Relatório Econômico Mensal Outubro/2023 - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Relatório Econômico Mensal Outubro/2023



A segunda metade de setembro foi marcada por uma importante reprecificação dos ativos de risco em escala global. Ato contínuo, parcela importante do mercado e dos analistas locais passaram a duvidar da possibilidade da Selic alcançar níveis inferiores a 10% no atual ciclo monetário.

 

Interessante notar que, num passado não muito distante, mais exatamente em meados de agosto, o mercado futuro de taxas de juros chegou a precificar uma Selic ao redor de 8,75% ao final do ano que vem.

 


Um importante fator explicativo de mudanças tão expressivas nas expectativas sobre a taxa básica de juros é o chamado hiato do produto e onde os Bancos Centrais estimam que ele se encontre.
 

Teoricamente, a elevação da taxa de juros aumenta a ociosidade (o hiato do produto se torna mais negativo), gerando menor pressão inflacionária. Uma vez materializada esta dinâmica, altas menos intensas e frequentes dos preços levam à expectativa de juros mais baixos, evidenciando a conexão entre os ciclos dos juros e da atividade.
 

A recente revisão do hiato para cima, tanto pelo Federal Reserve (Fed), o BC norteamericano, como pelo Copom, sugere uma política monetária mais restritiva nos dois casos. Lá, juros altos por mais tempo. Aqui, uma redução da Selic mais cautelosa. As duas circunstâncias combinadas levaram então à mencionada reprecificação dos ativos.
 

Nos EUA, a alta das taxas de juros mais curtas refletiu a postura mais dura do Fed em sua reunião mais recente quando, apesar de manter os juros inalterados, manteve viva a possibilidade de uma elevação adicional da taxa básica ainda neste ano.
 

Mais importante que isso, porém, foi o fato de que as projeções do Fed apontam para um espaço significativamente menor de redução dos juros básicos no ano que vem. O comitê, que em junho último enxergava quatro cortes para 2024, agora vê somente dois.
 

Em outras palavras, ao invés de uma redução de um ponto percentual (pp), a queda estimada agora pelo Fed no próximo ano é de apenas 0,5pp.
 

 

A sinalização está de acordo com o que temos apontado há meses: a despeito do ciclo de aperto monetário, a economia dos EUA segue com forte desempenho, mercado de trabalho pujante e inflação acima da meta.

Apenas a título de exemplo, o indicador contemporâneo do PIB do terceiro trimestre, produzido pelo Atlanta Fed, aponta para um crescimento anualizado de 4,9%.
 

Esta taxa representa mais do que o dobro do produto potencial, estimado entre 1,5-2%, a depender da metodologia de cálculo. Ou seja, apesar do aperto monetário implementado desde março/2022, a economia dos EUA segue mostrando grande resiliência e, com isso, mantendo elevados os riscos inflacionários. Este ambiente é, evidentemente, preocupante para a condução da política monetária.
 

Portanto, a perspectiva de pouso suave, com uma desaceleração lenta da demanda agregada e da inflação, levando a um aumento controlado do hiato, não tem se confirmado.

Na medida em que o hiato não abre (elevando a ociosidade), não há espaço para redução de juro no curto prazo.

 

Ademais, o precedente histórico sugere que a probabilidade de um pouso forçado é maior do que a precificada atualmente pelo mercado. Sem uma desaceleração mais acentuada da economia americana, não é improvável que as expectativas de inflação e a própria inflação corrente voltem a ser pressionadas, o que poderia obrigar o Fed a retomar o ciclo de alta. A forte apreciação do petróleo nas últimas semanas coloca um risco adicional nas projeções mais benignas para a inflação ao longo dos próximos meses.
 

Já as taxas de juros de mais longo prazo normalmente são determinadas mais por questões estruturais do que pelo movimento cíclico do hiato e da taxa de política monetária. Mas mesmo elas também subiram de forma significativa nas últimas semanas, em decorrência da continuada deterioração na percepção de risco fiscal dos EUA e do consequente aumento da emissão de novos títulos da dívida pelo Tesouro local.
 

Se desmembrarmos a parte longa da curva de juros nominais dos EUA entre expectativas de inflação e juros reais, veremos que a maior parte do movimento foi puxado por este último componente, enquanto que o primeiro permaneceu relativamente estável. Esse movimento dos juros reais nos EUA gerou tanto uma apreciação do dólar frente à maior parte das moedas como uma deterioração dos preços de diversos ativos de risco.
 

Para fundamentar o cenário de juro doméstico, vale retomar nosso relatório de agosto deste ano, que trazia o título “o câmbio é a variável-chave”. O argumento fundamental era que tanto o cenário de juros externos como a evolução do prêmio de risco doméstico (função principalmente do quadro fiscal) determinariam o espaço para apreciação do Real e, consequentemente, a intensidade e profundidade do ciclo de corte da Selic.
 

A elevação na estrutura a termo dos EUA impacta diretamente o nosso juro neutro e provoca desvalorização do Real, o que por sua vez pressiona a inflação. Por outro lado, o maior preço do petróleo pode auxiliar a dinâmica fiscal doméstica, ainda que também contribua para uma inflação persistentemente mais alta. De toda forma, tudo mais constante, os dois fatores argumentam a favor de juro persistentemente mais alto.
 

Ainda sobre a questão fiscal, nossa perspectiva permanece de que a meta de déficit zero para 2024 dificilmente será atingida. A proposta do governo concentra-se inteiramente em elevação da arrecadação e coloca números ambiciosos em cima das diversas medidas até agora apresentadas.
 

No entanto, aquelas já implementadas ainda não refletiram o potencial arrecadatório esperado. Como não há disposição em reduzir gastos, a conclusão natural é que 2024 será novamente um ano de déficit primário.


Em contrapartida a dinâmica econômica doméstica permanece mais resiliente que o esperado. Tanto é que o próprio Banco Central reviu sua estimativa de hiato do produto no Relatório Trimestral de Inflação divulgado ao final de setembro. Neste documento, o Copom reforça que o hiato está menos negativo do que o estimado no trimestre anterior, e que não deve haver mudanças relevantes nesse quadro nos próximos vários trimestres.
 

 

Tanto o comunicado como a ata da reunião de setembro do COPOM reforçaram que, na ausência de (i) uma revisão relevante do hiato, (ii) das expectativas de inflação ou (iii) da inflação realizada, não há motivos para rever o ritmo do ciclo de cortes neste momento.
 

É evidente que nenhuma das três condições se materializa no momento: o hiato está mais apertado; as expectativas de inflação cederam desde a definição da meta em 3%, mas permanecem acima deste patamar; e a inflação realizada, apesar de ter cedido na margem, permanece acima do que é consistente com o cumprimento do mandato da autoridade monetária.
 

Logo, a evolução do ambiente doméstico referenda nossa visão anterior: a taxa de juros encontra-se em patamar restritivo e há convicção de que seguirá em queda lentamente.
 

A expectativa do mercado tem característica pendular: se há dois meses achávamos exagerada a precificação de juro terminal abaixo de 9%, vemos como igualmente exagerada a precificação de juro terminal acima de 10%. Neste sentido, os mesmos três motivos que levariam o Banco Central a acelerar o ritmo de corte, também são aqueles que levariam a um orçamento de cortes menor.
 

Nossas estimativas de juro neutro e inflação doméstica, atrelada às nossas expectativas para a política monetária nos EUA e o câmbio seguem referendando um valor terminal de 9,25% para a SELIC no atual ciclo, a ser atingido em julho do ano que vem.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages