Em nossos dois últimos relatórios, discutimos amplamente os determinantes do ciclo de queda da taxa Selic. O processo foi inaugurado pelo COPOM em sua reunião deste início de agosto com um corte de 0,50pp, que levou a taxa básica de juros para 13,25%.
Temos destacado quatro fatores com papel preponderante no processo de decisão do Banco Central: (i) a postura de política monetária externa ante a resiliência da atividade e a persistência da inflação, notadamente nos EUA; (ii) a atividade doméstica; (iii) o comportamento da inflação corrente e das expectativas em relação à meta e (iv) o grau de incerteza sobre as contas públicas e seu impacto sobre os ativos domésticos, sobretudo a taxa de câmbio. Todos eles mostraram evolução positiva durante o último mês, culminando com um corte inicial maior que o esperado pela maioria dos agentes.
O cenário externo evoluiu na direção do chamado ‘soft-landing’. Neste ambiente, o Fed seria, teoricamente, capaz de levar a inflação gradualmente em direção à sua meta de 2% sem provocar aumento significativo da taxa de desemprego ou das expectativas de inflação. Ou seja, a convergência da inflação ocorreria com um sacrifício quase desprezível do ponto de vista do nível do emprego e da atividade econômica.
Alguns indicadores divulgados ao longo de julho reforçaram essa perspectiva. De um lado, a inflação deu sinais de uma queda mais expressiva e abrangente. Mesmo que em patamares ainda elevados, os dados mais recentes mostraram um movimento promissor em direção à meta de 2%.
De outro lado, indicadores do mercado de trabalho também apontaram para um maior equilíbrio entre a oferta e a demanda de mão-de-obra, que se traduziu na desaceleração do ritmo de crescimento dos salários, o que por sua vez sugere menores pressões inflacionárias à frente.
Portanto, é possível afirmar que os principais determinantes das decisões do Comitê de Política Monetária americano, ou seja, o desequilíbrio no mercado de trabalho e a convergência da inflação em direção à meta caminharam na direção desejável neste passado recente. Não por acaso, em sua reunião mais recente, o Fed sinalizou claramente que o atual ciclo de aperto chegou ao seu final ou está muito perto disso.
Em relação aos fatores domésticos que impactam a nossa perspectiva de taxa Selic, a primeira observação recai sobre a evidente perda de dinamismo da atividade doméstica ao longo dos últimos meses.
Depois de um forte crescimento no primeiro trimestre do ano, explicado majoritariamente pelo desempenho do agronegócio, o PIB deve exibir um resultado próximo da estabilidade no segundo trimestre, feitos os devidos ajustes sazonais. E a perspectiva inicial para o trimestre atual não é muito diferente.
Outro destaque do passado recente é a melhora do quadro inflacionário, seja em relação à inflação realizada, seja quanto às expectativas. O IPCA-15 de julho registrou deflação ligeiramente maior do que o esperado, sendo que seus indicadores com maior poder de informação sobre a persistência da inflação (por exemplo o índice de difusão, a média dos núcleos ou os serviços subjacentes) também apontaram na direção desejável.
Adicionalmente, as expectativas de inflação continuaram arrefecendo e reduziram o grau de descolamento em relação à meta. Devemos destacar, no entanto, que persiste a preocupação em relação às expectativas mais longas que, apesar da melhora nos horizontes mais curtos, seguem acima do que seria desejável para uma condução mais tranquila da política monetária.
Um elemento doméstico adicional a favorecer o começo do ciclo monetário é o momento político e sua repercussão sobre questões relevantes do quadro fiscal de curto e médio prazo. Apesar da grande volatilidade e incerteza observada no começo do ano, os últimos meses trouxeram sinais de um maior alinhamento entre a equipe econômica do governo e o Congresso Nacional, em particular as lideranças da Câmara dos Deputados.
Esse quadro sugere maiores chances de aprovação de medidas de interesse do governo federal que produzam um aumento da arrecadação, movimento necessário para a consolidação do chamado novo arcabouço fiscal e o atingimento das metas de resultado primário para os próximos anos.
Vale mencionar também que a apreciação do Real nos últimos meses, consequência tanto do enfraquecimento global do dólar norte-americano como, em grande medida, da redução das incertezas em relação ao ambiente fiscal doméstico, representa um significativo vetor de baixa da inflação e, consequentemente, da própria taxa Selic ao longo dos próximos meses.
Para melhor discutir este ponto, destaca-se que o câmbio impacta a inflação através dos componentes comercializáveis do IPCA, que são cerca de 32% dos subitens da cesta de consumo. Na medida em que os riscos associados à política fiscal sigam em queda como consequência, por exemplo, do melhor relacionamento entre a equipe econômica do governo e a liderança do legislativo mencionado acima, deveria se esperar uma menor pressão sobre o câmbio. Ou seja, um vetor baixista para parcela relevante do IPCA e, portanto, maior alívio para a política monetária.
Com a materialização do início do ciclo de cortes da taxa básica de juros pelo Copom, emergem então questões sobre a velocidade desse processo e sua magnitude total.
Quanto à primeira, destaca-se que o ciclo deverá ser gradual, com cortes da ordem de 50 pontos base se estendendo por todo o final deste ano e o primeiro semestre do ano que vem. Com este ritmo, o Banco Central conseguirá monitorar de forma mais tempestiva o impacto de suas ações sobre as expectativas de inflação de longo prazo, que como já mencionado anteriormente, ainda ensejam certa preocupação.
Quanto à magnitude do ciclo, acreditamos que a partir do corte inicial de 0,50pp e da possibilidade de alguma aceleração no ritmo de cortes nas próximas reuniões (como cenário alternativo), à medida em que o movimento recente de desinflação dos núcleos em geral e do setor de serviços em particular, a Selic poderá alcançar o patamar de 9,25% em meados de 2024.
A ressalva que fazemos neste momento é que tanto os desenvolvimentos da economia internacional, principalmente em relação ao nível de juros nos EUA, como os fatores relativos à economia doméstica, principalmente em relação à credibilidade da situação fiscal, serão pontos fundamentais para mapear o patamar de juro neutro e o prêmio em torno da meta de inflação que guiarão o nível terminal dos juros.
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