O relatório do PL 412/2022, que estabelece o mercado de carbono no Brasil, foi apresentado pela senadora Leila Barros (PDT/DF) na última semana na Comissão do Meio Ambiente (CMA) do Senado. O documento passou pela análise de mais de 10 ministérios e deve voltar a ser debatido nesta semana.
Se for aprovado no Senado, o texto seguirá para apreciação da Câmara dos Deputados. Segundo o presidente Arthur Lira (PP/AL), a pauta deve ser discutida na “agenda verde” da casa legislativa até outubro.
Abaixo você confere a entrevista sobre o tema com Luisa de Castro e Garcia, advogada do escritório Silveiro Advogados, possui especialização em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela PUCRS e curso de Extensão em Direito Ambiental Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É Integrante da Comissão de Direito Ambiental (CDA) da OAB/RS e membra do LACLIMA – Rede de Profissionais do Direito das mudanças climáticas na América Latina.
Entrevista
O que este Projeto de Lei prevê?
Existem diversos Projetos de Lei para regulação do Mercado de Carbono. A Câmara dos Deputados, por exemplo, possui sete projetos de lei sobre o tema (PL 2148/15 e seis apensados) em regime de urgência e, portanto, prontos para votação no Plenário. O que aconteceu na semana passada foi que o governo apresentou sua versão do projeto de lei que institui no país um mercado regulado de carbono para impor limites compulsórios de emissões de gases de efeito estufa para setores e empresas. Depois de pelo menos cinco PLs e mais de três anos de idas e vindas, a expectativa é que a legislação seja finalmente aprovada, como um componente do chamado Plano de Transição Ecológica. No dia 21/08/2023, foi apresentado o denominado "substitutivo do PL 412/2022", projeto que estabelece o mercado de carbono no Brasil, na Comissão do Meio Ambiente (CMA) do Senado. O substitutivo apresentado, buscou a regulamentação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, popularmente conhecido como mercado de carbono, visto que existem inúmeros Projetos de Lei tramitando sem qualquer avanço.
2. Na prática, o que deve mudar?
O projeto prevê a criação de um sistema conhecido como cap-and-trade, semelhante ao que vigora na União Europeia desde 2005. Os ativos de carbono são definidos como ativos mobiliários – sob o guarda-chuva da CVM – o que permite a criação de novos produtos financeiros. O projeto define um limite de emissões de 25 mil toneladas de CO2 por ano, focando em indústrias intensivas em carbono. Cada uma dessas autorizações de emissão, chamadas de Cotas Brasileiras de Emissões (CBE), equivale a uma tonelada de CO2 ou o equivalente em outros gases de efeito estufa. Empresas que ultrapassarem o limite deverão reduzir suas emissões ou comprar créditos de carbono, mediante a aquisição de Certificados de Redução ou Remoções Verificadas de Emissões para fechar a conta. Aquelas empresas abaixo do limite - ou seja, com sobra de CBEs - poderão vender sua cota no mercado. Outra questão a ser pontuada é a criação de um órgão regulador – batizado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, ou SBCE – que ficaria responsável por determinar os setores da economia sujeitos a tetos de emissões e por conceder (ou vender em leilões) permissões de emissão às empresas. Por fim, é importante destacar que há uma referência no texto do PL a dois patamares numéricos (10 mil tCO2 e 25 mil tCO2e) de emissões (em milhares de toneladas de CO2 equivalente emitidas anualmente, ou tCOe). Quem passar do primeiro limite (10 mil tCO2), teria a obrigação de apenas prestar contas. Já, ultrapassar o segundo limite (25 mil tCO2e) implica imposição de limites, dependendo de condições como setor de atuação, tamanho da empresa e assim por diante.
