Mário César Martins de Camargo*
Num mundo conflagrado, permeado de confrontos bélicos, como o da invasão da Rússia à Ucrânia, tensões diplomáticas e econômicas entre vários países e polarização política exacerbada, como se observa no Brasil, é fundamental a reconstrução do diálogo e do debate construtivo e democrático. Sem o resgate da capacidade mínima de entendimento, será difícil vencer a disseminação do ódio nas redes sociais e na interação das pessoas e grupos, estabelecer a paz entre as nações e cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Assim, é importante que as instituições da sociedade somem-se de modo cada vez mais efetivo aos esforços dos organismos multilaterais, como a ONU e suas distintas agências, Organização Mundial do Comércio (OMC) e foros econômicos, como G20 e G7. Devemos considerar ser grande a força que a população mundial pode conferir às ações diplomáticas, ampliando suas possibilidades de êxito na tarefa da mediação de conflitos e em desafios cruciais, como a redução da miséria e da insegurança alimentar e combate às mudanças climáticas.
Cabe refletir, então, sobre a pertinência de retomar e ampliar o diálogo e o entendimento no tecido social de cada país e, partir daí, influenciar de modo mais acentuado as decisões dos governantes e organismos multilaterais. Afinal, os rumos da humanidade, conforme os pressupostos mais essenciais da democracia, não podem ser estabelecidos de cima para baixo, mas sim em atendimento aos anseios e necessidades da maioria.
O grande obstáculo à ascensão da população como influenciadora, com forte poder, das decisões nacionais e globais é a polarização rancorosa e desagregadora, que dispersa o foco. Assim, é premente a mobilização de instituições apartidárias da sociedade civil no sentido de contribuir para o restabelecimento da convivência democrática entre as pessoas, num processo de discussão de ideias, respeito às opiniões de todos e soma de esforços em torno do que precisa ser feito.
Um exemplo de como é viável a retomada de um ambiente social mais interativo e sinérgico encontra-se no Rotary International, presente em 183 países, dentre eles o Brasil, onde há 2.400 clubes, em mais de mil municípios. É uma instituição cujo trabalho foi decisivo para a erradicação da poliomielite, salvando a vida de mais de 18 milhões de crianças, que já concedeu mais de 500 mil bolsas de estudos em universidades, que sempre ajuda as comunidades atingidas por cataclismos, como os recentes tufões no Rio Grande do Sul, e que atua com eficácia na saúde pública.
Nesta prioritária área, há dois exemplos emblemáticos em nosso país: com cinco milhões de reais, doados a fundo perdido por uma instituição financeira, o Rotary realizou mais de 50 mil testes de Covid-19 nos asilos de acolhimento da Terceira Idade, nos quais estava a população mais vulnerável; e consórcio com o Ministério da Saúde para um programa de testagem de hepatite, fundamental para a prevenção e diagnóstico precoce, iniciado no governo anterior e continuado no atual, com previsão de ações em mais de 300 municípios, nos próximos três anos. São 50 mil voluntários no Brasil, mão de obra altamente qualificada e gratuita para o cumprimento dessas e numerosas outras missões de ajuda humanitária.
Dentre os associados ao Rotary há pessoas de todas as tendências político-ideológica. Nem por isso há ódio, rompimento, discriminação, ausência de debate e diálogo. É essa experiência de convivência democrática da instituição, assim como de tantas outras correlatas existentes no Brasil e no mundo, que precisa ser externalizada, alcançando toda a sociedade.
Porém, para potencializar ainda mais seu exemplo e poder de influência, o Rotary e todas as organizações congêneres também precisam adotar uma atitude disruptiva. Nesse sentido, defendo três frentes imediatas de ações para a instituição: mais divulgação do que faz, para gerar engajamento e atrair maior participação dos jovens, sem perder a aderência à sua bandeira “Dar de si antes de pensar em si”; parcerias com entidades de classe e organismos que primam pelo pensamento coletivo; e continuidade efetiva nos projetos e programas de cada gestão, considerando que os mandatos dos dirigentes são de apenas um ano.
A ideia é, a partir da reconstrução da capacidade de diálogo na sociedade, empoderar os mais de oito bilhões de habitantes da Terra para influenciar com mais força as decisões dos governos, tratados internacionais, negociações de cessar-fogo, mitigação das emissões de carbono e da miséria e recuperação do tempo perdido na agenda dos ODS. Não podemos mais ameaçar o futuro pela prevalência do ódio e dos interesses mesquinhos.
*Mário César Martins de Camargo, empresário, bacharel em Administração de Empresas (FGV) e em Direito (FDSBC), é o presidente indicado do Rotary International para a gestão 2025/2026.
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