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quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Faltam novos líderes na política?

 Rodrigo Augusto Prando

Professor e pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia.
 

 

Não faz muito tempo que tivemos a disputa eleitoral mais acirrada, e até violenta dos últimos tempos, na disputa entre Bolsonaro e Lula, sendo este último o vitorioso e atual presidente da República. Muitos de meus alunos ou jornalistas foram, ao longo do tempo, me questionando: não há novos líderes políticos capazes de se apresentar com projetos para os eleitores brasileiros? Vejamos.
 

Bolsonaro, por exemplo, conseguiu se projetar contra a política e o sistema, embora por quase toda a sua vida tenha sido político e está – junto com a família – dentro do sistema; Lula, por sua vez, foi candidato à presidência em 1989 (quando eu tinha 11 anos) e foi eleito pela terceira vez em 2022 (quando contava com 44 anos). A polarização entre bolsonarismo e lulopetismo ganhou elementos novos por conta da presença de uma extrema-direita e ataques ao sistema político e eleitoral, e isso não se verificava na polarização anterior, entre PT e PSDB. Mas, aqui, cabe a pergunta: qual o motivo da ausência de novos e bons líderes políticos?
 

Em primeiro lugar, há que se entender que líderes são mais difíceis de se forjar do que os chefes. Chefes precisam de cargo para mandar; líderes não se projetam por meio de um cargo e sim por sua capacidade de dialogar, coordenar, convencer e seguir junto aos liderados. É comum nas organizações privadas que existam chefes que não são líderes e funcionários sem cargo de chefia que lideram, informalmente, grupos no ambiente de trabalho. Na política, especialmente a brasileira, o gosto de mandar e chefiar sempre foi maior do que a capacidade de liderar. Líderes, segundo algumas ideias de Marco Aurélio Nogueira (e que eu tomo a liberdade de complementar), possuem qualidades especiais, que são qualidades intelectuais, técnicas, morais e políticas. Qualidades intelectuais, no caso, são aquelas que permitem exercer papéis de liderança, influenciando, organizando e, coletivamente, mobilizando recursos – intelectuais e materiais –, criando projetos para o futuro; qualidades técnicas são, em nossa sociedade hiperconectada em rede, elementos atinentes ao uso das ferramentas oriundas da tecnologia, domínio das redes sociais e capacidade de falar e escrever com clareza, dominando conteúdo e forma no campo discursivo; já as qualidades morais estão no campo do respeito às leis, às regras, numa constante reafirmação dos valores democráticos num ambiente republicano; por fim, as qualidades políticas são as que permitem entender as relações de poder num espaço de diálogo, de confronto de ideias, às vezes, até de forma mais vigorosa, mas entendendo-se que o “outro” é um adversário e não um inimigo. A política coloca a resolução dos conflitos no bojo das instituições e à luz das leis, por meio do diálogo, da construção de consensos e do respeito à democracia.
 

Nos dias que correm, os líderes são escassos, embora os chefes – e chefetes – abundem, aqui e acolá. Não raro, o próprio ambiente institucional da política, nos partidos e nas casas legislativas, cria barreiras quase instransponíveis para a diversidade social, mormente, quando se pensa nos jovens. Além disso, atacar a política e os políticos tornou-se lugar comum e, com isso, cria-se a narrativa de que política e políticos são ruins, corruptos e que lá prevalece, sempre, o jogo sujo da busca e manutenção do poder. Quais são, assim, os incentivos que, por exemplo, um jovem líder teria para adentrar nesse ambiente? A iniciativa privada costuma captar e remunerar muito bem esses líderes e, na política, muitas vezes, a força da tradição e do carisma populista e salvacionista costumam prevalecer.
 

Finalizo, com licença dos leitores, com uma rápida citação de Marco Aurélio Nogueira, em seu livro “Em defesa da política”, de 2001: “Os políticos profissionais são intermediários, representantes, lideranças. Vivem e agem no interior de um sistema. A boa ou a má qualidade deles depende da qualidade dos que são por eles representados, dos valores que prevalecem e da armação institucional em que operam”.
 

Fiquemos, então, com a atenção especial voltada para esse trecho: “A boa ou a má qualidade deles [dos políticos] depende da qualidade dos que são por eles representados, dos valores que prevalecem e da armação institucional em que operam”. Pensemos em nossa sociedade e na qualidade de nossos valores e ações. Como nós, brasileiros, nos comportamos em relação às leis, às regras, aos conflitos, à separação do público e do privado? Como encaramos a corrupção? O quanto nós, criticamente, ponderamos acerca daquilo que vemos, ouvimos ou lemos? As respostas a estas poucas perguntas podem, talvez, indicar alguns aspectos do porquê da escassez de líderes políticos e da qualidade daqueles que operam no ambiente institucional da política.

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