbito econômico, mas também na demanda por serviços de reabilitação para esses pacientes”, avalia.
Estudo anterior do grupo havia demonstrado que medidas de força e massa muscular podem ajudar a prever o tempo de internação por COVID-19. Ao analisar esses dados no momento da admissão hospitalar, foi possível observar que os pacientes com melhor saúde muscular tendiam a permanecer menos tempo internados (leia mais em: agencia.fapesp.br/35625/).
“Essa primeira etapa do trabalho mostrou como a COVID-19 afeta o músculo e a importância de ter uma ‘reserva muscular prévia’ para lidar com a infecção. Agora vimos que, seis meses após a alta hospitalar, quem perdeu mais massa não apenas não conseguiu recuperá-la, como teve mais sintomas persistentes e maiores gastos com saúde. É importante ressaltar o impacto da doença também para o sistema musculoesquelético e como isso requer atenção dos sistemas de saúde, mesmo após o paciente estar recuperado da infecção”, ressalta o autor.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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