3. Qual a relevância de ter o mercado de carbono regulamentado no cenário internacional?
Atualmente, o que funciona no país é apenas um mercado voluntário, sem metas nem regras estabelecidas, o que o deixa sujeito a irregularidades, especialmente junto a comunidades tradicionais, e a pouco impacto real em termos de controle de emissões de carbono. A criação de um mercado regulado é um dos instrumentos pelos quais o país pode distribuir de modo mais eficiente os esforços nacionais em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e, assim, alcançar seus compromissos de redução junto ao Acordo de Paris. Também pode ajudar o Brasil a fazer a transição para uma economia de baixo carbono. O instrumento é uma importante medida para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e tem potencial de movimentar até R$ 128 bilhões em receitas, segundo estimativas do projeto Partnership for Market Readiness (PMR). Os sistemas de precificação de carbono se impõem de forma crescente no mundo, em particular pelo grande volume de receitas movimentadas, em torno de US$ 95 bilhões no ano de 2022, de acordo com estimativas do Banco Mundial. O impacto direto na vida dos brasileiros deverá ser grande. Por meio deste sistema, empresas, investidores e cidadãos comuns terão a oportunidade de contribuir e se beneficiar de um mercado em ascensão voltado para a sustentabilidade. Ao mesmo tempo, a proposta assegura que os povos tradicionais, que têm sido guardiões de nossos biomas, recebam compensação justa por sua contribuição na conservação da vegetação nativa.
4. Como fica a tributação?
Essa questão não foi tão abordada no Projeto de Lei, mas acho importante trazer alguns aspectos. O crédito de carbono é gerado através de certificação, que é realizada por empresas especializadas. Elas que afirmarão, com credibilidade, quantos créditos de carbono gera o gramado do Maracanã, ou um alqueire de soja, ou um hectare de floresta nativa. A depender do tipo de vegetação, dentre outros fatores, haverá a geração de mais ou menos créditos de carbono, o que deverá ser certificado por uma empresa especializada. Não basta ter a área verde, é necessário apurar, mensurar, certificar e cartularizar a existência desses créditos, a fim de que possam ser negociados. Logo, neste passo, há a criação de um ativo, de um crédito, para a empresa, que, no mercado livre (voluntário), servirá para uma finalidade específica, que é a de compensar a emissão de poluentes, seja através de uso dos próprios créditos, seja através de compra e venda, seguindo a correlação de que um crédito de carbono compensa uma tonelada de poluentes emitidos. Este crédito é uma representação financeira de um recurso natural não renovável, ou seja, esgotável/perecível. Logo, devem ser realizadas certificações periódicas a fim de demonstrar que aquela área verde, geradora de créditos, permanece íntegra. Sendo assim, serão necessárias certificações periódicas para a geração de novos créditos. Essa geração de créditos de carbono gera tributação? Embora seja um tema muito novo, o que acarreta a necessidade de maior reflexão, em uma análise preliminar arrisco afirmar que não, fazendo um paralelo: o crescimento vegetativo do rebanho, através da geração de novos bezerros, não acarreta qualquer tributação. Só quando o bezerro é comercializado é que ocorrem incidências tributárias, não pelo singelo fato de ele ter sido gerado (CPC 29). Logo, entendo, ainda de forma preliminar, que não há tributação na geração dos créditos de carbono. Claro que tais créditos só existem se forem certificados, e devem ser contabilizados, mas não geram tributação. Haverá tributação na comercialização dos créditos de carbono? Ainda aqui é necessária muita cautela, pois o debate tem sido pautado pela classificação contábil do referido crédito, se financeiro ou se intangível, com consequências tributárias diferentes em cada situação, como exposto com muita acuidade por diversos autores em relevante análise, e reafirmado por Diego Castelo Branco, Gabriel Águila e Thiago Maia em evento recente. Embora sejam análises importantes, penso ser necessário deslocar o olhar e dar um passo atrás, a fim de verificar se, para o direito ambiental, os créditos de carbono se enquadram como serviços ambientais — observe-se que isso fará toda a diferença.
5. Existe uma previsão de quando o PL começará a ter validade?
O PL 412/22, um dos Projetos de Lei que regulamenta o mercado de carbono, está na pauta da reunião de 4ª feira (30), 9h, da Comissão de Meio Ambiente do Senado. A relatora reapresentou parecer hoje. Depois de passar pelo Senado, o texto seguirá para apreciação da Câmara dos Deputados que já prometeu que até outubro apreciará o tema através da "Agenda Verde". O governo tem pressa para regulamentação do mercado de carbono, visto que possui como meta apresentá-lo na COP28 que ocorrerá nos Emirados Árabes em novembro de 2023.
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