João Guilherme Sabino Ometto*
O número de habitantes da Terra chegou a oito bilhões em 2022 sem que se solucionassem os problemas que já vinham atingindo parte expressiva da humanidade. O mais grave deles é a fome, conforme demonstra estudo das Nações Unidas intitulado Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022: o contingente afetado por esse flagelo subiu para 828 milhões de pessoas em 2021. Houve aumento de 46 milhões de indivíduos em relação a 2020 e 150 milhões desde o início da Covid-19.
Além disso, o Relatório Situação e Perspectivas Mundiais de 2023, lançado em janeiro último pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, alerta que a pandemia, a invasão da Rússia à Ucrânia e as consequentes crises de energia e de alimentos, aumento da inflação e a emergência climática prejudicaram muito a economia global, que deverá crescer apenas 1,9% este ano. Se a projeção confirmar-se, será uma das menores taxas das últimas décadas.
A conjuntura também ameaça o êxito dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)/Agenda 2030, para cujo cumprimento restam apenas sete anos. As metas já estavam bastante defasadas antes da pandemia, da guerra e todos os seus impactos. Agora, trata-se de emergência! Os problemas são muito maiores, a população mundial aumentou em cerca de um bilhão de habitantes desde 2015 quando os ODS foram lançados e as condições sanitárias, econômicas, geopolíticas e ambientais conspiram contra sua concretização.
Nesse cenário, os governos veem-se premidos pela dificuldade de fortalecer os sistemas de proteção social sem provocar um rombo fiscal de difícil reversão. Mais do que nunca, são fundamentais investimentos estratégicos em educação, saúde, infraestrutura digital, novas tecnologias e mitigação das mudanças climáticas. Segundo aponta o próprio estudo da ONU, esse aporte de capital pode apresentar grandes retornos sociais, acelerar o crescimento da produtividade e fortalecer a resiliência para choques econômicos.
Chegamos aqui à inevitável pergunta: o Brasil está preparado para atender a essa agenda prioritária para o enfrentamento das dificuldades globais? Infelizmente, temos um passivo grande na área da educação, na saúde pública e, embora contemos com cérebros brilhantes, assistimos a uma drástica redução das verbas para ciência e pesquisa nos últimos anos, que atrasou o aporte tecnológico, a inovação e os necessários ganhos de produtividade e competitividade.
É verdade que temos dado uma eficaz resposta ao mundo no combate à insegurança alimentar, com safras recordes e posição de liderança na produção de proteínas, com um agronegócio eficiente e cada vez mais sustentável, não só nos processos produtivos, como na preservação de reservas florestais dentro das propriedades rurais e fabricação de biocombustíveis, como o etanol. Porém, isso não é suficiente para que solucionemos os graves impactos conjunturais sobre toda nossa população, considerando o aumento da exclusão socioeconômica, como ocorreu em numerosas nações. Não basta garantir a oferta. É preciso que os alimentos cheguem aos mais necessitados.
Os programas de transferência de renda, apesar de necessários neste momento, não se constituem em solução definitiva contra a fome e a miséria. O Brasil carece de uma política econômica eficaz, para gerar duradouro e expressivo crescimento do PIB, aliada a medidas que promovam a efetiva inclusão das pessoas que se encontram abaixo da linha da miséria. Isso passa por ensino público universal e de excelência, saúde, moradia e saneamento básico, ou seja, tudo o que garanta um mínimo de dignidade e vida de qualidade.
Considerados os imensos desafios que temos pela frente, é oportuno lembrar que, em julho, terminará o Ano Internacional da Ciência Básica para o Desenvolvimento Sustentável, instituído pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). A síntese dessa campanha global é a de que os ODS não serão alcançados sem conhecimento, ensino, inovação e pesquisa e sua aplicação prática no atendimento das prioridades.
Eis uma reflexão crucial para os governantes e parlamentares brasileiros. Não podemos mais postergar os avanços nessas áreas decisivas para o desenvolvimento. Afinal, 2030 está apenas um pouco além do horizonte...
*João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos - EESC/USP), empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).
Nenhum comentário:
Postar um comentário