Elton Duarte Batalha é professor na Faculdade de Direito (FDir) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Advogado e Doutor em Direito.
As primárias realizadas recentemente para as eleições presidenciais na Argentina trouxeram informações que permitem refletir não somente sobre o panorama político interno, mas também sobre a realidade de outros países, entre os quais o Brasil, dada a existência de características similares. O populismo é fenômeno que tem se manifestado em várias partes do mundo, quase sempre com consequências nocivas ao campo da política. Considerado o fato de que as figuras populistas, existentes há muito tempo, parecem estar surgindo com mais frequência ultimamente, cabe refletir sobre os motivos relacionados a tal ocorrência.
Javier Milei recebeu mais de 30% dos votos ao disputar as primárias argentinas (competindo pelo movimento ‘A liberdade avança’). Embora os concorrentes tenham tido votação ligeiramente menor (pouco mais de 28% para o movimento ‘Juntos pela mudança’, que tem Patricia Bullrich como principal figura, e pouco mais de 27% para o movimento ‘União pela pátria’, cujo principal candidato é Sergio Massa), a vitória de Milei demonstra o cansaço da população com as figuras representativas do sistema político tradicional, uma vez que Bullrich fez parte do governo do ex-Presidente Mauricio Macri (de direita) e Massa é atual Ministro da Economia do governo de Alberto Fernández (de esquerda). O surgimento de alguém que se apresenta como sendo originariamente de fora do establishment evidencia a tentativa de escapar da dicotomia típica da Argentina, caracterizada pelo peronismo/kirchnerismo, de um lado, e pela oposição ao peronismo/kirchnerismo, de outro.
O fato é que a receita adotada pela Argentina na construção de uma economia sadia, apta a dar melhores condições de vida à população, parece não estar dando certo. Com inflação superior a cem por cento ao ano e sensação crescente de insegurança devido ao aumento da criminalidade, os argentinos demonstram estar dispostos a dar uma chance ao novo, mesmo que não tenham qualquer indicação se a novidade será melhor ou pior que a situação atual. Essa é a questão, já conhecida em outros locais e momentos históricos: o desespero causado por péssimas condições de vida cria terreno propício para que vicejem discursos revolucionários que, em certa medida, conferem alguma esperança de melhora – mesmo que tal esperança seja transformada em vã ilusão em futuro não muito distante. A única certeza aparente é que a população vizinha ao Brasil quer “que se vayan todos”, como costumam gritar em manifestações.
O primeiro turno ocorrerá em 22 de outubro e ainda há muita movimentação política até lá. O candidato e Ministro da Economia, Sergio Massa, publicou, há alguns dias, um pacote econômico para tentar diminuir a aflição da população vulnerável e não se sabe qual efeito isso irá produzir na população. O fato de a legislação da Argentina não exigir o afastamento do candidato do cargo que ocupa no governo é ponto que leva a refletir sobre a qualidade das instituições do mencionado país, pois permite o uso da máquina estatal para a prática de atos que podem influenciar o pleito (como a edição de um pacote econômico), mas também cria uma dificuldade ao candidato: como prometer resolver a situação econômica se, uma vez no cargo ministerial, não se desincumbiu do ônus de cumprir tal tarefa? Patricia Bullrich, por sua vez, representa uma alternativa ao peronismo/kirchnerismo, mas está ligada à política tradicional, aspecto que parece, em um primeiro momento, ser considerado negativo pela população exausta das mesmas soluções historicamente apresentadas. Um ponto, porém, deve ser destacado: a candidata venceu os rivais do movimento ‘Juntos pela mudança’ nas primárias apresentando um discurso mais duro em termos de combate à criminalidade, o que significa que, entre os moderados da oposição, ela posiciona-se mais à direita que ao centro no espectro político, sinalizando a busca por algo longe daquilo que esteja mais próximo do centro.
Milei, de características libertárias, propõe supostas soluções às dificuldades enfrentadas pela Argentina que apontam para a revolução (ruptura abrupta) e não para a reforma (mudança gradual), destacando-se a dolarização da economia, o fim do Banco Central e a saída do Mercosul, entre outras situações. No que tange à questão da dolarização, os economistas parecem considerar tal medida pouco factível no momento, dada a falta de dólares no país. Além disso, medidas que provocam alterações muito rápidas no status quo podem causar fuga de investidores, por temor causado por eventual insegurança jurídica. De qualquer modo, este receio não parece fazer parte do horizonte de boa parte da sociedade argentina. A lição fica, mais uma vez, exposta para o Brasil e para qualquer outro país: de nada adianta criticar o surgimento de figura populista no campo política, pois tal agente é, em regra, a consequência de um ambiente deteriorado socioeconomicamente, não sua causa.
Cabe à sociedade, assim, evitar a degeneração dos campos social e econômico de forma a diminuir a possibilidade do surgimento de figuras populistas à esquerda e à direita no espectro político. Inúmeros exemplos históricos demonstram o risco que figuras revolucionárias representam para a existência de um ambiente saudável em vários sentidos para a sociedade. A mudança gradual das instituições, embora mais trabalhosa, tem produzido resultados mais consistentes em vários lugares do mundo. É sedutora a possibilidade de soluções fáceis para problemas difíceis, mas a realidade é teimosa e tende a não se curvar a palavras doces que não se comprovem factíveis. O populismo historicamente eleito na Argentina destruiu a economia e desestruturou a sociedade. Será o novo populismo a solução?
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